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Lei 14.022-2020 sob a ótica de uma Delegada de Polícia - 25/07/2020
Lei 14.022-2020 sob a ótica de uma Delegada de Polícia (No dia 08/07/2020 entrou em vigor a Lei 14.022/2020 que traz medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019; A lei 14022/2020 traz diversas medidas que impõem obrigações ao poder público, porém não trouxe maneiras para implementá-las; A lei 14022/2020 faz significativas alterações em dispositivos da Lei13979/2020, a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019; Passaram a ser considerados essenciais os serviços e atividades voltados a atender mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a crianças, a adolescentes, a pessoas idosas e a pessoas com deficiência vítimas de crimes tipificados na Lei 11340/06 (Lei Maria da Penha), na Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente), na Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), na Lei 13146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e no Código Penal; Há previsão da possibilidade de que o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher e de crimes cometidos contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deficiência seja realizado por meio eletrônico ou por meio de número de telefone de emergência. Em alguns estados, como é o caso do Paraná, já foi implementado o “boletim de ocorrência online”, porém para a solicitação, por exemplo, de medidas protetivas de urgência, a vítima deve comparecer à Delegacia para sua formalização e posterior encaminhamento do pedido ao Poder Judiciário; O atendimento remoto por meio eletrônico não exclui o atendimento presencial, conforme previsto no Art. 3º da lei em apreço; Caso, por razões de segurança sanitária, não seja possível a manutenção do atendimento presencial a todas as demandas envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, contra idosos, crianças ou adolescentes, obrigatoriamente será garantido o atendimento presencial para situações em que possam envolver os seguintes ilícitos penais elencados: I – no Código Penal, na modalidade consumada ou tentada: a) feminicídio, disposto no inciso VI do § 2º do Art. 121; b) lesão corporal de natureza grave, disposto no § 1º do Art. 129; c) lesão corporal dolosa de natureza gravíssima, disposto no § 2º do Art. 129; d) lesão corporal seguida de morte, disposto no § 3º do Art. 129; e) ameaça praticada com uso de arma de fogo, disposto no Art. 147; f) estupro, disposto no Art. 213; g) estupro de vulnerável, disposto no caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do Art. 217-A; h) corrupção de menores, disposto no Art. 218; i) satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, disposto no Art. 218-A; II – na Lei Maria da Penha, o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, disposto no Art. 24-A; III – no Estatuto da Criança e do Adolescente; IV – no Estatuto do Idoso; Um dos pontos-chave da alteração legislativa é o §2º do Art. 4º que prevê o pedido de medidas protetivas remotamente por meio eletrônico (atendimento online, nas palavras da lei); No mesmo artigo, em seu parágrafo 3º há a previsão da concessão das medidas protetivas de urgência previstas nos Arts. 12-B, 12-C, 22,23 e 24 da Lei 11340/06, de forma eletrônica, podendo considerar “provas” coletadas eletronicamente ou por audiovisual, em momento anterior à lavratura do boletim de ocorrência e colheita de provas que exija a presença física da ofendida; Além da flagrante atecnicidade da expressão “provas coletadas eletronicamente ou por audiovisual”, uma vez que jamais poder-se-ia considerar “prova” elemento produzido por uma das partes e que não tenha passado pelo crivo do contraditório. Temos outro entrave, é dada total credibilidade a tal elemento probatório, produzido por uma das partes, se que qualquer ente estatal faça prévia análise; Ora, é cediço que nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da vítima adota especial importância, vez que via de regra tais crimes são cometidos na clandestinidade, sem a presença de qualquer testemunha. Entretanto, tal afirmativa não é absoluta e deve se coadunar com os demais elementos probatórios colhidos; Não se está aqui dizendo que a palavra da vítima não bastaria para a concessão de medidas protetivas de urgência, até mesmo por seu caráter emergencial, o que não se pode admitir é que uma das partes (a vítima) por si só, de maneira remota e eletrônica, produza elementos que atingirão direitos fundamentais de outra parte; Para tanto, há a necessidade de atuação de um profissional de carreira jurídica. Até para que uma vítima, um pouco desinformada, não se engane achando que a mera confecção de registro eletrônico e pedido de medidas protetivas já seja método apto a garantir sua segurança; Há necessidade de informação prestada por profissionais da área de segurança pública e por autoridade integrante de carreira jurídica do estado para que a vítima entenda de seus direitos garantidos pela Lei Maria da Penha; Superado esse ponto, há que se falar sobre a autoridade competente para a concessão das medidas protetivas solicitadas eletronicamente. Isto porque, o §4º do artigo em análise prevê que após a concessão da medida de urgência, a autoridade competente deverá: I – se for autoridade judicial, comunicar à unidade de polícia judiciária competente para que proceda à abertura de investigação criminal para apuração dos fatos; II – se for delegado de polícia, comunicar imediatamente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário da medida concedida e instaurar imediatamente inquérito policial, determinando todas as diligências cabíveis para a averiguação dos fatos; III – se for policial, comunicar imediatamente ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e à unidade de polícia judiciária competente da medida concedida, realizar o registro de boletim de ocorrência e encaminhar os autos imediatamente à autoridade policial competente para a adoção das medidas cabíveis; Quando tal parágrafo menciona o Delegado de Polícia e o policial está se referindo a todas as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha ou apenas àquelas previstas na Lei 13827/19?; O dispositivo legal não faz distinção entre as autoridades e as medidas de urgência, assim, entende-se que a Lei 14022/2020 deu à Autoridade Policial (personificado na figura do Delegado de Polícia) e ao policial a atribuição de concessão de todas as medidas protetivas previstas na Lei 11340/06, não se limitando às hipóteses previstas na Lei 13827/19; Com relação à concessão pela Autoridade Policial, não há objeção, vez que se trata de servidor integrante dos quadros de carreira jurídica do estado e que teria aptidão técnica e jurídica para tal decisão; O que causa espécie, é a concessão feita pelo policial não integrante de carreira jurídica. Como designar uma atribuição a pessoa que não tem formação técnica jurídica para apreciar pedido que verse sobre limitações a direitos e garantias individuais? É no mínimo estranho, para não se falar em flagrante inconstitucionalidade do dispositivo; Superado mais esse ponto, há que se analisar a determinação de que seja imediatamente instaurado inquérito policial após a concessão das medidas protetivas. Tal dispositivo deve ser analisado por partes; Inicialmente não há que se falar em obrigatoriedade de instauração de inquérito policial por parte do Delegado de Polícia que goza de independência funcional e deve fazer análise jurídica dos fatos e, caso entenda que se trata de fato típico e antijurídico, instaurar o caderno apuratório; De outro turno, o dispositivo traz a expressão “independentemente de autorização da ofendida”, esquecendo-se dos crimes que se procedem mediante representação da vítima ou mediante queixa. Teria a lei em estudo tornado todos os crimes ocorridos em situação de violência doméstica e familiar em crimes de ação penal pública incondicionada? Mais uma vez vê-se a falta de técnica do legislador pátrio; Não se pode esquecer, ainda, dos casos em que a mulher solicita as medidas protetivas sem que tenha ocorrido um crime. É sabido que a Lei Maria da Penha protege a mulher de todos os tipos de violência, ainda que não configuram um tipo penal; Ainda nesses casos, estaria a autoridade policial obrigada a instaurar inquérito policial para apurar um fato atípico? Cremos que não. Não há sentido em se mover a máquina pública para a instauração de procedimento investigatório que não levará a fim algum. Temos flagrante violação a princípios constitucionais que regem a administração pública, em especial ao princípio da eficiência) https://canalcienciascriminais.com.br/lei-14-022-2020-sob-a-otica-de-uma-delegada-de-policia/?fbclid=IwAR0todUBuNbq__SJKMy6Cm0y-A31cvRF91rKB_1TiS5Nln6PggbG1Qx1HHE