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Acesso irregular à biodiversidade brasileira não é crime ambiental - 31/01/2019

Acesso irregular à biodiversidade brasileira não é crime ambiental (Há cerca de três meses, a imprensa nacional noticiou[1] denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra algumas empresas nacionais e estrangeiras fabricantes de produtos com açaí (suprimentos alimentares), pela suposta prática de crime consistente no acesso (pesquisa e desenvolvimento) ao patrimônio genético da biodiversidade brasileira sem autorização e sem repartir os benefícios decorrentes de sua exploração. Mais recentemente, a suposta biopirataria voltou aos jornais em razão do recebimento da denúncia pela 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amapá[2]; O que chamou atenção no caso específico é que tanto a legislação que rege o acesso ao patrimônio genético no Brasil atualmente (Lei Federal 13.123/2015) como a que regeu no passado (Medida Provisória 2.186-16/2001) não tipificam o acesso sem autorização ou a ausência de repartição de benefícios como crime; Não que o descumprimento dessas normas não acarrete consequência para os infratores. Na verdade, há previsão de sanções administrativas severas para aqueles que as violarem, que vão de pesadas multas até a interdição de estabelecimento[3]. Foi com base nessas normas que o Ibama realizou duas grandes operações de fiscalização (operações novos rumos) que resultaram na aplicação de mais de R$ 200 milhões em multas entre os anos de 2010 e 2012. Mas isso não muda o fato de que esses estatutos legais não trataram seu descumprimento como crime; Justamente por saberem que essas violações não estão tipificadas como crime, alguns parlamentares chegaram a apresentar projetos de lei com esse objetivo, caso dos PLCs 5.104/2005, 6.794/2006 e 7.710/2010. No entanto, nenhuma dessas iniciativas foi aprovada pelo Congresso. E oportunidade para tanto não faltou, uma vez que recentemente toda a regulamentação existente sobre o tema foi rediscutida e alterada durante o trâmite do projeto que resultou na Lei 13.123/2015. O legislador, porém, optou por manter apenas a sanção administrativa como mecanismo de controle de seu descumprimento; Diante desse quadro, é de se perguntar como a denúncia do Ministério Público foi formulada e recebida pela Justiça Federal do Amapá[4]; Analisando peça processual, verifica-se que a solução encontrada pelo parquet para tentar criminalizar aquilo que o legislador aparentemente nunca quis foi invocar o artigo 68 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). De acordo com esse dispositivo, considera-se crime ambiental a conduta de “deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”; Não é de hoje a crítica que se faz ao tipo penal em questão. Primeiro, por ter criminalizado de forma incompreensível o descumprimento não apenas de um dever legal, mas também contratual, como se o particular ou mesmo o poder público pudesse integrar o tipo penal com a celebração de um contrato[5]. Segundo — e mais grave —, por ter se valido da expressão “obrigação de relevante interesse ambiental” para composição do tipo sem dizer que obrigações seriam essas, prejudicando severamente a sua compreensão não apenas pelos profissionais do direito, mas especialmente para o cidadão comum; Ora, o artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal estabelece como garantia do cidadão[6] que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, consagrando regra civilizatória do Direito Penal cujos contornos já haviam sido traçados por Cesare Beccaria, no século XXVIII, em seu clássico Dos Delitos e Das Penas. A doutrina penalista[7] extrai deste enunciado três regras fundamentais (ou princípios): 1) o crime deve estar previsto em lei (princípio da reserva legal); 2) a lei deve ser anterior à ocorrência dos fatos criminosos (princípio da anterioridade); e 3) o tipo penal deve ser redigido com um nível de clareza que permita ao cidadão saber se sua conduta é criminosa (princípio da taxatividade); Na configuração do artigo 68 da Lei de Crimes Ambientais pelo legislador, pode-se considerar que as duas primeiras regras constitucionais foram cumpridas (há lei e ela só pode ser aplicada a condutas ocorridas depois de sua edição), mas a terceira aparentemente não, tendo em vista o uso da enigmática expressão “obrigação de relevante interesse ambiental” sem dar pistas sobre o que se trata. Por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu em uma oportunidade que esse dispositivo seria inconstitucional[8]. Afinal, como saber se uma obrigação é de relevante interesse ambiental?; A legislação ambiental brasileira é vastíssima. E não apenas em âmbito federal, mas também estadual e municipal, já que todos os entes federativos têm competência para legislar nessa seara, conforme artigo 24, VI, VII e VIII e artigo 30, I e II da Constituição. Isso significa que, se todos resolverem editar uma única lei — e a realidade é que editam muitas —, teríamos mais de 5,5 mil estatutos, cada uma prevendo um sem-número de obrigações voltadas à tutela do meio ambiente. Como definir quais serão consideradas de relevante interesse sem que o legislador tenha fixado um critério? Ficaria isso a cargo do poder Judiciário?; Pode-se afirmar — e com razão — que não é a primeira vez que o legislador brasileiro se valeu de expressões que demandam algum grau de interpretação para sua aplicação (tipos abertos) na elaboração de tipos penais. Contudo, o grau de imprecisão neste caso não encontra precedentes, demandando não interpretação, mas pura e simples criação caso se entenda que Judiciário é quem dirá se uma obrigação é ou não de relevante interesse ambiental em cada caso. Uma abertura de tal ordem seria a verdadeira negação do princípio da taxatividade, pois transferiria para o aplicador (juízes e tribunais) a tarefa de elaborar praticamente do zero a parte faltante de um tipo fluído e impreciso[9]. E até que o faça, o jurisdicionado ficaria no escuro sem saber se sua omissão configura ou não crime; Aceitar uma abertura dessa ordem seria o mesmo que admitir que em um rompante reformador o Congresso pudesse substituir os inúmeros e detalhados tipos do Código Penal e das leis especiais por meia dúzia de artigos tipificando como crime condutas como deixar de cumprir obrigação de relevante interesse fiscal; deixar de cumprir obrigação de interesse à saúde; ou deixar de cumprir obrigação de relevante interesse para o consumidor; e transferindo para o Judiciário a tarefa de dizer que obrigações seriam essas no caso concreto. A repulsa que essa ideia certamente causará deve ser a mesma gerada pelo tipo penal em questão, caso se entenda que ele pode ser aplicado tal como está, sem nenhuma complementação, mediante simples intervenção judicial. Isso porque a Constituição não autoriza o afastamento do seu artigo 5º, XXXIX — e do princípio da taxatividade dele decorrente —, simplesmente porque o intérprete ou o legislador julgam o bem jurídico em questão (meio ambiente) digno de uma proteção mais fluida; Sendo assim, diferentemente do que defendem alguns autores, não nos parece que recorrer à prudência do Judiciário na aplicação desse dispositivo ou à possibilidade de revisão de decisões pelo sistema recursal[10] sejam medidas suficientes para garantir sua validade. A única forma de mantê-lo no sistema em conformidade com a Constituição Federal é considerá-lo uma norma penal amplamente em branco e reconhecer que a expressão obrigação de relevante interesse ambiental exige outra lei para complementá-la e permitir sua aplicação[11], como corretamente já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina[12]. Caberá a essa lei — e não ao aplicador — definir quais obrigações podem ser assim consideradas. Foi o que fez, por exemplo, a Lei 12.305/2010, que estabeleceu que a observância de alguns de seus preceitos configuraria obrigação de relevante interesse ambiental para os fins do artigo 68 da Lei de Crimes Ambientais. Com essa complementação, o cidadão passa a saber se determinada omissão é ou não crime sem precisar se submeter a um processo judicial para descobrir; Veja que não basta que a lei defina uma obrigação e o juiz valore se ela é ou não de relevante interesse ambiental, como se a parte do tipo que exige a complementação por outra norma fosse apenas a inicial (“deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação”). Para que ele possa ser aplicado em consonância com a Constituição, é preciso que a lei não apenas fixe a obrigação, mas também que a defina como de relevante interesse ambiental, como fez a já citada legislação de resíduos. Ao juiz caberá apenas analisar se a obrigação foi ou não descumprida e não aferir, de acordo com critérios subjetivos, se ela era ou não de relevante interesse ambiental, tarefa que já terá sido desempenhada pelo legislador; Voltando à denúncia do Ministério Público, diante da inexistência de previsão expressa de quais obrigações ambientais seriam relevantes para fins de aplicação do artigo 68, seja na Medida Provisória 2.186-16/2001 ou na Lei 13.123/2015, buscou-se justificar a imputação afirmando que a relevância das obrigações de obtenção de autorização de acesso e repartição de benefícios estaria no fato de que a Constituição “impõe ao poder público a proteção da diversidade e à integridade do patrimônio genético do País (Art. 225, II da CRFB/88) e considera a Floresta Amazônica brasileira patrimônio nacional, condicionando a sua utilização à forma da lei”. Acrescentou-se, ainda, que a obrigação de proteção aos recursos genéticos foi assumida internacionalmente pelo Brasil, estando prevista no artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica; O argumento não para em pé pelas razões já indicadas, ou seja, por não ser possível aplicar o artigo 68 sem que uma lei expressamente indique que determinada obrigação é de relevante interesse ambiental para fins de sua incidência, e isto não é feito pela Medida Provisória 2.186-16/2001, pela Lei 13.123/2015 ou por qualquer outra norma. Como se não bastasse, o raciocínio de que a violação de um dispositivo constitucional é suficiente para configurar o crime, como pretende o parquet, leva à conclusão de que o descumprimento de praticamente toda obrigação ambiental configura crime, pois dificilmente uma violação não poderá ser reconduzida ao amplo artigo 225; Vale também registrar que, ainda que se ignore todos os aspectos acima mencionados, fato é que a Medida Provisória 2.186-16/2001, que previa os deveres supostamente descumpridos pelos denunciados, foi revogada antes mesmo do oferecimento da denúncia. Em situações dessa natureza, em que se tem a revogação da norma que completava o tipo penal em branco, ocorre abolitio criminis e a norma penal mais benéfica retroage para beneficiar o suposto infrator, como já teve a oportunidade de decidir o STF no HC 94.397. Ou seja, também por esse fundamento, a conduta seria atípica; Assim, por todas essas razões, o destino dessa denúncia — e de outras com fundamento semelhante — não poderia ser outro que não a imediata rejeição por ausência de tipicidade (artigo 395, II do CPP), uma vez que, nem mesmo em tese, o acesso sem autorização ou a ausência de repartição de benefícios configuram crime ambiental. O que pode e deve ocorrer nesses casos é a aplicação de sanções administrativas, desde que presentes os pressupostos legais necessários para tanto; Vale ponderar que a presente análise considerou apenas a tentativa de incriminação com base na tese de que o descumprimento da legislação de acesso em si configura crime, como consta na denúncia do Ministério Público Federal a que se teve acesso. Não se ignora que, em algumas situações excepcionais, outras condutas relacionadas de forma indireta ou acessória ao acesso irregular possam estar tipificadas pelo ordenamento, ensejando a potencial responsabilização do agente. Imagine-se, por exemplo, se o sujeito apanha espécie da fauna silvestre ou corta árvore em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente, e utilize esses componentes da biodiversidade para fins de acesso ao patrimônio genético em desrespeito à legislação específica. O ato de apanhar ou cortar configuram crime, nos termos dos artigos 29 e 39 da Lei de Crimes Ambientais, mas o acesso ao patrimônio genético, não) https://www.conjur.com.br/2018-dez-01/joao-emmanuel-acesso-irregular-biodiversidade-nao-crime-ambiental?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
Autor: Mattosinho Advocacia Criminal

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