Quarta-feira
04 de Junho de 2025 - 
Você tem garantias e direitos, portanto, conte com o seu Advogado de confiança para defendê-lo (a)

Acompanhamento Processual

Acesso ao controle de processos

Notícias

Artigos

Busca pela verdade no Direito não deve se basear no consenso, mas no contexto - 01/06/2020

Busca pela verdade no Direito não deve se basear no consenso, mas no contexto (Afinal, há verdades? Acredito que quase todos supomos que sim. Quer dizer, se dizemos que alguém mentiu, que fulano mente ou que alguém é falso, estamos afirmando, tertium non datur, que há verdade por detrás dessas situações. Alguém poderá argumentar: “ah, mas o que eu quero dizer é que defendo a minha verdade”. Será? Será que, no fim das contas, apenas defendemos narrativas (o antirracionalismo nietzschiano está na moda) a partir de nossa preferência pessoal? Custo a crer que quem diz que o outro está a afirmar inverdades sempre sustente — ainda que tacitamente — que é aquela apenas uma “versão” da história; O negacionismo epistêmico (expressão cunhada por Streck — ver aqui) é um sintoma grave da relativização da verdade que já polui a sociedade há tempo. Ele já nasceu errado, problemático, ab ovo. Não precisamos ir muito longe para apontar defeitos congênitos: quem vai negar que o oceano é feito de água ou que o Sol é uma estrela? Ou que Direito não é a mesma coisa que Medicina? Que é errado colocar na cadeia alguém que não cometeu crime algum? Ou que o coronavírus não é gripezinha? Bom, se a tese negacionista já não responde a perguntas como essas, não vejo como sustentá-lo; Vamos a um exemplo: o mandato do Presidente da República é de quatro anos (artigo 82 da Constituição Federal). Acredito que ninguém tenha muita dificuldade em concluir sobre a norma relacionada a esse texto. Mas se alguém diz que “os negócios jurídicos devem ser pautados pela boa-fé”, aí já começa toda sorte de altercação sobre a vagueza da expressão “boa-fé”, que inviabiliza(ria) uma conclusão correta sobre a expressão. E por que será? “Boa-fé é uma cláusula geral. Não há como precisá-la sem um contexto.”; É nisso que eu queria chegar: verdade e contexto andam juntos. Só compreendemos rapidamente o prazo do mandato do presidente porque estamos familiarizados com as ideias de “mandato”, “presidente”, “república”, “anos”. Ora, poderia a Constituição estar se referindo ao presidente de alguma república de estudantes? Não? Ou “anos” poderia ser um lapso temporal diferente de 365 dias? Poderiam ser “anos” com um outro número qualquer de dias, já que se trata de uma construção do próprio ser humano para se organizar cronologicamente. Tudo isso depende do contexto em que vivemos. É claro que a Constituição fala do Presidente da República do Brasil e não de qualquer outra república. Os anos são os que todos conhecemos — não é ano-luz nem outro tipo existente; Aliás, já que falamos de boa-fé, a insistência na defesa da relativização da verdade no Direito guarda importante conexão com o não-cognitivismo moral2. Para um não-cognitivista, a discussão sobre a verdade no campo moral não nos leva a nada: seríamos, assim, totalmente reféns de sentimentos ou atitudes emocionais, sem a possibilidade de concebermos um critério objetivo prévio para avaliar a verdade de proposições morais. Veja-se que, enquanto para um cognitivista existe uma resposta correta a ser encontrada em uma questão moral — devo ajudar uma pessoa passando fome na rua? —, para um não-cognitivista todo juízo moral carece de objetividade; Parece que as pessoas têm a tendência de dizer que não há verdades morais porque “cada um pode ter sua opinião”. Eu compreendo a ideia de que cada indivíduo possa ter um ponto de vista, mas também entendo que opiniões erradas existem. Não duvido da possibilidade de debates construtivos sobre os mais variados temas morais, mas pergunto a um não-cognitivista: é possível considerar a escravidão justa? Ou um holocausto justo? Fico imaginando que cenários alguém poderia contemplar para legitimar situações tão abjetas, representantes daquilo que o ser humano já produziu de pior em toda sua história; Bem compreendidas essas premissas, é claro que a verdade não depende de consenso (vide o título da excelente obra “Verdade e Consenso” de Streck3), e, claro, nem poderia. Caso contrário, voltaríamos à possibilidade de sua relativização. Se aceitássemos a tese da verdade consensual (ou procedimental), cairíamos em um inescapável convencionalismo. Imagine-se se fosse possível simplesmente convencionar que a Terra é plana. Ou que infanticídio é bom. Ainda assim eles não o seriam; No Direito, isso é, inclusive, bem visível: uma decisão judicial correta — e elas existem — não se submete à aprovação da maioria da população. E não estou falando da autoridade e da independência do Poder Judiciário, mas do fato de que, à luz do ordenamento jurídico de que dispomos, é sempre possível construir uma argumentação jurídica coerente e íntegra com relação ao sistema. Se alguém perguntasse se é possível um governo autoritário no Brasil, todos responderíamos (assim espero) que não, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, e democracia não se mistura com autoritarismo. Essa é a resposta correta (e verdadeira).4; É assim que devemos interpretar. Dentro de um contexto histórico-social compartilhado (intersubjetivo), que condena a compreensão (jurídica e qualquer outra “espécie”) à hermenêutica. Não busquemos uma “essência” das coisas, nunca a encontraremos. O “eu” e o “mundo” aparecem em uma unidade originária na linguagem (Gadamer5): toda nossa experiência ocorre através dela. Não podemos nos “descolar” do mundo para que possamos falar a partir de um locus privilegiado; A verdade existe. Mas ela é complexa. E interpretativa (sem nenhuma conotação subjetivista). No Direito, a verdade exige muito raciocínio e estudo, o que leva tempo, cansa. É por isso que o anti-intelectualismo é inimigo da verdade — é muito menos trabalhoso suspeitar dos outros a partir de chavões como “tudo é relativo”6 ou (o que é o mesmo) “não há verdades” do que colocar os seus pré-conceitos e pré-concepções à prova, o que exigiria o constante (e às vezes desconfortável) reprojetar do círculo hermenêutico; A filosofia (sempre tão esquecida) não deveria ser vista como um simples método ou ferramenta para nos auxiliar em determinados momentos, como quando queremos dar um verniz de sofisticação ao discurso ou tentar justificar argumentos injustificáveis. Concordo com o professor Streck em seus escritos quando sustenta que a virada linguística da filosofia parece ter passado ao largo dos juristas, apegados a uma vulgata da filosofia da consciência, como se fosse “bom” que haja um juiz-protagonista detentor da “verdade”. Ninguém é — solipsisticamente — dono da verdade: ela é uma experiência compartilhada e mediada pela linguagem) https://www.conjur.com.br/2020-mai-30/diario-classe-contexto-nao-consenso-orientar-busca-verdade-direito?fbclid=IwAR0FzftAe_6xFwFWK3J_2DaiDJPAHinit9LWFBy0QoWLK1DYhWJuoQ0H4e4
Autor: Drº Mattosinho

Contate-nos

Sede do escritório

Rodovia Transamazônica  20
-  Novo Horizonte
 -  Pacajá / PA
-  CEP: 68485-000
+55 (91) 991040449+55 (91) 37981042
© 2025 Todos os direitos reservados - Certificado e desenvolvido pelo PROMAD - Programa Nacional de Modernização da Advocacia
Pressione as teclas CTRL + D para adicionar aos favoritos.