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O in dubio pro societate no rito especial do júri - 01/04/2019
O in dubio pro societate no rito especial do júri (Encerrada a primeira fase do procedimento do Júri, denominada instrução preliminar, caso o juiz se veja convencido da materialidade do crime e da existência de indícios de autoria, deve pronunciar o réu, conforme prescrito no Art. 413 do CPP; A materialidade é comprovada por meio do respectivo exame de corpo de delito, desde que, nos termos do Art. 158 do CPP, deixe vestígios a infração penal. Ao se satisfazer, de outro lado, com meros indícios de autoria, quis o legislador deixar claro que a sentença de pronúncia encerra um simples juízo de probabilidade no qual o juiz julga admissível a acusação, apta, portanto, a ser conhecida pelo Júri. Por indícios, na lição de Borges da Rosa, “se consideram os fatos conhecidos que, por sua força e precisão, são capazes de determinar uma só e única conclusão: a de que não foi outro se não o indiciado o autor ou cúmplice do fato criminoso”; Com efeito, a saída apressada de um homem, com a camisa totalmente manchada de sangue, da casa onde foi encontrada a vítima esfaqueada é indício forte de que ele tenha sido o autor do homicídio. Seria o bastante para que fosse ele pronunciado, já que a simples suspeita quanto à autoria permite a pronúncia. Nem poderia ser diferente. A certeza absoluta deve estar presente no julgamento em plenário, quando os jurados devem se orientar no sentido de que a condenação só é legítima quando houver a mais absoluta convicção, oriunda da prova dos autos, de que o acusado cometeu o crime. Eventual dúvida se resolve, então, em favor do acusado, com o conhecido brocardo in dubio pro reo. Para a pronúncia, ao revés, a regra é in dubio pro societate, isto é, não se exige a mesma certeza que se faz necessária para condenar. Na dúvida, deve o juiz pronunciar, cabendo ao Tribunal do Júri, com competência constitucional para tanto, dar a última palavra ao julgar o mérito da acusação; A influência do in dubio pro societate na fase de pronúncia é inconteste. O Superior Tribunal de Justiça decide reiteradamente que o juízo a ser feito nesta fase dispensa a prova robusta, reservando-se a resolução de eventuais dúvidas aos jurados:“1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade – in dubio pro societate. 2. Além disso, a jurisprudência do STJ é no sentido de que constitui usurpação da competência do Conselho de Sentença a desclassificação do delito operado pelo Juízo togado, na hipótese em que não há provas estreme de dúvidas sobre a ausência de animus necandi. Precedentes” (AgRg no AREsp 1.276.888/RS, j. 19/03/2019).“1. A etapa atinente à pronúncia é regida pelo princípio in dubio pro societate e, por via de consequência, estando presentes indícios de materialidade e autoria do delito – no caso, homicídio tentado – o feito deve ser submetido ao Tribunal do Júri, sob pena de usurpação de competência. 2. Ordem denegada” (HC 471.414/PE, j. 06/12/2018).; Também no STF as decisões no geral atribuem ao in dubio pro societate a função de remeter a apreciação profunda da prova ao Tribunal do Júri:“O acórdão recorrido se encontra consentâneo com o entendimento desta Corte, no sentido de que na sentença de pronúncia deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não existindo nesse ato qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, porquanto tem por objetivo a garantia da competência constitucional do Tribunal do Júri” (ARE 986.566 AgR/SE, j. 21/08/2017).“O princípio do in dubio pro societate, insculpido no Art. 413 do Código de Processo Penal, que disciplina a sentença de pronúncia, não confronta com o princípio da presunção de inocência, máxime em razão de a referida decisão preceder o judicium causae. Precedentes: ARE 788288 AgR/GO, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 24/2/2014, o RE 540.999/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Primeira Turma, DJe 20/6/2008, HC 113.156/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 29/5/2013” (ARE 788.457 AgR/SP, j. 13/05/2014).; Ocorre que, recentemente, o tribunal proferiu decisão em que coloca em xeque o in dubio pro societate na fase de pronúncia; No caso julgado (ARE 1.067.392/CE, j. 26/03/2019), a decisão de primeira instância havia impronunciado dois dos acusados devido à inexistência de indícios suficientes de autoria. O Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça local proveu o recurso sob o fundamento de que, naquele momento, havia dúvida a respeito da autoria, o que deveria conduzir os acusados ao julgamento pelo júri. Em recurso extraordinário, alegou a defesa que o reconhecimento da existência de dúvida sobre a autoria do crime deveria levar à impronúncia em respeito ao princípio da presunção de inocência; Embora o STF tenha negado seguimento ao recurso, concedeu habeas corpus de ofício para restabelecer a decisão de impronúncia proferida em primeira instância; Segundo o ministro Gilmar Mendes, embora não haja definição rígida de critérios para valoração da prova, o juízo a ser feito deve ser orientado pela lógica e pela racionalidade. No caso, o juiz de primeira instância havia negado a existência de indícios mínimos de autoria porque as testemunhas presenciais afirmaram não terem visto os acusados agredindo a vítima. As únicas referências à responsabilidade de ambos partiram de familiares da vítima, que, no entanto, nada presenciaram. Para o ministro, tais referências não podem ser consideradas provas razoáveis para fundamentar a pronúncia; Pois bem, até este ponto, não há novidade. É evidente que a indicação de indícios suficientes de autoria passa pela avaliação da prova, que não é guiada por critérios rígidos e pode levar a conclusões diversas a depender da perspectiva e de quem faz a análise. Não por acaso, há recursos para atacar as decisões de pronúncia e de impronúncia, recursos cuja conclusão frequentemente contraria o que foi decidido em primeira instância; O aspecto interessante desta decisão está na expressa refutação do in dubio pro societate, que, segundo o ministro Gilmar Mendes, desvirtua o sistema de valoração de provas: “Considerando tal narrativa, percebe-se a lógica confusa e equivocada ocasionada pelo suposto “princípio in dubio pro societate”, que, além de não encontrar qualquer amparo constitucional ou legal, acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova. Além de desenfocar o debate e não apresentar base normativa, o in dubio pro societate desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro, esvaziando a função da decisão de pronúncia; Sem dúvidas, para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias; Como visto, neste caso concreto, conforme reconhecido pelo juízo de primeiro grau e também em conformidade com os argumentos aportados pelo Tribunal, há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos imputados José Reginaldo e Cleiton nas agressões que ocasionaram o falecimento da vítima; Ainda que se considere os elementos indicados para justificar a pronúncia em segundo grau e se reconheça um estado de dúvida diante de um lastro probatório que contenha elementos incriminatórios e absolutórios, igualmente a impronúncia se impõe. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (Art. 5º, LVII, CF), convencionais (Art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro.”; Parece-nos, no entanto, equivocada a argumentação; Ora, em primeiro lugar, embora não se trate de princípio explícito, o in dubio pro societate decorre da própria formulação dos requisitos mínimos para a pronúncia. O Art. 413 do CPP estabelece, afinal, que o juiz pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Se é possível se contentar com a existência de indícios suficientes – e não de prova razoável – da autoria, é óbvio que esta fórmula traz consigo a possiblidade de que haja uma parcela razoável de dúvida que, não obstante, é incapaz de impedir o prosseguimento do processo para julgamento pelo órgão competente, que é o Tribunal do Júri. Se nesta fase preponderasse o in dubio pro reo, a pronúncia jamais poderia se fundamentar em indícios suficientes da autoria; o texto legal deveria fazer referência à existência de prova da autoria; É, ademais, perigoso opor um óbice dessa magnitude já no juízo de instrução preliminar, estruturado apenas para garantir que o crime de fato ocorreu e de que há elementos mínimos sobre a autoria. Não se pode exigir, neste momento, que a prova existente esteja além da dúvida razoável, pois isso traria à fase de instrução preliminar um peso que jamais lhe foi conferido historicamente. É bom lembrar, além disso, que prova da materialidade e indícios de autoria são os mesmos requisitos para o próprio oferecimento da denúncia, momento em que também não vigora o in dubio pro reo, servindo a primeira fase do procedimento do júri para confirmar, agora sob o manto da ampla defesa e do contraditório – com maior segurança, portanto –, os elementos mínimos angariados na investigação; Não fosse bastante, o in dubio pro societate privilegia (assegurando) um princípio fundamental do júri: a soberania dos vereditos. Por ele, somente os jurados podem decidir pela procedência ou não da imputação. Na precisa lição de José Frederico Marques, a soberania deve ser entendida como a “impossibilidade de os juízes togados se substituírem aos jurados na decisão da causa”; Normalmente, invoca-se a soberania dos vereditos diante de questões relativas ao mérito, como no caso do julgamento de recursos. É graças à soberania que a apelação contra o julgamento pelos jurados tem fundamentação vinculada, só pode ser interposta nas situações permitidas no Art. 593, inc. III, alíneas a, b, c e d, do CPP. Ao contrário do que ocorre em outros casos, na apelação do júri o tribunal jamais poderá reapreciar o mérito e modificar a conclusão a que chegou o Conselho de Sentença porque, por exemplo, não havia provas suficientes para a condenação. Mas a soberania dos vereditos não se limita a garantir a integridade do julgamento já realizado, senão que se aplica também em perspectiva, ou seja, deve ser observada para garantir o julgamento pelo juiz natural dos crimes contra a vida. Quando profere a sentença no encerramento do juízo preliminar do procedimento do júri, o juiz deve ter em perspectiva a soberania dos vereditos para não usurpar a competência dos jurados. Daí porque o in dubio pro societate funciona como uma garantia daquele princípio, porque obriga que se remeta ao órgão com competência constitucional a apreciação da autoria do fato, ainda que sobre isso pairem certas dúvidas; Pode ser que no caso concreto julgado pelo Supremo Tribunal Federal não houvesse mesmo indícios mínimos de autoria que pudessem autorizar o julgamento pelo júri. Isto é uma questão de apreciação de provas que, como já dissemos, pode dar azo a conclusões diversas. Mas não se pode concordar com a exclusão a priori da solução que, frente à dúvida, prefere o julgamento pelo órgão competente segundo a Constituição Federal) http://www.confrariadojuri.com.br/artigos/artigos_view2.asp?cod=318