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Contemporaneidade - limite ou disfarce - 06/04/2019
Contemporaneidade - limite ou disfarce (A imposição de medidas cautelares no curso dos procedimentos criminais, com a consequente repercussão nas garantias individuais do sujeito passivo – liberdade, privacidade, intimidade, patrimônio, etc. –, é dos maiores desafios a serem enfrentados no decorrer da persecução penal; E, exatamente por isso, deveriam ser sempre reconhecidas como medidas excepcionais. Afinal, assim determina a Constituição da República de 1988 (artigo 5º, incisos LVII e LXI) e o Código de Processo Penal (artigo 282, incisos I e II, incluídos a partir da Lei 12.403/11); O poder excepcional de cautelaridade penal[1], portanto, somente deveria ser aplicado quando estritamente necessário (seja para garantir a aplicação da lei penal, seja para possibilitar a investigação ou instrução, seja para evitar a prática de infrações), evitando assim a antecipação da pena vedada pelo princípio da presunção de inocência; Além disso, o poder excepcional de cautelaridade penal deveria ser vinculado às especificidades do caso concreto, adequando as medidas à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do sujeito passivo, em decisão escrita e fundamentada pela autoridade judiciária competente; Sendo assim, diante de qualquer fundamento da cautelaridade, seria imprescindível a existência cumulativa de dois requisitos: (a) probabilidade da ocorrência de um delito - ou, na sistemática do Código de Processo Penal, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria[2]; (b) perigo pelo estado de liberdade - do indivíduo, do patrimônio, do exercício profissional, etc; A prática, todavia, revela uma realidade diferente. A decretação de medidas cautelares fundamentadas no clamor popular, na repercussão social ou mesmo na necessidade de obter confissões e delações[3] viraram rotina; Com efeito, o ponto comum dessas decisões está na dificuldade de definição do requisito “perigo”; Primeiro, porque deve ser efetivamente demonstrado. É dizer que, para decretar qualquer medida cautelar, o juízo precisa evidenciar, para além de qualquer dúvida, que a liberdade do sujeito passivo representa um risco real; Como exemplo, seria legítima a decretação de prisão preventiva de pessoa que tenta fugir para outro país a fim de evitar a persecução penal; assim como legal a decretação de constrição patrimonial em contra aquele que busca se desfazer dos seus bens para evitar futuro cumprimento da lei penal; e também lícita a medida de afastamento do cargo eletivo em relação a indivíduo que se valesse dessa posição para a prática ou reiteração delitiva; Segundo, porque deve ser iminente. A urgência é elemento inerente às medidas cautelares e impõe, consequentemente, a contemporaneidade dos fatos que justificam a existência de risco concreto, hábil a demandar imediata contenção por parte da justiça criminal; No Superior Tribunal de Justiça, a Quinta e a Sexta Turmas já uniformizaram o entendimento no sentido de que a urgência intrínseca às cautelares exige a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende com a prisão evitar[6]. Para o Supremo Tribunal Federal, igualmente necessária a contemporaneidade entre os fatos imputados e a data de decretação da prisão[7]; Todavia, se nas hipóteses de decretação da prisão preventiva parece ser fácil compreender e reconhecer a necessidade de especial atenção ao requisito da contemporaneidade, as outras espécies de medidas cautelares parecem não gozar da mesma garantia; Apesar de serem regradas pelo mesmo dispositivo legal (artigo 282 do Código de Processo Penal) e de estarem sujeitas a idênticos requisitos, há certa resistência – principalmente por parte da jurisprudência – em aceitar que o elemento contemporaneidade também é imprescindível para a decretação de medidas cautelares diversas da prisão; E não poderia (ou deveria) ser diferente. As cautelares diversas da segregação provisória - sejam aquelas previstas taxativamente no rol do artigo 319, sejam as medidas inominadas – representam, em maior ou menor medida, restrições à liberdade e não devem ter caráter de punição antecipada; Dessa forma, se não há contemporaneidade para a prisão provisória, não há para a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão; Compreender esse raciocínio é fundamental, especialmente porque são comuns as decisões que reconhecem o constrangimento ilegal em caso de prisão provisória extemporânea, substituindo-a por outras medidas que mantêm o cerceamento - ainda que de maneira menos gravosa - à liberdade da pessoa acautelada; Imagine, concretamente, a seguinte situação: fatos imputados ocorridos em 2015, com o primeiro requerimento do Ministério Público e posterior decisão judicial pela prisão cautelar somente em 2019. Por não restar preenchido o requisito da contemporaneidade, o Tribunal reconhece a ilegalidade do decreto prisional, impondo automaticamente ao paciente medidas cautelares diversas, como a proibição de afastamento da Comarca e uso de tornozeleira eletrônica; Se, por um lado, não é razoável restringir o direito à liberdade sem que haja um referencial de necessidade atual, incabível a aplicação de outras medidas cautelares pessoais menos severas, cujo reflexo sobre a liberdade individual também é visível, com base em fatos ultrapassados; Em determinadas hipóteses, a substituição da prisão extemporânea por outras medidas seria possível. Especificamente, por ocasião de novos fatos – como, por exemplo, reiteração delitiva, tentativa de fuga ou ameaça a testemunhas – que poderiam ensejar a aplicação de outras cautelares pessoais, desde que devidamente fundamentadas e adequadas às condições pessoais do agente; Mas é verdade que, na maior dos casos, os decretos de prisão preventiva que não preenchem o requisito do risco atual e iminente são substituídos via habeas corpus por cautelaridade diversas, sem qualquer justifica válida ou atenção às condições individuais do paciente, ganhando contornos de prisão mitigada[8]; O raciocínio é linear: prende-se ilegalmente, em clara negativa de vigência ao artigo 282 do Código de Processo Penal; solta-se pela flagrante ilegalidade; impõe-se outras cautelares pessoais que continuam interrompendo o direito de locomoção, sem novos fatos suficientes para sua aplicação; nega-se novamente vigência ao artigo 282; Em trabalho recente, de vasta análise quantitativa realizado junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Brunna Laporte Cazabonnet[9] verificou os seguintes exemplos que corroboram esse raciocínio: “O segundo exemplo cuida de um habeas corpus por homicídio praticado, em tese, por indivíduo sem antecedentes, no qual o relator desenha todo seu voto no sentido de que estão ausentes os fundamentos do Art. 312, do CPP, e, mesmo assim, determina a aplicação de três medidas cautelares alternativas; Por derradeiro, o terceiro voto narra um caso de homicídio no qual o suposto acusa- do não é reconhecido pelas testemunhas, não há indícios de que possa estar constrangendo-as e apresenta cartão-ponto de que no horário do delito estava exercendo a sua atividade laboral. Contudo, mesmo sem a presença de necessidade cautelar, são-lhe aplicadas duas medidas, das quais uma cuida de proibição de manter contato com as testemunhas; Entende-se que os últimos casos apresentados são exemplos de como as medidas cautelares diversas podem ser usadas indevidamente, de modo a alargar a seara penal, sem existência de qualquer indício de periculum libertatis”; A contemporaneidade, requisito imprescindível para a decretação de cautelaridade pessoais, é triplamente desprezada: primeiro, pelo Juízo de Primeiro Grau, que mesmo conhecendo a já pacificada jurisprudência dos Tribunais Superiores, insiste em decretar prisões fora do espectro da atualidade; depois, pelos julgados de Segundo Grau, que mesmo reconhecendo a já pacificada jurisprudência dos Tribunais Superiores, aplicam medidas cautelares diversas sem fundamentos atuais de perigo; e, finalmente, pelos próprios Tribunais Superiores, cuja tradição é manter as cautelaridade aplicadas pelo ente a quo; O que se critica, então, é exatamente essa tradição mantida pelo Judiciário disfarçar prisões decretadas por fundamentos ilegais com medidas cautelares tão ilegais quanto. Até porque, quando o assunto é liberdade, qualquer restrição ilegal é “produto de uma concepção inquisitória de processo que deseja ver o acusado em condição de inferioridade em relação à acusação”[10]) https://emporiododireito.com.br/leitura/contemporaneidade-limite-ou-disfarce?fbclid=IwAR2L9sD7uPCJZo8NbKlMluRYzILJ6aUvx0U9hMtNUdiniVz1tppr4pIXvVs