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A (im)possibilidade da mulher transgênero figurar como vítima de feminicídio - 12/12/2018

A (im)possibilidade da mulher transgênero figurar como vítima de feminicídio (Faz-se mister salientar que o feminicídio se divide em três tipos: feminicídio íntimo, não íntimo e por conexão. O feminicídio íntimo se caracteriza pelo fato de que o sujeito ativo é alguém que fazia parte das relações particulares da vítima, na maioria das vezes, pessoas com quem elas mantiveram algum relacionamento amoroso. É o crime que ocorre no contexto da violência doméstica. Contudo, nem sempre o autor do crime é alguém conhecido da vítima. O feminicídio não íntimo configura-se nos casos em que o feminicida é alguém “com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação, como uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho” (Feminicídio: #Invisibilidade Mata, 2017, p.21). Por fim, o feminicídio por conexão trata das situações em que uma mulher é morta em razão de estar na “linha de fogo” entre o autor e outra possível vítima de feminicídio; Existe uma grande confusão sobre o conceito de sexo e gênero, levando muitos a confundi-los. Uma pessoa que nasce com sua genitália masculina, aquilo que conhecemos por sexo, geralmente concordando com seu gênero entendido por masculino (identidade de gênero), é chamado de homem cisgênero considerado pela sociedade como "heterossexual". O gênero define sua forma de se comportar, falar, gesticular, andar, entre outras coisas que vem a determinar o que seria "ser homem"; Porém, esse entendimento de gênero nem sempre está em plena concordância com o sexo, pois existem pessoas que nascem com sua genitália masculina, mas seu jeito de se comportar, falar, gesticular, andar, ou seja, sua identidade de gênero discorda do seu sexo ou mesmo do gênero social atribuído no nascimento, essas pessoas se identificam como transgêneros; Embora a maioria das mulheres se reconheçam no gênero feminino e a maioria dos homens no masculino, como já dito, isto nem sempre acontece. Essas pessoas cujo o gênero discorda do sexo, fazem parte do grupo reconhecido como transgênero: é o caso das travestis e dos transexuais. Vale frisar que, no Brasil, ainda não há um consenso sobre o termo transgênero, porém é reconhecida como uma palavra flexível que abarca todas as expressões de gênero; Importa definir a figura do transexual e a estudiosa Tereza Rodrigues Vieira (2004, p.47) assim o define: Transexual é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar este indivíduo é o mesmo que culpar a bússola por apontar para o norte; As pessoas transexuais têm a identidade de gênero divergente do sexo biológico. Assim, o homem, com os órgãos sexuais masculinos, sente-se uma mulher, ou seja, uma mulher no corpo de um homem. Da mesma forma, a mulher, com os órgãos sexuais femininos, sente-se um homem, ou seja, um homem no corpo de uma mulher. Esta inconformidade pode causar um sofrimento em viver com a genitália que não se adequa ao seu sentimento de pertencer. Sendo assim, uma pessoa transexual pode ansiar por uma mudança de sexo procurando pela cirurgia de redesignação sexual; Diferentemente do que muitos pensam, o que define a identidade transexual é como as pessoas se identificam, e não necessariamente um procedimento cirúrgico. Assim, pode-se dizer, que muitas pessoas das quais hoje se consideram travestis seriam, em hipótese, transexuais; Por outro lado, ressalta-se que travestis é uma pessoa do sexo masculino que transiciona do masculino para o feminino vivendo no gênero feminino. Geralmente usa hormônios e faz modificações no corpo através de cirurgias, não sendo uma regra, bem como se reivindicam como mulher e geralmente preferem ser tratadas no feminino como qualquer outra mulher. Ao mesmo tempo existem algumas travestis que não se reconhecem como homem ou como mulher; O dispositivo da qualificadora do feminicídio é, em tese, claro: homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, portanto, sob essa direção fica evidente a exclusão da possibilidade do homem figurar como vítima desse crime. Não obstante, é indispensável a indagação em relação ao transgênero, por isso, sobre esse viés, o debate se volta a inquirir a possibilidade de a pessoa transexual figurar como vítima do crime de feminicídio; Segundo o artigo 121, VI do Código de Processo Penal, o feminicídio não se trata pura e simplesmente de matar uma mulher, mas de um homicídio cometido contra mulher em razão da condição de sexo feminino, tanto em razão de violência doméstica e familiar, como por menosprezo ou discriminação por ela ser mulher. Insta rememorar que durante a tramitação da Lei 13.104/15 no Congresso Nacional retirou-se o vocábulo “gênero” substituindo-o pela expressão “sexo feminino”. Todavia, a interpretação do dispositivo não foi modificada, persistindo a ideia de proteção ao gênero. Consoante este entendimento, afirma Ela Castilho (2015, p. 5): Elemento fundamental do tipo é a motivação da conduta, consistente em “razões da condição de sexo feminino”, expressão objeto de conceituação legal no § 2.º. A expressão substituiu, a título de emenda de redação, a anterior “razões de gênero”. Todavia, na aplicação da Lei 13.104 não se poderá fugir totalmente do conceito de gênero, uma vez que a “condição de sexo feminino” é uma construção social tal como o papel social atribuído às mulheres na sociedade e que constitui o chamado gênero feminino; O termo “mulher” é bastante abrangente, visto que seu conceito pode ser restringido somente ao sexo, limitando-se ao campo biológico, mas também pode ser interpretado como uma construção social da identidade de gênero. A filósofa existencialista Simone de Beauvoir (1967, p.9) assevera que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, ratificando o entendimento de que ser mulher não é apenas uma definição da natureza biológica, vai muito além do corpo ou órgãos genitais, é uma associação de valores, atitudes e sentimentos; A mulher transgênero, não obstante sua condição biológica, se identifica social e psicologicamente como mulher, portanto, se a finalidade da qualificadora é justamente a proteção ao gênero, não assiste razão a desclassificação das mulheres trans como vítimas do feminicídio; De acordo com Alice Bianchini e Luiz Flavio Gomes (2014): A Lei do Feminicídio faz referência expressa à vítima mulher. Tal também se dá no âmbito da Lei Maria da Penha (LMP - Lei 11.340/2006). Quando se trata da aplicação da LMP, há decisões jurisprudenciais e parte da doutrina que se posiciona no sentido de aplica-la para situações que envolvem transexuais, travestis (...); Neste sentido, a doutrina se divide em dois posicionamentos. A primeira corrente, mais conservadora, afirma que o transgênero, apesar de realizar a cirurgia de redesignação sexual, não pode figurar como vítima do feminicídio, pois, segundo Francisco Dirceu Barros (2014), a mulher é identificada em sua concepção genética ou cromossômica e a neocolpovulvoplastia (mudança da genitália masculina para feminina) altera a estética, mas não a concepção genética; A segunda corrente entende que se a mulher transgênero realizou a neocolpovulvoplastia e a retificação em seu registro civil, ela obtém o direito de ser reconhecida civilmente como mulher, portanto, pode ser considerada sujeito passivo do feminicídio. Contudo, mesmo seguindo um viés mais moderno que a primeira, esta corrente acaba por ser discriminatória e excludente, uma vez que vincula a condição de mulher apenas à genitália feminina; Além disso, o Superior Tribunal de Justiça, em análise de recurso especial, entendeu que há a possibilidade de mudança no registro civil para fazer constar o gênero com o qual o indivíduo se identifica, sem que para isso este precise realizar a cirurgia de redesignação sexual. É importante ressaltar que nem todo transgênero deseja fazer a cirurgia de mudança de sexo, muitas das vezes por motivos financeiros ou até mesmo em razão de essa cirurgia ser bastante delicada e arriscada, acarretando alguns efeitos colaterais. Obrigar uma pessoa a mutilar seu próprio corpo para ter reconhecido o seu direito de personalidade é um claro desrespeito do Estado ao princípio da dignidade da pessoa humana; A lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 mais conhecida como Maria da Penha trouxe avanços significativos para a sociedade trazendo consigo pontos importantes ao destacar: Art. 2° “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. ” Art. 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual; As transexuais e travestis também fazem parte de um grupo social repleto de fragilidades, tanto pelo fato da discriminação do gênero como da orientação sexual, portanto, a violência ocorre em vários âmbitos sociais, como na doméstica e familiar. Diante desta lei é notório que o gênero feminino recebeu um pouco mais de atenção mediante o Estado brasileiro por intermédio da atuação de ações efetivas, tendo aplicabilidade da lei às transexuais ao deixar específico que a proteção da mulher independente de sua orientação sexual e identidade de gênero; Logo, mulher é pertinente ao gênero feminino e não apenas ao sexo feminino, devendo sendo aplicada a lei Maria da Penha às transexuais femininas que tenham sido vítimas desse tipo de violência; Diante do exposto, compreende-se que o termo “mulher” possui uma definição complexa e seu conceito na Lei 13.104/15 ainda é bastante impreciso, engendrando diversas discussões acerca do tema. Por isso, é necessário reconhecer que o Direito é uma ciência evolutiva que deve adaptar-se às questões debatidas nos dias atuais e que, embora a redação das leis não seja compatível com a modernidade da sociedade contemporânea, sua interpretação deve ser; Pode-se perceber que há uma lacuna na Lei do Feminicídio, deixando nítida a inaptidão do legislador quando o assunto versa sobre mulheres transexuais e travestis. Não existe uma garantia quanto a sua identidade de gênero muito menos quando a morte se dá em razão dela. Por esse motivo, tal qual a Lei Maria da Penha, o feminicídio deve ser aplicado ao sujeito que tira a vida dessas vítimas em razão do seu gênero feminino; É visível que esse desamparo legal se deve ao fato do não reconhecimento da identidade de gênero dessas mulheres transexuais e travestis, colocando as mesmas numa posição de exclusão não só social como legal, o que consequentemente acaba gerando sua marginalidade. Importa lembrar que o princípio da igualdade não veda à lei o tratamento diferenciado entre grupos com distinção social, de sexo, de profissão, de condição financeira ou de idade, assim como não admite que este tratamento diferenciado seja de cunho discriminatório; Em virtude do reconhecimento pelo STJ da dispensa de cirurgia de mudança de sexo para reconhecimento do direito dos transexuais à alteração em seu registro de nascimento, assim como, o recebimento da denúncia de feminicídio pela 3ª Vara do Júri de São Paulo, na qual a vítima era um transexual, conclui-se que, a cada dia, a doutrina e a jurisprudência brasileira se posicionam da forma que melhor atende à finalidade social da norma que tipifica o feminicídio, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana; Portanto, em face da interpretação dada à redação da norma em comento, é perfeitamente possível que o transgênero, levando em consideração os aspectos psicológico e social, possa ser considerado sujeito passivo do feminicídio, ainda que não tenha realizado a cirurgia de redesignação sexual) https://jus.com.br/artigos/70283/a-im-possibilidade-da-mulher-transgenero-figurar-como-vitima-de-feminicidio
Autor: Mattosinho Advocacia Criminal

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