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O reconhecimento de pessoas não pode ser porta aberta à seletividade penal - 20/09/2020
O reconhecimento de pessoas não pode ser porta aberta à seletividade penal (Como se sabe, o procedimento de reconhecimento é tratado pelo artigo 226 do Código de Processo Penal. A redação de 1941 estipula a forma a ser observada para que, em sede policial, proceda-se ao reconhecimento; Diz o inciso II: "A pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la"; No entanto, em razão da expressão "se possível", a realização do alinhamento foi interpretada pelos tribunais brasileiros como mera recomendação, não servindo a sua ausência como motivo de nulificação do reconhecimento. A partir dessa interpretação, o Superior Tribunal de Justiça publicou, ao ano de 2018, entendimento segundo o qual o reconhecimento por fotografia é válido e suficiente para fundamentar a condenação, desde que seja repetido em juízo, com contraditório e ampla defesa; "O reconhecimento fotográfico do réu, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação" (Jurisprudência em teses, nº 105 [1]); Mas é preciso dizer que a relativização jurisprudencial das exigências normativas para a realização do reconhecimento descansa suas bases em premissa equivocada: não, a memória humana não funciona como um filme que conserva intactos os fatos pretéritos. Não, para que fatos já vividos possam ser facilmente acessados não basta a simples vontade de os recordar. Não, não basta estar de novo na presença do suspeito para reconhecê-lo, sem qualquer risco de que um inocente seja confundido com o culpado; No que refere à determinação da autoria de um delito, é possível que, a despeito da vontade de contribuir para a correta determinação dos fatos, a vítima/testemunha chegue a reconhecer um inocente no lugar do culpado. Muito embora não tenhamos disponível a taxa de erros judiciários brasileiros, a experiência norte-americana pode nos servir de referência, principalmente porque as práticas probatórias de lá e nossas, ao menos no que tange às provas dependentes da memória, são semelhantes. Tanto lá quanto aqui, pessoas são apontadas a partir de álbuns de fotografias e de reconhecimentos por show up (quando há apenas um suspeito); tanto lá quanto aqui, o reconhecimento acompanhado de um grau elevado de certeza da vítima/testemunha é supervalorado — mesmo quando a defesa chega a produzir provas de fatos incompatíveis com a hipótese acusatória. Tanto lá quanto aqui, a coerência da narrativa acusatória serve-se do inflado valor probatório conferido ao reconhecimento bem como da depreciação de toda e qualquer informação que não se coadune com ela. O que a experiência norte-americana pode nos dizer a respeito dos riscos de se reconhecer erroneamente inocentes?; De acordo com o Innocence Project, cerca de 70% das condenações sobre as quais a referida iniciativa conquistou revisões criminais deveram-se a falsos reconhecimentos [2]. Trata-se de um dado avassalador. A cada dez condenações de inocentes, sete deveram-se a reconhecimento falso. As práticas probatórias brasileiras não permitem que assumamos qualquer postura otimista quanto aos erros judiciários brasileiros. O reconhecimento realizado sem observância de protocolos capazes de emprestar mínima fiabilidade faz par perfeito com o viés confirmatório que acomete os diversos atores da Justiça criminal (investigadores, acusadores e juízes) [3]. Sem entraves institucionais à sua debilidade probatória, o reconhecimento ad hoc tem sido bastante para o oferecimento de denúncias, decretação de cautelares [4], chegando até mesmo a ser suficiente para a condenações com base em visão de túnel; "Visão de túnel é uma tendência humana natural que tem efeitos particularmente perniciosos no sistema de justiça criminal. Por visão de túnel, referimo-nos a um 'compendio de heurísticas comuns e falácias lógicas' as quais estamos todos suscetíveis, que conduzem os atores do sistema de justiça criminal a focarem no suspeito, selecionarem e filtrarem as provas que construirão o caso para a condenação, ao mesmo tempo que ignoram ou suprimem as provas que apontam para longe da culpa" [5]; Sobre as variáveis sistêmicas, como o procedimento por show up é inerentemente sugestivo [10], é preciso levar a sério a exigência de construção de um alinhamento justo, em que um conjunto de pessoas semelhantes seja exposto à vítima/testemunha. Conforme o alertado por Cecconello e Stein, a seleção dos não-suspeitos que comporão o alinhamento deve obedecer dois princípios: 1) nenhum rosto deve se sobressair em relação aos outros; 2) os não suspeitos devem atender às descrições do culpado da mesma forma que o suspeito [11]. Essas exigências refletem a preocupação com a redução dos riscos de falsos positivos; de que pessoas inocentes venham a ser indevidamente apontadas. Como realizar alinhamentos justos presencialmente? Como esperar que as delegacias de polícia sempre contem com uma pluralidade de pessoas semelhantes aos suspeitos disponíveis em todos os inquéritos em que o reconhecimento se fizer necessário?; Isso me leva a um ponto polêmico: o reconhecimento por fotografia é, sim, uma alternativa a ser considerada. As dificuldades de se reunir presencialmente pessoas semelhantes com os suspeitos em cada um dos inquéritos em que o reconhecimento fosse necessário podem ser superadas a partir do uso das fotografias. Novamente valho-me dos estudos realizados por pesquisadores da psicologia do testemunho, de acordo com os quais, o reconhecimento por fotografia não perde para o reconhecimento presencial [12]. No entanto, é sempre importante frisar que a fotografia a ser utilizada no procedimento não é qualquer fotografia. Sob nenhuma hipótese o reconhecimento por fotografia poderá ser realizado mediante álbum de suspeitos, "baralho do crime" ou coisa parecida. Sob nenhuma hipótese a fotografia poderá ser mostrada por whatsapp, sem que se realize a formalidade do alinhamento justo. Sob nenhuma hipótese a vítima/testemunha poderá ser pressionada a reconhecer alguém por foto de rede social, como condição para a continuidade da investigação criminal. Dedicar esforços à construção de protocolos para a produção de reconhecimentos por fotografia é passo imprescindível à fase que antecede e prepara o processo penal. Assumir a alternativa do reconhecimento fotográfico não deve servir à naturalização das irregularidades praticadas até o presente momento, sendo imprescindível controlar a qualidade e a procedência das fotos que passem integrar a biblioteca; Longe de significar o esvaziamento das garantias do investigado/acusado, o reconhecimento por fotografia deve refletir robusta preocupação quanto à forma [13], de modo a que a sua regulamentação represente o genuíno zelo à liberdade dos cidadãos, imposto pela presunção de inocência. O reconhecimento fotográfico deve servir à redução do risco de se condenar inocentes, nunca à facilitação. Aprender com as soluções construídas por outros sistemas jurídicos sem desconsiderar o processo penal invisível [14] porém vigente é desafio que requer o empenho de diversas áreas, complementares em suas perspectivas) https://www.conjur.com.br/2020-set-18/limite-penal-reconhecimento-pessoas-nao-porta-aberta-seletividade-penal?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook&fbclid=IwAR3m4aDGwmVbX5OEiNLcDH_6JoSiicb7BVLQqr4nRlaT2ilY_87lul3iZSk