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Decisão de segundo grau esgota questão de fato - 22/03/2018
Decisão de segundo grau esgota questão de fato (Tem sido dito, para justificar o não cumprimento do artigo 283 do CPP e os dispositivos constitucionais que tratam da presunção da inocência, que a segunda instância esgota a discussão fática, restando ao STJ e ao STF discutirem as questões de direito. Isso é tão simples assim? Sustenta-se que o trânsito em julgado da facticidade já ocorreria após a segunda instância. Logo, “silogisticamente”, em não mais havendo nada a discutir sobre a prova, o cumprimento da pena deve ser iniciado. Simples assim. Ou não; A questão é saber: é possível cindir questão de fato de questão de direito? Autores como Castanheira Neves (“toda questão de fato é sempre uma questão de direito e vice-versa, pois o direito é parte integrante do próprio caso; quando o jurista pensa o fato, pensa-o como matéria do direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao fato”),[1] Perelman, Sergi Guasch (“o problema dos fatos e o problema do direito é o resultado de um verdadeiro paralogismo processual que tem ocasionado desvios patológicos de ordem teórica”), Ovídio Baptista e uma infinidade de juristas já trataram dessa falsa dicotomia e a desmi(s)tificaram. Disseram um sonoro não; Essa desmi(s)tificação ocorre a partir de vários ângulos: i) a cisão é uma decorrência da velha subsunção e do silogismo – portanto, inadequada em termos paradigmáticos; ii) a partir da filosofia, mostrando a impossibilidade de separar ser e ente (sempre chamei a isso de cisão metafisica de caráter ontoteológico); iii) sob outro ângulo, Friedrich Müller mostrou a impossibilidade de cindir texto e norma; O que quero dizer? Que, além de incindibilidade entre questão de fato e questão de direito, há toda a fragilidade da nossa operacionalidade. Ou seja, nossa “questão de fato” não é bem tratada. Por vezes, vejo brandirem o direito norte-americano para sustentar a tese da prisão imediata. Mas isso entra no Brasil como uma vulgata. O uso do direito norte-americano como modelo é tão vulgata quanto a história da ponderação importada de uma inadequada leitura de Alexy. É só vermos como isso é feito: “De um lado, o interesse tal; de outro, como se fosse uma maçã em cada mão, o interesse tal”, eis a caricatura da ponderação à brasileira. E, fiat lux, sai a decisão. Vão me dizer que, quando alguém é condenado em segundo grau com base em uma ponderação à brasileira (katchanga), o recurso especial consegue cindir fato e direito?; Na verdade, há que se admitir que a tese de que é possível prender a partir do segundo grau é uma tese moral. Não é uma tese jurídica. A tese moral é a de que “devemos combater a impunidade”. Ou devemos “atender o clamor das ruas” (o que é isto – o clamor?). Mas, pergunto: uma lei e a própria CF podem ceder a esses argumentos?; Pergunto: é possível discutir, em recurso especial ou até mesmo extraordinário, uma questão jurídica desindexando a questão de fato que “já se esgotou”? Sim, sei que a Súmula 7 (muito antiga) já institucionaliza esse procedimento. Por ela, diz-se que não se pode examinar matéria de fato. Claro. Só que, para dizer isso, tem de se saber qual é a questão de fato. Dia desses, li uma decisão do STJ que aplicou a Súmula 7 dizendo que a decisão do conselho de sentença foi contrária à prova dos autos, sendo que a corte de segundo grau se baseou nos depoimentos colhidos durante a instrução probatória, assim como na causa mortis descrita no exame de corpo de delito... E não conheceu do recurso. Ou seja, para saber que a matéria tinha sido examinada e bem examinada, o STJ não examinou a matéria fática? Então: para dizer que algo não é, tenho que ver esse “algo”, pois não? A desindexação de fato e direito não passa de mera ficção; Do mesmo modo, o exame de um caso é impossível cindindo questão de fato de questão de direito. Por que o STF faz repercussão geral? Baseado na repercussão que a “questão de direito” tem sobre todo o sistema jurídico e a sociedade. Repercute onde e sobre o quê? Ou seja, essa análise de repercussão já é uma “questão de fato”, isto é, a questão de direito vem eivada de facticidade; Vamos a um exemplo corriqueiro: prova ilícita é violação de lei federal e da CF. De que modo, em sede de recurso especial ou extraordinário, vamos discutir prova ilícita sem discutir se existiu ou não o seu uso? Isso é fato ou direito? Quanta ficção, pois não? E quando o tribunal diz que não há nulidade sem prejuízo (e dito em francês “pas de nullité"...fica mais chique ainda), pergunto: quando o STJ ou o STF dizem isso eles se baseiam em que tipo de “questão”?; A dogmática jurídica parece que esqueceu que um homicídio é o nomen juris de tirar a vida. Entrar em uma casa dando pontapé na porta é o quê? Ora, quando o jurista pensa o fato, pensa-o como matéria do direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao fato. Portanto, pé na porta é abuso de direito. Onde está a questão de fato, senão jurisdicizada?) https://www.conjur.com.br/2018-mar-22/senso-incomum-segundo-grau-esgota-questao-fato-butao-assim