Estudo traz percepção de autoridades e profissionais sobre escuta protegida
Resultados de pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o juizado de família conta com a preferência dos magistrados e das magistradas, em comparação com as varas de infância e da juventude, para a aplicação das medidas da lei sobre alienação parental (lei n. 12.318, de 2010). Os percentuais são de 92,3% contra 33,5%. O Relatório Escuta Especializada e Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes, publicado em junho, reúne as respostas de 953 integrantes da magistratura e 1.429 profissionais que atuam nessas varas.
Acesse o Relatório Escuta Especializada e Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes.
O levantamento mostra também que 86,5% dos julgadores consideram que o juízo de família pode buscar forma de fortalecimento dos vínculos familiares em vez de determinar a inversão da guarda ou de visitas assistidas. Além disso, 74% das autoridades respondentes também registraram que a convivência assistida é uma forma efetiva de garantir o direito de convivência familiar e comunitária. As respostas indicam ainda a valorização, por 86,3% dos participantes, de métodos alternativos, como a conciliação, a mediação ou a justiça restaurativa.
Entre os profissionais responsáveis por atividades psicossociais, 81,5% responderam que frequentemente ou sempre, quando escrevem laudos, indicam os motivos de uma criança ou um adolescente rejeitar os genitores. E 48,6% desses participantes da pesquisa responderam que sempre ou frequentemente é possível saber, por meio da aplicação de técnicas de avaliação psicológica, se uma criança ou um adolescente foi alvo de alienação parental. Outro dado, informado 51,7% dos integrantes das equipes psicossociais, é que os casos que envolvem a disputa por guarda e regulação de convivência ocorrem alegação de abuso sexual infantil.
O CNJ, entre outras atribuições, tem o papel de planejar, auxiliar e acompanhar políticas que visam à melhoria dos serviços prestados aos cidadãos pelos tribunais. Nesse sentido, em decisão tomada pelo plenário do CNJ durante a 4.ª Sessão Extraordinária de 2024, foi aprovada a recomendação que estabelece o protocolo para a escuta especializada e o depoimento especial de crianças e adolescentes nas ações de família em que se discuta alienação parental.
Capacitação
Os resultados de pesquisa evidenciam também a importância da oferta de cursos de capacitação para os profissionais que lidam, nos 27 tribunais estaduais do país, com causas relacionadas a alienação parental, denúncias de abuso sexual e disputas de guarda de pessoas com menos de 18 anos de idade. Entre as autoridades que responderam o estudo, 65% indicaram nunca ter participado de capacitação sobre alienação parental. E 58,4% não se consideram preparados para ouvir uma criança ou um adolescente em audiência, mesmo com a assistência de equipe técnica.
Dos profissionais das equipes, entre os quais há assistentes sociais e psicólogos, 34,8% alegaram não ter acesso à formação continuada sobre o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, mas 48,4% reconheceram que há, sim, a oferta constante de oportunidades de qualificação e 71, 4% manifestaram interesse em se capacitar sobre a escuta protegida. “É importante que membros e profissionais da Justiça que lidam com essa temática se capacitem, considerando-se que a aplicação das técnicas em situação de disputa de família deve ser feita de forma apropriada”, comenta o conselheiro do CNJ João Paulo Shoucair, que atua como coordenador adjunto do grupo de trabalho destinado à elaboração do protocolo para a escuta especializada e o depoimento especial.
A participação de integrantes do Judiciário no levantamento mostra que há pisão nítida em relação à crença de que a guarda das crianças na primeira infância deve ficar majoritariamente com a mãe. Dos participantes, 59,8% manifestaram concordância parcial ou total, enquanto 40,2% discordaram total ou parcialmente. Quanto ao alcance do interesse da criança, 88,6% dos juízes e das juízas assumem, total ou parcialmente, que o mais conveniente é a opção da guarda compartilha. Contudo, 89,5% acreditam, total ou parcialmente, que o bom relacionamento entre os pais é essencial para a adoção dessa alternativa.
Recusa
Entre os profissionais das equipes psicossociais, os respondentes informaram que a parentalidade inadequada é a justificativa mais frequente, com 34,3%, para a recusa da convivência com um dos genitores.
Em seguida, vêm a influência do responsável que mais convive com a criança ou com o adolescente, com 28,6%, e a violência, com 20,2%. Dos psicólogos, assistentes sociais e seus colegas, 51,6% informaram, nos questionários, que não são oferecidas ações de qualificação continuada e 43% reclamaram que nunca ou raramente há a supervisão de entrevistas ou a discussão de casos em equipe.
Participantes das equipes psicossociais questionaram o uso do termo alienação parental, sob a alegação de falta de adequação ética, teórica e validade científica. Para esse grupo, a legislação baseada na síndrome de alienação parental é inadequada e controversa, além de apresentar abordagem punitiva, de patologização, e maniqueísta dos conflitos familiares. Esses profissionais criticam o conceito por considerarem que não se trata de um distúrbio ou um transtorno, como se fosse uma doença, e sim uma situação em que a criança ou o adolescente é influenciado por um dos genitores ou por familiares.
O objetivo do CNJ com o Relatório Escuta Especializada e Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes é coletar percepções de magistrados, magistradas e profissionais das equipes técnicas sobre convivência familiar, alienação parental, denúncias de abuso sexual e disputas de guarda de crianças e adolescentes. A iniciativa está alinhada com a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância, instituída pela Resolução n. 470/2022.
Texto: Luís Claudio Cicci
Edição: Beatriz Borges e Geysa Bigonha
Agência CNJ de Notícias
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