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Coronavírus, monitoramento eletrônico e prova criminal - 24/04/2020
Coronavírus, monitoramento eletrônico e prova criminal (A Portaria n. 5 de 17/03/2020, sinaliza sobre eventual responsabilidade penal daquele que descumprir medidas de isolamento e quarentena, a teor dos artigos 3º, 4º e 5º, o que inclusive já se manifesta em concreto em decretos legislativos estaduais, como ocorre com o Decreto 609 de 16/3/2020, oriundo do estado do Pará; E justamente no âmago da tensão entre medidas sanitárias e direito à liberdade é que se posiciona, ao menos aparentemente, um importante debate que também afeta, sobremaneira, o direito à intimidade. É dizer, para controlar eventuais descumprimentos de isolamento social ou quarentena, surgem vozes a defender a existência de monitoramento eletrônico de celulares como forma de identificar aglomerações, a partir do fornecimento de dados sobre a circulação de pessoas a serem fornecidos pelas operadoras nacionais de telecomunicação; Segundo a Agência Brasil [1], os estados de São Paulo, Pará, Pernambuco e o próprio Governo Federal já estariam com estruturas avançadas para implementação da medida de monitoramento eletrônico; Nesse panorama é inevitável a pergunta sobre a licitude dessa medida, ainda que considerada a crise decorrente da coronavírus. A indagação, obviamente, decorre das previsões constitucionais dispostas no artigo 5º, que referem ser inviolável a intimidade (inciso X), bem como o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (XII), também corroboradas pelas disposições da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que, espelhando os termos constitucionais, estabelecem ser direito e garantia dos usuários de internet o "não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado" (artigo 7º, VII) e "consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais" (artigo 7º, IX) [2]; Em relação a isso, poder-se-ia argumentar que o reconhecimento oficial do estado de calamidade criou situação excepcional, apta a relativizar direitos e garantias fundamentais, na medida em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu inexistir direitos absolutos (MS 23.452, relator ministro Celso de Mello, j. 16-9-1999, P, DJ de 12-5-2000; HC 103.236, relator ministro Gilmar Mendes, j. 14-6-2010, 2ª T, DJE de 3-9-2010), razão pela qual entre a necessidade de tomada de medidas emergenciais para contenção da pandemia estaria justificada a adoção de medidas invasivas de forma a permitir atuação mitigadora do Estado; Ocorre que a possibilidade de limitação de direitos, ainda que decorrente de juízos de ponderações, não deve resultar na aniquilação do núcleo essencial de direitos e garantias fundamentais. Proíbe-se, portanto, restrições desproporcionais aos direitos e garantias fundamentais (Hesse, K. 1998) [3]. É de se destacar, ademais, que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou hipótese semelhante, quando, no julgamento do Habeas Corpus 82.959, considerou inconstitucional dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que impunha a obrigatoriedade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os crimes dessa natureza, haja vista que tal previsão normativa esvaziaria por completo o princípio da individualização da pena; Há, aparentemente, semelhança entre as situações. O monitoramento eletrônico da transmissão de dados de todos os celulares, de todos os cidadãos, sem delimitação espacial e temporal, desprovido de consentimento, e carente de decisão judicial, indica, fortemente, o esvaziamento por completo do direito à intimidade e de seu núcleo essencial; Ainda que se insista no argumento de ser a única medida administrativa eficaz para controle e mitigação da propagação da Covid-19, surgirá, inexoravelmente, o debate sobre a validade da utilização dos dados interceptados como elemento de prova apto a produzir condenações criminais, especialmente dos crimes mencionados na Portaria Interministerial n. 05 de 17/3/2020, notadamente a infração de medida sanitária preventiva e a desobediência (CP, artigos 268 e 330, respectivamente); Como já mencionado, a Constituição Federal garante o direito à intimidade (artigo 5º, X), protege o sigilo de dados (artigo 5º, XII), autorizando, no entanto, a interceptação, por meio de ordem judicial, para fins de investigação ou instrução processual de natureza penal. É de se sublinhar, portanto, que a limitação do direito à privacidade e ao sigilo de dados deve ocorrer a partir de decisão judicial, vinculada à investigação criminal ou instrução processual penal, situações essas ausentes no pretendido monitoramento eletrônico dos cidadãos brasileiros; Além disso, a Lei 9.296/1996 estabelece que não será admitida a interceptação se não houver indícios razoáveis de autoria, bem como se os crimes investigados possuírem penas de detenção, exatamente as hipóteses dos crimes previstos nos artigos 268 e 330 do Código Penal, o que também inviabilizaria a prova pela ausência do preenchimento dos requisitos legais; É de se destacar, inclusive, que a jurisprudência brasileira evoluiu no sentido de não permitir sequer o acesso ao conteúdo de celulares apreendidos em flagrante delito sem a devida autorização judicial, reconhecendo-se que o sigilo deve abranger a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, através de sistemas de informática e telemática, como ocorreu no RHC 67.379-RN, relator ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, STJ, reforçado pelo Supremo Tribunal Federal no voto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes nos autos do HC 168052-SP [4]; O monitoramento eletrônico inteligente, por todos esses motivos, constituir-se-ia em prova absolutamente ilícita e não apenas ilegítima [5], sendo seu aproveitamento absolutamente inadmissível no processo penal, por força do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, conjugado com o artigo 157 do Código de Processo Penal, uma vez que exige forte tolerância de sacrifício de direitos e garantias fundamentais) https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/filipe-silveira-monitoramento-eletronico-prova-criminal?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook