Você tem garantias e direitos, portanto, conte com o seu Advogado de confiança para defendê-lo (a)
Notícias
Artigos
O crime do artigo 89 da Lei 8.666-93 e a abolitio criminis na contratação direta - 14/08/2018
O crime do artigo 89 da Lei 8.666-93 e a abolitio criminis na contratação direta (Com a edição do Decreto 9.412/2018 (DOU de 19/6/2018, entrou em vigor em 19/7/2018), que majorou os valores das modalidades de licitação do artigo 23, I e II, da Lei 8.666/93, a discussão sobre o tipo penal do artigo 89 da mencionada lei ganhará um novo componente: o tema da (in)existência de abolitio criminis e da lex mitior ou novatio legis in mellus (artigo 5º, XL, da CF/88, artigo 2º, parágrafo único do CP; e artigo 9ª, in fine, do Pacto de São José da Costa Rica) como efeito do novel diploma legal; A superveniência de lei lato sensu vocacionada à recomposição do valor “teto” para dispensa de licitação, ante a natureza de norma penal em branco do artigo 89 da Lei 8.666/93, terminou por descriminalizar aquelas dispensas cujos valores orbitaram abaixo do novo “teto”, ensejando a inevitável retroação benéfica em favor dos acusados, nos termos do artigo 5º, XL, da CF/88, artigo 2º, parágrafo único do CP, e artigo 9ª, in fine, do Pacto de São José da Costa Rica; Na prática, por exemplo, se um prefeito de determinado município realizou em 2015 (ou antes disso) duas contratações diretas fracionadas para aquisição de equipamentos de informática em valores de R$ 9 mil e R$ 8.559, mas que deveriam, em função da natureza do objeto, terem sido alvo de uma única contratação via licitação (na modalidade correspondente), o agente público teria cometido o delito do artigo 89 da Lei 8.666/93, eis que ultrapassado o limite vigente até 18/7/2018, nos termos do artigo 24, I e II, da citada lei. O mesmo ocorreria caso tivesse realizado uma única contratação direta em 2015 no valor de R$ 17 mil para aquisição de outro item cuja necessidade tenha surgido. Igualmente estaria, em tese, violado o artigo 89 da Lei de Licitações (abstraindo-se o caráter de delito material do tipo ali preconizado, tema a ser discutido em outra oportunidade); Contudo, a partir do mencionado decreto, com a elevação dos valores das modalidades de licitação do artigo 23, I, e II, da Lei 8.666/93, automaticamente restou majorado o teto regente das hipóteses de dispensa de licitação nos casos dos incisos I e II do artigo 24 do mesmo diploma legal, que passou a ser de R$ 33 mil para obras e serviços de engenharia, e de R$ 17,6 mil para casos de outros serviços e compras; De outro lado, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade do Decreto 9.412/2018, ao menos pelo fato de o ato normativo emanar do Poder Executivo, justamente porque o que o princípio da estrita legalidade ou da reserva legal preconiza, em matéria penal, é que a criação de tipos incriminadores seja veiculada por lei formal[3], o que obviamente não veda a redefinição do complemento da norma penal em branco pela via do decreto presidencial, circunstância que também não obsta a eficácia retroativa[4]; Assim, parece-nos inarredável que, por efeito primário do direito fundamental que é a retroatividade da norma penal mais benéfica, a inovação normativa extrapenal em voga caracterizou abolitio criminis “parcial”, ou, ao menos, novatio legis in mellius no tocante a fatos pretéritos cujas dispensas consubstanciaram valores abaixo do novel limite trazido pelo aludido decreto, sendo, portanto, alcançados pela retroatividade benéfica; Não se pode perder de perspectiva, ainda, a total impertinência em tentar estabelecer alguma analogia entre o efeito do Decreto 9.412/2018 sobre o artigo 89 da Lei 8.666/93, e a sui generis situação do revogado artigo 6º, I, da Lei 8.137/90 (“crime de venda de produtos ou serviços por preço superior ao oficialmente tabelado”), caso em que o complemento “precificador” da norma penal em branco vigente ao tempo do fato teria ultratividade (artigo 3º do CP), mesmo que sucedido por portaria majorante dos preços oficialmente tabelados[5]; Contudo, tal analogia não pode ser feita no tocante ao delito do artigo 89 da Lei de Licitações; Em primeiro lugar, o revogado delito de venda ou oferta de produto ou serviço acima do preço “oficialmente tabelado” nasceu em uma situação de crise nacional, e revelou-se como forma de intervenção do governo no domínio econômico, voltada a obstar condutas mercadológicas passíveis de violar direitos humanos. Basta fazer a leitura dos pontos 12 e 13 da justificativa do anteprojeto de lei que positivou o artigo 6º, I, da Lei 8.137/90, de cujo teor consta expressamente que a norma era necessária ante ao “notório agravamento nos últimos tempos, diante da crise econômica, social”[6]. O cenário era de instabilidade e anormalidade nacional no campo concorrencial e do livre mercado; Situação flagrantemente oposta ocorreu no tocante ao artigo 89 da Lei 8.666/93, uma vez que sua justificação não se baseou em nenhuma situação de anormalidade[7], já que seu objetivo foi dar concretude ao disposto no artigo 37 da Carta Magna. Ademais, seu complemento tal como positivado até 18 de julho nos artigos 24, I e II, e 23, I e II, teve redação dada pela Lei 9.648, de 1998, ou seja, cerca de oito anos mais tarde que a crise dos anos 90 e cinco anos depois da inaugural Lei de Licitações, distanciando-se temporalmente daquele ano de crise (1990); Daí ser claramente perceptível que nem o preceito primário do tipo do artigo 89 da Lei de Licitações e tampouco a integração do delito pela norma complementadora advieram para vigorar em condições sociais de anormalidade, muito ao contrário, não se vincularam à duração de motivos excepcionais. Advieram para serem perene no Estado Democrático de Direito; É um típico caso em que o complemento integra-se à norma penal de tal forma que passa a consistir na essência da proibição, e, por tal razão, sua alteração ou revogação acarreta em efetiva mudança da lei penal, retroagindo justamente por se tratar de novatio legis in mellius; Apesar das divergências doutrinárias quanto à retroatividade da norma penal em branco heterogênea, cabe ter presente a magistral lição de Cleber Masson[8], no que formulou um método extremamente didático e que auxilia na compreensão da temática. Para ele, se a norma foi positivada em cenário de normalidade, a alteração do complemento retroage; Ora, “a eficácia retroativa e a eficácia ultrativa da norma penal benéfica possuem extração constitucional (CF, Art. 5º, XL), traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais”[9]; Como consequência de as previsões constantes do artigo 5º, XL, da CF/88, artigo 2º, parágrafo único do CP, e artigo 9ª, in fine, do Pacto de São José da Costa Rica, constituírem dispositivos definidores de um direito fundamental do réu, a Constituição Federal, no parágrafo 1º do artigo 5º, explicitou que em tais casos a aplicação é imediata; Eis o teor do artigo 5º, parágrafo 1º, da CF/88: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Não há margem para interpretações contrárias a uma disposição constitucional tão eloquente; Nessa ordem de ideias, como não há dúvidas de que o complemento do artigo 89 da Lei 8.666/93 foi editado em situação de normalidade, fica patente que o Decreto 9.412/2018, ao elevar o patamar de dispensa de licitação positivado no artigo 24, I e II, da Lei de Licitações, promoveu verdadeiro esvaziamento da essência da proibição, de modo que foi retirada a concepção acerca do caráter ilícito da conduta do gestor público (ou do empresário fornecedor) que realizou o ato de dispensa que orbitou abaixo do novel teto para contratações diretas; Dentre os fundamentos que justificam a retroatividade da nova lei penal mais benéfica, estão as razões de ordem humanitária, de liberdade (favor libertatis), de justiça, de equidade, de proporcionalidade e de igualdade de tratamento que deve haver para casos semelhantes[10]. Humanitária, porque manter a criminalização por dispensa de licitação realizada acima do antigo teto, mas abaixo do novo, configuraria ato sancionatório manifestamente paradoxal, pois estar-se-ia punindo o agente público que buscou realizar e atender o interesse público, o coletivo, em prol do bem comum, enquanto o próprio estado estava inerte em atualizar os valores para contratações diretas. De liberdade, porque, conforme já dissemos, a ingerência do direito penal na sociedade deve ser sempre a ultima ratio. E de justiça, equidade, proporcionalidade e igualdade, porque do contrário, estar-se-ia a permitir a convivência de respostas estatais punitivas antagônicas para atos semelhantes, ferindo-se a lógica da atenuação da valoração ético-social do fato que se tornou um indiferente penal, decorrente da novel norma plasmada no Decreto n. 9.412/2018; Tendo em vista que a positivação do crime do artigo 89 da Lei 8.666/93 se deu em um contexto de normalidade institucional, e que seu complemento por norma extrapenal não está atrelado a qualquer situação excepcional, a qualificação jurídica de direito fundamental constitucionalmente outorgada à retroatividade da norma penal mais benéfica torna imperativo o reconhecimento de que o Decreto 9.412/2018 constitui novatio legis in mellius, tratando-se, pois, de um típico caso em que o complemento integra-se à norma penal de tal forma que passa a consistir na essência da proibição, e, por tal razão, a alteração que promoveu no artigo 24, I e II, da Lei 8.666/93 acarretou em efetiva mudança da lei penal, de modo a extinguir a punibilidade, por efeito do artigo 5º, XL, da CF/88, artigo 2º, parágrafo único do CP, e artigo 9ª, in fine, do Pacto de São José da Costa Rica) https://www.conjur.com.br/2018-ago-14/wilson-knoner-crime-art-89-lei-866693-abolitio-criminis?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook