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Advocacia criminal e julgamento por videoconferência - 17/07/2020
Advocacia criminal e julgamento por videoconferência (As Leis nº. 11.690/08 e 11.719/08 fizeram profundas alterações nos procedimentos comuns ordinário e sumário da codificação processual penal; Dentre essas alterações, houve nítida preocupação do legislador com o reforço do princípio da oralidade. Trata-se de modelo processual penal que adota a prevalência das formas presencial e verbal de interação entre Juiz, partes e fontes pessoais de prova, devendo a sentença ser baseada na prova oral produzida durante a audiência de instrução e julgamento; Nesse sentido, a oralidade não é um fim em si mesma, tendo natureza jurídica de garantia constitucional de segundo grau. Vale dizer: somente quando a audiência se desenvolve de forma oral e concentrada, há alguma segurança quanto ao cumprimento das garantias constitucionais de primeiro grau, ou epistemológicas: (i) formulação da imputação (nullum iudicium sine accusatione); (ii) ônus da prova da parte acusadora (nulla accusatio sine probatione); (iii) direito de defesa do acusado (nulla probatio sine defensione). 1; A oralidade possui os seguintes corolários lógicos: (i) imediação; (ii) concentração dos atos processuais penais; (iii) identidade física do Juiz; Por imediação se entende a interação comunicativa de cariz contemporâneo e contínuo entre Juiz, partes e fontes pessoais de prova, para que o julgador possa conhecer as alegações das partes e provas orais de modo direto e pessoal (sem delegações ou mediações). 2; A concentração significa a reunião de todos os atos processuais de instrução, debates das partes e adjudicação do caso penal na menor quantidade possível de audiências, preferencialmente em audiência única de instrução e julgamento; Já a identidade física do Juiz implica vinculação legal do julgador que preside a fase de instrução para prolatar a sentença; Ademais disso, reitere-se que a oralidade assegura importantes garantias processuais, notadamente o contraditório, o direito ao confronto e o direito de presença do acusado; O contraditório é a ciência bilateral dos atos e termos do processo e possibilidade de contrariá-los, na clássica lição do Professor Canuto. 3 Durante a audiência de instrução e julgamento, a garantia em digressão exige a presença simultânea e a participação ativa do julgador e das partes, como condição de validade da prova penal. 4; O direito ao confronto, por sua vez, impõe que todo o saber testemunhal incriminador passível de valoração judicial seja produzido de forma pública, oral, na presença do julgador e do acusado e submetido à inquirição deste último. Assim, a estrutura normativa do right of confrontation inclui os direitos: (i) à produção da prova testemunhal em audiência pública; (ii) a presenciar a produção da prova testemunhal; (iii) à produção da prova testemunhal na presença do julgador; (iv) à imposição do compromisso legal de dizer a verdade às testemunhas; (v) a conhecer a verdadeira identidade das fontes de prova testemunhal; (vi) a inquirir as fontes de prova testemunhal desfavoráveis, de forma contemporânea à produção dessa prova. 5 A esse rol parece razoável acrescentar o direito do acusado a se comunicar de forma livre, reservada e ininterrupta com seu defensor técnico, durante a inquirição das testemunhas; Por fim, o direito do acusado a estar presente nos atos processuais penais, ainda que esteja respondendo ao processo preso, é consectário da cláusula da ampla defesa. Essa vertente é consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 6; A oralidade encontra previsão no artigo 299 do Código Modelo de Processo Penal para Ibero América 7, no artigo 98, I do texto magno, no regime e princípios adotados pela Carta Cidadã e em tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados por nosso País; Com efeito, o artigo 14.1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos assegura o direito do acusado a ser ouvido publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei. Em sentido semelhante, o artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos garante o direito do acusado a ser ouvido, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei; Os sobreditos dispositivos convencionais asseguram audiência pública, oral e contraditória, durante a qual há interação comunicativa direta e pessoal entre julgador e acusado. A versão em língua inglesa do Pacto de San José da Costa Rica faz referência expressa ao direito a uma audiência (right to a hearing). 8; Nesse sentido, a oralidade é característica estrutural e constitutiva do processo penal democratizado, deslegitimando práticas judiciárias autoritárias. Por exemplo: (i) julgamentos criminais por escrito e em segredo, sem controle popular; (ii) coações físicas e psicológicas de fontes de prova oral; (iii) produção de prova oral sem presença nem participação do Juiz e das partes, havendo recepção indireta da prova por interpostas pessoas (v.g. órgãos auxiliares da justiça etc.); (iv) grandes lapsos temporais entre a produção da prova, as alegações das partes e a prolação da sentença, que prejudicam a capacidade do julgador de memorizar elementos de prova; (v) valoração precária da prova, via registros escritos de depoimentos feitos por órgãos auxiliares da justiça etc. 9; A oralidade possui as seguintes dimensões: (i) processual: previne práticas judiciárias autoritárias, consistentes na interposição de intermediários entre julgador, partes e fontes pessoais de prova; (ii) probatória: aumenta a confiabilidade dos elementos de prova e a potencial correção da sua valoração judicial; (iii) simbólica: denota respeito à dignidade do acusado, ao permitir sua participação direta, pessoal e igualitária na audiência de instrução e julgamento; De uma forma geral, o Estatuto Processual Penal pátrio contempla procedimento oral, ao prever: (i) o comparecimento pessoal do acusado perante a autoridade judiciária (artigo 186); (ii) os depoimentos orais e presenciais do ofendido e testemunhas de acusação (artigos 201, § 1º, 204 e 218); (iii) os exames direto e cruzado das testemunhas pelas partes (artigo 212); (iv) a identidade física do Juiz (artigo 399, § 2º); (v) a concentração dos atos de instrução e julgamento em audiência única (artigo 400); (vi) a imediação entre Juiz, partes e fontes de prova oral; (vii) as alegações finais orais e a prolação oral de sentença em audiência (artigo 403); (ix) a regra das audiências públicas, nas sedes dos juízos e tribunais (artigo 792); Além disso, há regramentos instituindo a incomunicabilidade de interrogandos e testemunhas, para evitar coações, concertos de versões, sugestões etc. (artigo 191 e 210 do Código de Processo Penal); Decisivo salientar que o interrogatório do acusado e o depoimento de testemunhas por meio de videoconferência são excepcionais, circunscritos às hipóteses legais taxativas dos artigos 185, §§ 2º e 8º, e 222, § 3º da codificação processual penal; Não obstante, no atual contexto de crise pandêmica o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu editar atos normativos estimulando a realização de audiências criminais por videoconferência. 10; Aqui não se trata de audiências nas quais Juiz, partes, a maioria das fontes pessoais de prova e os órgãos auxiliares da Justiça estão reunidos na sede do juízo, havendo eventual depoimento por videoconferência. Ao contrário, se cuida de audiências 100% virtuais, com todos os sobreditos participantes em suas respectivas residências; A primeira questão diz respeito à discutível constitucionalidade formal desses atos normativos, considerando que só o Poder Legislativo da União possui competência legislativa para legislar sobre matéria processual penal; A segunda questão versa sobre a constitucionalidade material dos sobreditos atos, à luz das precitadas garantias processuais do acusado; A audiência de instrução e julgamento por videoconferência é complexa, em razão: (i) da grande quantidade de participantes (v.g. Juiz, acusador, ofendido, testemunhas, peritos, assistente de acusação, corréus com defensores distintos; jurados etc.); (ii) da produção de prova oral, exibição de documentos, reconhecimento de pessoas etc.; (iii) da problemática da comunicação Advogado-cliente quando eles estão em locais distintos; (iv) do maior grau de interação entre Juiz e partes; (v) da complexidade dos exames direto e cruzado de testemunhas e peritos, notadamente quando há objeções às perguntas da parte adversa; (vi) da relevância e consequências da decisão de mérito; (vii) da maior extensão temporal da audiência etc. 11; Não resta dúvida que a audiência de instrução e julgamento virtual causa consideráveis restrições às garantias do procedimento probatório, notadamente à imediação, contraditório, direito ao confronto e direito de presença; O acusado tem o direito fundamental a estar presente em seu próprio julgamento, conforme norma supralegal (artigo 14.3.d do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), portanto de hierarquia superior às Resoluções do CNJ; No caso Maleki vs. Itália (nº. 699/96), o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o julgamento criminal in absentia viola o sobredito preceito convencional. 12; A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por sua vez, consagra os direitos do acusado ao processo justo e equitativo, notadamente a: (i) defender-se a si próprio, ou ter a assistência de defensor da sua escolha (artigo 6.3.c); (ii) interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa, nas mesmas condições que as testemunhas de acusação (artigo 6.3.d); O espírito e a letra desses dispositivos convencionais levam à conclusão de que a presença do acusado no julgamento é componente indissociável da cláusula do fair trial, conforme já decidido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Colozza vs. Itália, Somogyi vs. Itália e Hermi vs. Itália. 13; O Tribunal Supremo espanhol decidiu que, malgrado os testemunhos e perícias só ofereçam uma posição passiva, que permite sua correta percepção apesar da distância, o acusado não pode ser considerado mero objeto da prova, com base no teor do seu interrogatório; Ao contrário, o acusado também possui condição jurídica de sujeito processual ativo, praticando atos durante a dinâmica do seu julgamento. Para tanto, adquirem grande relevância tanto sua presença física na sala de audiência, quanto a possibilidade de comunicação direta com o defensor técnico que, de outra forma, teria sua função de assistência jurídica consideravelmente limitada. 14; Assim, é lícito concluir que a audiência de instrução e julgamento virtual causa restrições excessivas ao direito de presença e a outras garantias processuais do acusado, devendo sofrer oposição do Advogado) https://www.conjur.com.br/2020-jul-15/diogo-malan-advocacia-criminal-julgamento-videoconferencia?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook