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Penas restritivas de direito no Código de Trânsito Brasileiro - diálogos constitucionais à luz do direito fundamental de individualização da pena - 10/08/2019
Penas restritivas de direito no Código de Trânsito Brasileiro - diálogos constitucionais à luz do direito fundamental de individualização da pena (A Lei 13.281 de 2016 trouxe importantes alterações nas disposições penais do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). A rigor, o Art. 2º da Lei 13.281 de 2016 adicionou um artigo no Capítulo XIX do CTB, que dispõe sobre as infrações penais de trânsito. Trata-se do novel Art. 312-A[i], disciplinando que nos crimes descritos nos arts. 302 a 312 do CTB, havendo substituição de penas restritivas de liberdade por restritiva de direitos, é obrigatória a fixação de pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade, prevista nos artigos 43, IV e 46 do Código Penal; Referido dispositivo legal inovou ao disciplinar as espécies de prestação de serviços comunitários ou às entidades públicas possíveis (incisos I ao IV), todos relacionados com o trabalho em entidades de atendimento médico e recuperação de vítimas de acidente de trânsito. Assim, foi retirado do juiz qualquer possibilidade de aplicar penas restritivas diversas da prestação de serviços à comunidade ou mesmo, diante do caso concreto, adequar a execução noutras modalidades de serviços comunitários; Da simples leitura do dispositivo observa-se que não é possível a aplicação de outra pena restritiva de direito senão a de prestação de serviços à comunidade, eis que o dispositivo usa o verbo “deverá”. Assim, mesmo nas hipóteses em que a pena seja inferior a seis meses, em que é vedado, pela regra geral (Art. 46, caput, do Código Penal), a aplicação da referida pena restritiva de direitos, ou nos casos de pena superior a um ano, em que a pena restritiva de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos (Art. 44, §2º, do Código Penal), não haverá opção para o Juiz que fica adstrito à aplicação da pena prevista no Art. 43, IV e 46 do Código Penal, nas especificações dos incisos I ao IV do Art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro; Malgrado tenha sido a intenção do legislador conferir maior tônus ao caráter retributivo e de prevenção especial das penas restritivas de direito nos crimes de trânsito, tal disposição padece de inegável inconstitucionalidade, em especial diante da violação do direito fundamental de individualização da pena (Art. 5º, LXVI, CF); O direito fundamental de individualização da pena tem originariamente seu âmbito de proteção[ii] vinculado à atividade legislativa. É que embora a Constituição garanta a individualização da pena, certo é que os parâmetros de sua aplicação precisam ser construídos através da atuação do legislador ordinário. Tal conclusão pode ser extraída tanto da literalidade do dispositivo constitucional, no ponto em que apregoa “...a lei regulará a individualização da pena...”, quanto pela interpretação sistêmica do dispositivo com o princípio constitucional da reserva legal penal (Art. 5º, XXXIX, CF) – nulla poena sine praevia lege –, demonstrando que é absolutamente legítimo e necessário para a conformação do direito fundamental que o legislador ordinário abstratamente fixe as penas adequadas e necessárias para cada tipo de crime; Partindo de uma visão restritiva do âmbito de proteção do direito fundamental de individualização da pena, chegar-se-ia à conclusão de que o mesmo estaria atendido no momento em que o legislador simplesmente fixasse as penas de cada um dos tipos penais em abstrato. No entanto, houve evolução no trato do âmbito de proteção do direito fundamental da individualização da pena, já que atualmente se entende que não apenas a fixação em abstrato da pena é abrangida pelo direito fundamental em comento, como também a individualização em concreto, isto é, o momento da efetiva aplicação da sanção penal. Assim, a individualização da pena não é a mera atividade de individualização legislativa da pena, até porque esta já estaria abarcada pelo princípio da reserva legal penal (Art. 5º, XXXIX). Ademais, fosse admissível apenas a visão restritiva, a individualização perderia eficácia protetiva quando adstrito à mera atividade legislativa.[iii]; Portanto, o direito fundamental de individualização da pena abrange: individualização legislativa da pena; individualização judiciária da pena; e individualização executória da pena.[iv]; A individualização legislativa da pena se dá quando o legislador, no exercício da política criminal, estabelece o grau de reprovabilidade de uma conduta criminosa através da fixação de patamares mínimos e máximos de uma sanção penal, sendo decorrente da reserva legal penal (Art. 5º, XXXIX, CF). Por outro lado, a individualização judicialda pena, se dá no instante em que o órgão jurisdicional competente fixa a culpa penal do indivíduo, passando a estabelecer a pena necessária e suficiente para a prevenção e reprovação do crime. Por fim, a individualização executória da pena acontece no momento em que o Poder Executivo, sob a regulação do Poder Judiciário (representado pelo Juízo da Execução Penal), passa a fazer cumprir em concreto a pena, de forma a proporcionar condições para a harmônica reintegração do condenado ou internado, atendendo aos ditames da prevenção especial da pena (cf. Art. 1º da Lei 7.210/84) e do princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º,III, CF), até porque é com a individualização que se assegurada condições mínimas de dignidade no cumprimento da pena de forma a possibilitar a futura reinserção social, principalmente se considerado que no Brasil são vedadas penas de caráter perpétuo, de banimento, de morte (salvo guerra declarada); Destaque-se que não há uma regra estática precisando os limites do âmbito de proteção quando da individualização legislativa, judiciária e executória da pena. Nesse ponto, assume relevo o princípio da proporcionalidade como instrumento de otimização do direito fundamental. Nesse diapasão, nem é permitido ao legislador fulminar completamente a possibilidade de individualização concreta da pena, como também não é constitucionalmente legítimo que na aplicação e execução da pena se desconsidere absolutamente a individualização em abstrato feita pelo legislador. Enfim, não se pode invocar uma suposta violação do direito fundamental da individualização diante de um juízo puramente subjetivo de insuficiência ou inadequação da pena.[xi] O que é legítimo é analisar, à luz da proporcionalidade, se com a atuação legislativa em abstrato houve violação dos bens jurídicos incluídos no âmbito de proteção do direito fundamental de individualização da pena, isto é, se em razão da operação de alguma das etapas da individualização houve a inviabilização das demais, como aconteceu, e.g., no caso da antiga redação do Art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90; Feitas breves considerações acerca do direito fundamental da individualização da pena e seu âmbito de proteção, percebe-se que a disposição do Art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro representa, em boa medida, uma violação ao direito fundamental da individualização da pena (Art. 5º, XLVI, CF). Do dispositivo extrai-se que o legislador ordinário subtraiu o direito fundamental do indivíduo de ter individualizada as penas substitutivas restritivas de direito que eventualmente venham a ser impostas em seu desfavor, o que, em se tratando de crimes de trânsito, representam a maciça maioria dos casos; Nota-se que com a novatio legis há uma generalizada desproporcionalidade na individualização das penas substitutivas, pois mesmo sendo o caso de condenação por delitos de baixíssima ofensividade, com penas que variam de 6 (meses) a 1 (um) ano de detenção (e.g.: arts. 304, 305, 307, 309, 310, 311 e 312); de média ofensividade, com penas de detenção que variam de 6 (seis) meses até 3 (três) anos (e.g.: arts. 303, 306 e 308, caput) ou mesmo de crimes de maior ofensividade (e.g.: Art. 302, caput; 308, §1º), com penas maiores que 2 (dois) anos de detenção ou reclusão, havendo substituição da pena, o juiz está obrigado a aplicar uma única modalidade de pena substitutiva, isto é, a prestação de serviço à comunidade. Desta feita, independentemente de qualquer juízo de adequação, necessidade ou proporcionalidade em sentido estrito, a solução dada pelo legislador ordinário é uma só; Essa limitação é, a toda vista, um ataque direito ao preconizado pelo Art. 5º, XLVI, CF, rezando que “ a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; ”. É mais do que evidente que a Constituição expressamente determinou ao legislador que fizesse uso de várias espécies de penas restritivas de direito. Nesse aspecto, pode-se dizer que o legislador ao editar o Art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro negou eficácia ao dispositivo constitucional em exame, conseguindo violar, logo de início, a própriaindividualização legislativa, pois o dispositivo referido não individualiza nada, antes padroniza as penas substitutivas aplicáveis; Com o Art. 312-A do CTB há ainda violação daindividualização judicial da pena. Anote-se que a pena de prestação de serviços à comunidade é a mais severa de todas as penas restritivas de direito, ao ponto de somente ser possível sua aplicação aos crimes apenados em mais de 6 (seis) meses de detenção ou reclusão (Art. 46, caput, CP). Ainda assim, mesmo no caso em que todas as circunstâncias judiciais sejam favoráveis e não existam circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena, obrigando a fixação da pena mínima em 6 (seis) meses, o juiz não terá senão substituir a pena pela pena restritiva de direitos mais grave. Não é preciso esforço para perceber que o juiz, de fato, não poderá individualizar a pena do condenado, senão terá que apenar de forma mais severa do que o necessário e o estritamente proporcional. Sendo assim, nota-se que a restrição imposta ao judiciário é desproporcional, o que leva a violação do direito fundamental de individualização da pena; Em alguns casos também é possível defender a violação da individualização judicial da pena pela absoluta inadequação da pena padronizada. Imagine-se o exemplo de um apenado pelo crime do Art. 307, parágrafo único, do CTB (deixar de entregar no prazo legal a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação quanto imposta penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor). Mesmo que se receba uma pena maior do que 6 (seis) meses, o crime em questão não se adequada à aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade, até porque trata-se de um crime de perigo abstrato, de mera conduta, que não gera nenhum dano, quiçá existe uma vítima real, não existindo razão de prevenção geral ou especial que justifique a prestação de serviço à comunidade, sendo mais adequada, por exemplo, a imposição de uma pena de prestação pecuniária (Art. 43, I, c/c Art. 45, §1º, CP), considerando até mesmo a natureza meramente administrativa do ilícito.[xii]; Por fim, deve-se anotar a violação da individualização executória da pena, pois não bastasse o apenamento único para todos os crimes de trânsito, até mesmo a execução da pena encontra-se limitada pela atividade legislativa. Observa-se que uma vez substituída a pena restritiva de liberdade pela prestação de serviço à comunidade este trabalho somente poderá ser cumprido de quatro formas: (a) trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; (b) trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; (c) trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito; (d) outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito; Há a ainda a hipótese, mais factível, de inexistência, no local do cumprimento da pena, das unidades referidas nos incisos Art. 312-A ou excesso de prestadores de serviços nas unidades referidas, de forma que as próprias unidades não terão como gerir a quantidade de prestadores de serviço. Tem ainda a possibilidade de inaptidão do apenado para os serviços delineados na lei, sempre lembrando que o Art. 43, §3º, do Código Penal afirma que os serviços prestados dar-se-ão conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Nesses casos, deparando-se o juiz da execução com situações desta estirpe se defrontará com um verdadeiro paradoxo, pois não tem como substituir a pena restritiva de direitos por prestação de serviços à comunidade, quiçá pode determinar a execução em outros estabelecimentos por absoluta vedação da lei; Assim, não é difícil antever que se está estimulando situações em que o juiz deixará de substituir as penas restritivas de liberdade por impossibilidade fática do cumprimento das restritivas de direito, o que, por sua vez, acarretará noutra violação do direito fundamental de individualização da pena, já que se aplicará pena privativa de liberdade, embora seja ela claramente desnecessária diante da possibilidade de substituição; Em resumo, nota-se das situações acima delineadas que o artigo 312-A do Código de Trânsito Brasileiro em várias oportunidades viola o âmbito de proteção do Art. 5º, LXVI, da Constituição, reclamando, portanto, o controle de constitucionalidade, seja na via difusa, seja na via concentrada; Nesse diapasão, entendemos que a melhor solução seja a utilização da técnica da interpretação conforme a Constituição[xiii] de forma a reinterpretar o dispositivo penal, entendo-se a expressão “deverá” como “poderá”, evitando-se a desproporcionalidade excessiva da pena de forma que seria impossível a individualização. Noutras palavras, verificando o juiz que o caso concreto não comporta a substituição da pena restritiva de liberdade por uma pena de prestação de serviços à comunidade, porque é inadequada, desnecessária ou desproporcional, nada obsta que se valha das demais penas restritivas de direito previstas tanto na Constituição Federal quanto no Código Penal. O inverso, por sua vez, também é verdadeiro, pois não há violação do direito fundamental da individualização da pena quando há aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade nos termos do Art. 312-A do Código Penal, desde que o caso concreto demonstre que a mesma é adequada, necessária e proporcional; Bom, se é verdade que em muitas situações a previsão do novel Art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro levará à inconstitucionalidade por excesso, resta saber se, por acaso, o inverso também ocorre, isto é, se há uma violação da individualização da pena em razão de uma proteção deficiente; É que embora tenha sido a intenção do legislador tornar mais rígida a pena execução de pena substitutiva, há situações em que ocorreu exatamente o inverso, isto é, sucedeu verdadeira novatio legis in mellius, fazendo com que no momento da substituição das penas de crimes de trânsito de maior lesividade indivíduos condenados recebessem tutela penal destinadas à crimes de menor lesividade; Veja-se que pela regra geral é possível a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos nos crimes culposos e nos dolosos quando a pena não seja superior à 4 (quatro) anos. No entanto, sendo a pena superior a um 1 (ano) deve ser substituída por 1 (uma) pena restritiva de direitos e multa ou por 2 (duas) restritivas de direitos, consoante o Art. 44, §2º, in fine, do Código Penal. Com o novel Art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro, no entanto, se afasta a regra geral em face da lei especial, fazendo com que em todos a substituição da pena seja obrigatoriamente por 1 (uma) pena restritiva de prestação de serviços à comunidade. Então, e.g., ainda que o indivíduo seja condenado pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (Art. 302, CTB), cuja pena substitutiva deveria ser obrigatoriamente 2 (duas) restritivas de direito ou 1 (uma) restritiva de direito e multa, agora será apenas por 1 (um) restritiva de direito, tal qual crimes de menor potencialidade ofensiva como os dos artigos 305 e 307 do CTB; Trata-se claramente de situação de novatio legis in mellius que deve retroagir para beneficiar o réu, fazendo com que qualquer outra pena restritiva de direito aplicada cesse imediatamente, pois, caso contrário se estará violando o princípio da reserva legal, já que se está impondo pena expressamente vedada por força de lei. Aliás, tratando-se de imposição de pena de multa substitutiva (Art. 44, §2º, Código Penal), prestação pecuniária (Art. 43, I, c/c Art. 45, §1º, Código Penal) ou perda de bens ou valores (Art. 43, II, c/c Art. 45, §3º, Código Penal), caso aplicadas, deve-se promover a devolução dos valores ou bens já pagos ou entregues, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa; A questão demanda análise de dois pontos principais: (a) a eventual violação do âmbito de proteção de um direito fundamental e (b) o controle de constitucionalidade de leis penais em face da deficiência da tutela penal) https://emporiododireito.com.br/leitura/penas-restritivas-de-direito-no-codigo-de-transito-brasileiro-dialogos-constitucionais-a-luz-do-direito-fundamental-de-individualizacao-da-pena?fbclid=IwAR3O7CfyZDgnyo_PeFBVP-amcKotC6-mZe4Q6NQkc8LfHbLXDOX58ABEwwg