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Responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental - a necessária quebra de um paradigma - 12/01/2018
Responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental - a necessária quebra de um paradigma (A decisão do STF no RE 548.181/PR difere da jurisprudência pacificada até então no STJ, podendo vir a ser uma mudança na aplicação da teoria da dupla imputação penal em matéria ambiental; A jurisprudência brasileira reconheceu a perfeita aplicabilidade do disposto no Art. 225, § 3°, da CRFB, consoante o previsto no Art. 3º da Lei nº 9.605/98: Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato; Desdobrando-se o dispositivo legal anterior, nota-se que o legislador ordinário, ao regulamentar o Art. 225, § 3°, da CRFB, exigiu, para tanto, dois requisitos, a saber: a) que a infração penal (ambiental) seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado; b) que a infração penal (ambiental) seja cometida no interesse ou benefício do ente moral; O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o Art. 225, § 3°, da CRFB, c/c Art. 3º da Lei nº 9.605/98, firmou a posição retratada no Recurso Especial n° 610.114/RN[4], Quinta Turma, relator o Ministro GILSON DIPP, julgado em 17.11.2005, ora sintetizada: I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio ambiente. [...] III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado. [...]. X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. [...]. XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. XVI. Recurso desprovido; E tudo caminhava exatamente como estabelecido no julgado acima, parecendo mesmo que a questão encontrava-se absolutamente superada, até que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apreciando o Recurso Extraordinário nº 548.181/PR[5], relatado pela Ministra ROSA WEBER, julgado em 06.08.2013, trouxe à tona a questão (de indiscutível fundo constitucional) relativa à possibilidade de haver (ou não) condenação de uma pessoa jurídica pela prática de delito ambiental, mesmo diante da absolvição da pessoa física detentora de cargo de direção inerente à ela; O denunciado Henri Philippe Reichstul, por meio do habeas corpus nº 83.554-6/PR, relatado pelo Ministro GILMAR MENDES, pleiteou o trancamento da ação penal. Em agosto de 2005, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o dito habeas, concedeu a ordem, em acórdão assim ementado: Habeas Corpus. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime ambiental previsto no Art. 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento em um oleoduto da Petrobrás 5. Ausência de nexo causal. 6. Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao dirigente da Petrobrás. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos. 8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre conduta dos dirigentes da empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. Habeas Corpus concedido; Em resumo, nota-se, pela ementa acostada, que a Segunda Turma do STF entendeu não estar devida e suficientemente demonstrado o envolvimento do denunciado Henri Philippe Reichstul na prática delituosa denunciada pelo Parquet Federal, registrando, ainda, a necessidade de se identificar os "limites da responsabilização penal dos dirigentes de pessoas jurídicas em relação a atos praticados sob o manto da pessoa jurídica", tendo em vista não ser possível atribuir ao indivíduo e ao ente moral os mesmos riscos inerentes à atividade econômica, problemática que, uma vez detectada pelo Ministro GILMAR MENDES, certamente inspirou a decisão proferida no bojo do mencionado habeas, bem como a elaboração do presente estudo; O trecho acima (destacado entre aspas) deixa patente o grande problema (de ordem prática) gerado pela adoção da denominada teoria da dupla imputação, tese que, como vimos, ostenta predominância na jurisprudência do STJ. Ora, condicionar a responsabilização penal da pessoa jurídica à da pessoa física esvazia importante instrumento trazido pela Constituição de 1988, enfraquecendo uma regra (o Art. 225, § 3º, da CRFB) destinada à proteção de bens jurídicos dotados de notável envergadura constitucional, cuja efetiva tutela demanda uma repressão completamente específica, sem a qual diversos crimes ambientais permanecerão impunes, sobretudo quando ocorrer aquilo que o Ministro GILMAR MENDES apontou quando de seu voto; Igualmente objetivando o trancamento da ação penal que tramitava na Justiça Federal do Paraná, a denunciada Petrobrás impetrou Mandado de Segurança junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual, por sua vez, proferiu acórdão denegatório, o que ensejou a interposição, pela dita empresa, de Recurso Ordinário ao Superior Tribunal de Justiça. A Sexta Turma do STJ, pelo voto condutor do Ministro HAMILTON CARVALHIDO, deu provimento ao Recurso Ordinário interposto pelo referido ente moral e, na mesma ocasião, concedeu habeas corpus de ofício, trancando a ação penal relativa ao denunciado Luiz Eduardo Valente Moreira. Diante de tal trancamento quanto às pessoas físicas (Henri Philippe Reichstul e Luiz Eduardo Valente Moreira), a dita Corte, consoante jurisprudência por ela pacificada, entendeu que a ação penal não poderia prosseguir somente contra a pessoa jurídica, determinando, assim, idêntico tratamento quanto ao ente moral, evidenciando a sua predileção pela teoria da dupla imputação. Eis a ementa[6] do decisum proferido pelo STJ no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 16.696/PR, julgado em fevereiro de 2006: 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pelo estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. 3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício. (Grifei); Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso Extraordinário (RE nº 548.181/PR) junto ao STF, argumentando, em apertada síntese, que a decisão do STJ, "ao condicionar a persecução penal da pessoa jurídica à da pessoa física responsável individualmente pelos fatos, representaria negativa de vigência ao Art. 225, § 3º, da Constituição Federal", uma vez que o Texto Magno não prevê tal condicionamento. Não obstante a transcrita posição do Superior Tribunal de Justiça, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, conhecendo (em parte) do Recurso Extraordinário interposto pelo MPF, deu-lhe provimento e cassou o acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 16.696/PR. Para tanto, entendeu que condicionar a persecução penal relativa à pessoa jurídica à concomitante descrição e imputação de uma ação humana individual efetivamente viola a regra insculpida no Art. 225, § 3º, da CRFB, cujo teor afirma que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; O presente julgado, conforme se verifica, difere da jurisprudência pacificada até então no STJ, podendo vir a ser um novo paradigma para a matéria a partir de agora. De qualquer forma, se a questão inerente à da responsabilização penal da pessoa jurídica já era controvertida no seio doutrinário, mais combustível haverá ante o que restou decidido pela Corte Suprema no bojo do Recurso Extraordinário nº 548.181/PR; Diante da atmosfera de riscos na qual vivemos, sobretudo gerados pela atividade econômica de grandes empresas, como soe a acontecer com a exploração de petróleo, distorcer o alcance e o sentido da previsão insculpida no Art. 225, § 3º, da CRFB, de modo a albergar a constitucionalmente infundada teoria da dupla imputação, não se apresenta como reflexão lúcida, na medida em que é o Direito Penal, como ocorre com todo e qualquer ramo do Direito, que deve se adaptar ao Texto Maior, e não o contrário. Entendemos que uma correta exegese a ser conferida à regra constitucional em tela não permite outra dedução, a não ser aceitar que as responsabilidades de cada pessoa (física ou jurídica) são absolutamente independentes, sendo certo concluir que a punição (sob o prisma penal) do ente moral não se encontra condicionada à de seus dirigentes, sendo constitucionalmente ilógica a denominada teoria da dupla imputação, cujo resultado prático obsta a efetiva punição das pessoas jurídicas, justamente as que mais degradam o meio ambiente, mas que restam impunes diante do eventual trancamento da ação penal ajuizada em relação aos dirigentes, inviabilizando, assim, em última análise, o propósito exteriorizado pelo Constituinte, e escancaradamente desvirtuado pelo legislador ordinário quando da elaboração do Art. 3º da Lei nº 9.605/98; O aporte jurisprudencial trazido à reflexão exprime o entendimento de uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal sobre a questão inerente à responsabilidade penal da pessoa jurídica (Art. 225, § 3º, da CRFB). De tudo que foi dito, não há como negar que a Constituição Federal de 1988 efetivamente previu, no Art. 225, § 3º, a responsabilização penal de uma pessoa jurídica por crime contra o meio ambiente, cuja regulamentação veio à lume a partir da Lei nº 9.605/98, não estando esta, por absoluta coerência lógica, condicionada à simultânea responsabilização da pessoa física dirigente daquela; Tendo em vista a importância conferida ao bem ambiental pela Carta atual, cremos que a efetiva responsabilização penal do ente moral demanda uma nova arquitetura jurídico-penal, esta voltada especificamente para a responsabilização penal da pessoa jurídica, tudo independente daquela pertinente à pessoa física, razão pela qual a teoria da dupla imputação, até o momento adotada pelo STJ (e posta em destaque pelo STF), merece ser revista, posto que não se encontra albergada pela mens constitucional) https://jus.com.br/artigos/62738/responsabilizacao-penal-da-pessoa-juridica-por-crime-ambiental-a-necessaria-quebra-de-um-paradigma