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Sem imóvel certo, não há como existir a busca e apreensão - 03/12/2018
Sem imóvel certo, não há como existir a busca e apreensão (Não se desconhece a redação contida no artigo 243, inciso I, CPP, isto é, que o mandado de busca e apreensão deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa onde será realizada a diligência; todavia, conforme será defendido, não se mostra possível assentir que a delimitação de área se encontra abrangida pela norma jurídica, viabilizando a expedição de amplo mandado; O artigo 243, inciso I, CPP deve ser lido à luz do artigo 5º, inciso XI, Constituição da República, e não o contrário, sob pena de perpetuar a interpretação em retrospectiva, fenômeno esse já examinado por Rubens Casara: “(...) percebe-se a flagrante insistência dos operadores do direito em ignorar as ondas democratizantes (‘as luzes’) que atingiram o processo penal. Trata-se de fenômeno antigo, que merece ser estudado, com especial atenção aos discursos ocultos legitimadores de uma verdadeira inversão da hierarquia legal. Nesse contexto, a Constituição da República é interpretada com fundamento em legislação inferior de cunho autoritário. A esse fenômeno se convencionou chamar interpretação retrospectiva”[3]; Logo, ainda que, de acordo com os limites textuais, indicar possa denotar a leve delineação, para fins jurídico, o que, portanto, leva em consideração a ordem constitucionalmente estabelecida, deve existir certeza do imóvel — não se quer o número do imóvel na localidade, por exemplo, mas, sim, que a atuação da polícia judiciária se volte para lugar certo e individualizado. Na hipótese de indicação de uma região, de um trecho da rua, de um bairro ou de uma favela, não há, portanto, a observância da certeza constitucional exigida; O soft mandado coletivo tem o endereço alvo de sempre, vale dizer, as periferias, os locais onde o Estado somente se faz presente por suas agências criminais. A dificuldade em delimitar um imóvel é fruto da omissão estatal e que posteriormente se volta como argumento para sabotar o disposto na regra da inviolabilidade do domicílio. Apesar de ser trazida para os mais diversos quadrantes do direito, a boa-fé objetiva passa ao largo na forma como se desenvolvem as relações entre Estado e determinada classe de cidadãos. Os bens públicos prometidos pelo texto constitucional não são alocados em determinada área por pura falta de vontade política, ou seja, para fruição dos direitos econômicos, sociais e culturais, é como que se determinadas regiões não existissem. Daí, não é de estranhar a dificuldade em precisar um imóvel, vez que a cidade formal não chegou na periferia. Contudo, o mesmo imóvel esquecido pelo poder público é objeto de lembrança coletiva para a atuação das agências criminais; A admissão de uma legalidade de mandado de busca e apreensão em área delimitada e definida representa a perpetuação de uma graduação do que é ser cidadão. A crítica apresentada por José Murilo de Carvalho se mostra atual, devendo polícia ser substituída pelo Poder Judiciário e a terceira classe de cidadãos personificada no macumbeiro ser associada àqueles que vivem nas áreas passíveis desse heterodoxo mandado de busca e apreensão: “Quem define a cidadania, na prática, é a polícia. Na curta conversa de dez minutos com um agente da lei, com alguém que deveria implementar os dispositivos constitucionais, descobrimos que ele estabelece, por conta própria, três classes de cidadãos, a saber: o doutor, o crente, o macumbeiro. Doutor é o cidadão de primeira classe, titular dos direitos constitucionais, merecedor do respeito e da deferência dos agentes da lei. O crente vem em segundo lugar: pode ter alguns direitos violados, mas ainda merece algum respeito. Por fim, o macumbeiro: não tem direitos, nem pode ser considerado cidadão”[8]; A cidadania e a efetividade do texto constitucional não podem depender de um CEP, não é esse o projeto sociopolítico promulgado em 5 de outubro de 1988, sob pena de manutenção de uma estrutura social desigual e que não atende aos proclamados objetivos fundamentais; É preciso concluir. A partir da normativa constitucionalmente estabelecida, o artigo 243, inciso I, CPP não se mostra idôneo para a expedição do mandado de busca e apreensão de área delimitada e definida. A aversão à discricionariedade administrativa deve também alcançar a judicial. A gravidade do esvaziamento do contido no artigo 5º, inciso XI, Constituição da República é aferida na vulneração de uma liberdade constitucional, bem como na possibilidade de manutenção da sociedade desigual. Em um cenário em que tanto se questiona o exercício abusivo do poder, o Poder Judiciário, ao cumprir a Constituição e repelir a possibilidade de validade do soft mandado coletivo de busca e apreensão, demarcaria posição e serviria de exemplo para todos — que assim o seja) https://www.conjur.com.br/2018-out-26/eduardo-newton-imovel-certo-nao-cabe-busca-apreensao?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook