Você tem garantias e direitos, portanto, conte com o seu Advogado de confiança para defendê-lo (a)
Notícias
Artigos
Antecedentes e reincidência não são fundamentos para afastar insignificância - 04/07/2020
Antecedentes e reincidência não são fundamentos para afastar insignificância (A imprensa noticiou ao longo desta última semana o caso de um jovem de 30 anos que se encontra preso há quatro meses acusado de furtar dois frascos de xampu em um estabelecimento comercial, cada um deles avaliado em R$ 10 [1]. O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal e, recentemente, a ministra Rosa Webber negou o pedido liminar em Habeas Corpus para que o réu respondesse ao processo em liberdade; A aplicação dos vetores estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal no HC nº 84.412/SP [7], com todas as críticas que podem ser feitas a esses critérios [8], também não autoriza o afastamento da insignificância com base nos antecedentes ou a reincidência do acusado. Isso porque, com base nesses mesmos vetores, decidiu a própria Suprema Corte que "a caracterização da infração penal como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é" [9]. Logo, ainda segundo o Supremo Tribunal Federal, "o fato de já ter antecedentes não serve para desqualificar o princípio da insignificância" [10]; Todavia, opõem-se a essa linha jurisprudencial decisões do mesmo Supremo Tribunal Federal que condicionam a aplicação da insignificância a uma análise da conduta de vida do acusado, incluindo-se nesse exame sua primariedade e bons antecedentes. Aduzem estes julgados, em síntese, que "reconhecidas a reincidência e a habitualidade da prática delituosa, a reprovabilidade do comportamento do agente é significativamente agravada, sendo suficiente para inviabilizar a indecência do princípio da insignificância" [11]. Não há consenso com relação ao tema na jurisprudência, nem mesmo quando consideradas apenas as decisões do próprio Supremo Tribunal Federal: por vezes, a reincidência é causa para o afastamento da insignificância [12]. Em outros casos, essa circunstância é considerada irrelevante [13]; Na verdade, o entendimento jurisprudencial que afasta o reconhecimento da insignificância com base na presença de antecedentes, na reincidência ou em qualquer outro aspecto da conduta social do agente, abandona a boa técnica jurídica e todos os fundamentos dogmáticos da insignificância para enveredar de forma perigosa pelo caminho do julgamento moral do acusado, substituindo o Direito Penal do fato pelo Direito Penal do autor. Considerações sobre seus antecedentes, conduta social ou ainda alegações como a de que o acusado dá "mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi" [14] nada mais são do que julgamentos morais a respeito da pessoa do agente, que muito se assemelham ao discurso positivista da "má vida" (de triste lembrança) ou de culpabilidade pela condução de vida formulada por Mezger [15]. Ao fim e ao cabo, esse é um expediente que se afasta da análise da conduta praticada pelo agente para, ao invés disso, julgar o modo de vida do acusado, substituindo a análise de sua conduta pela análise do seu ser. E, como alerta Baratta, esse julgamento é sempre "desfavorável aos indivíduos provenientes dos estratos inferiores da população. Isso não só pela ação exercida por estereótipos e preconceitos, mas também pela exercida por uma série das chamadas ‘teorias de todos os dias" [16]; Decisões dessa natureza ignoram a fragmentariedade e a subsidiariedade do Direito Penal (a tão propalada — mas pouco aplicada — ultima ratio), os fundamentos teóricos e dogmáticos que balizam a aplicação da insignificância e tem como uma de suas mais infelizes consequências a multiplicação de prisões e condenações por atos de bagatela praticados sem violência ou grave ameaça, o que talvez ajude a explicar por que o Brasil possui hoje a terceira maior população carcerária do mundo. Pior ainda, muitos desses encarcerados são presos provisórios, que possivelmente sequer cumprirão pena privativa de liberdade em regime fechado mesmo que venham a ser condenados ao fim do processo; Tamanha insensatez só se explica a partir de uma mentalidade excessivamente encarceradora que hoje é absolutamente dominante no Poder Judiciário brasileiro, a qual vê na pena (em especial na prisão) uma espécie de solução mágica para todos os problemas sociais, ou pelo menos como uma alternativa para excluir de seu campo de visão aquele enorme contingente humano que incomoda por simplesmente existir. Nesse cenário, a pena se converte em um mero mecanismo de neutralização de indivíduos e a prisão em um simples depósito de pessoas indesejáveis; No julgamento da ADPF 347 [17], o Supremo Tribunal Federal reconheceu o "estado de coisas inconstitucional" do sistema carcerário brasileiro. Está na hora, portanto, de o Poder Judiciário assumir sua própria parcela de responsabilidade por essa situação, a começar pela perpetuação de entendimentos jurisprudenciais equivocados como esse) https://www.conjur.com.br/2020-jul-02/rafael-fagundes-antecedentes-reincidencia-insignificancia?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook