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A (i)legalidade da prisão preventiva para delatar - 30/06/2020

A (i)legalidade da prisão preventiva para delatar (Ora, como é cediço, a voluntariedade funciona como requisito essencial para a celebração do pacto e, uma vez ausente ou viciada, tem o condão de anulá-lo. A propósito, leia-se o quanto exposto no caput do artigo 4º, da Lei 12.850/2013: Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados.[3]; Ressalte-se que a voluntariedade, aqui, não se confunde com a espontaneidade, uma vez que, nesta, o sujeito pratica determinada conduta de forma espontânea, sem quaisquer influências externas. Ou seja, a vontade de levar o ato a efeito nasce por anseio próprio do agente, sem que haja induções que lhe sejam alheais; A voluntariedade, por sua vez, consoante assevera Luiz Regis Prado, “não significa espontaneidade, isto é, não se exige que o agente não tenha sofrido a influência de qualquer fator externo, pode haver interferências externas”[4]-[5]. Há de se ter em mente, porém, que não se tolera, nem mesmo em hipótese, a coação no sentido de “forçar” o agente a praticar um ato não almejado; Nesse sentido, para que acordo de colaboração premiada possa ser considerado válido, o colaborador tem de estar livre de qualquer tipo pressão, coação. A propósito, de acordo com a abalizada doutrina de Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues: [...] levando em conta a condição de vulnerabilidade jurídica, técnica, psíquica, biológica ou até mesmo econômica e social do pretenso colaborador, para que garanta a sua voluntariedade há necessidade de acompanhamento e concordância expressa do seu defensor quando da celebração do acordo (devendo o defensor e colaborador declararem a aceitação e assinar o termo do negócio celebrado), bem como deverá o defensor assistir o colaborador nos atos de execução do acordo celebrado, conforme se extrai do Art. 6º, incisos III e IV c.c Art. 4º, §§ 6º e 15 ambos da Lei 12.850/2013. Somente com a assistência de um defensor terá o colaborador efetiva consciência das implicações penais, processuais e pessoais do ato de colaboração. [6]; Não obstante a clareza e maestria dos doutrinadores supracitados, impõe-se consignar que a simples presença do advogado não tem o condão de afastar uma possível coação/chantagem, não eliminando, assim, o inafastável vício de vontade quando o acusado/réu celebra um acordo de colaboração premiada preso; É que, preso preventivamente, o imputado/acusado/réu tem uma “amostra grátis”[7] de como será sua vida em caso de condenação. Vale dizer, projeta-se, por meio da segregação cautelar, um trailer “horripilante”[8] de seu futuro, impingindo-lhe o medo, para que ele, depois, “voluntariamente”, celebre um acordo de colaboração premiada, para, num primeiro momento, ver-se solto da prisão cautelar [mal imediato] e, numa segunda ocasião, livrar-se do “mal maior”, que é a condenação em definitivo; Afirmou-se, não sem motivo, em linhas pretéritas, que a prisão preventiva tem sido utilizada (incabível e ilegalmente, repise-se) como forma de forçar acusados a celebrar acordos de colaboração premiada. Essa prática ilegal não parte só do Ministério Público e da autoridade policial, mas também conta, em diversos casos, com apoio de parcela do Poder Judiciário; Nesse sentido, basta rememorar um conhecido despacho[9], da lavra do juiz Sergio Moro, de Curitiba/PR, no qual ele revogava uma prisão preventiva de um determinado sujeito se baseando na notícia de que estavam em andamento as tratativas – “contrato preliminar/fase de negociações informais” – de um possível acordo de delação premiada; Na mesma linha, veja-se trecho de um multicitado parecer do Ministério Público Federal, aviado pelo Procurador da República Manoel Pestana, no qual foi sustentado que: [...] além de se prestar a preservar as provas, o elemento autorizativo da prisão preventiva, consistente na conveniência da instrução criminal, diante da série de atentados contra o país, tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, o que poderá acontecer neste caso, a exemplo de outros tantos; Aury Lopes Jr. e Alexandre Moraes da Rosa, ao criticarem o mecanismo de prisão preventiva para delatar, citando o mesmo trecho do parecer supracolacionado, advertem que: [...] o Estado-acusador também lança mão de suas ferramentas legalmente instituídas, ainda que não com esse propósito assumido. É o caso da prisão preventiva, largamente utilizada para criar um ambiente propenso à delação e também pautar o próprio preço da informação. A lógica do "passarinho preso canta melhor" já foi inclusive assumida [...][11]; Resta patente, dessa forma, o contorcionismo hermenêutico que tem sido feito para, mesmo sem o preenchimento dos requisitos da prisão preventiva, validar-se uma segregação cautelar com nítido viés de constrangimento à celebração do acordo. Até porque, como bem assevera Aury Lopes Jr.: Tudo é mais difícil para quem não aceita o “negócio”. O acusador público, disposto a constranger e obter o acordo a qualquer preço, utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento; A superioridade do acusador público, acrescida do poder de transigir, faz com que as pressões psicológicas e as coações (a prisão cautelar virou o principal instrumento de coação) sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou acordo sobre a pena são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão todo o rigor do Direito Penal “tradicional”, em que qualquer pena acima de quatro anos impede a substituição e, acima de oito anos, impõe o regime fechado.[12]; O que o mencionado doutrinador observa não é senão a regra que tem se adotado atualmente: prende-se preventivamente para se obter – de forma forçada – uma colaboração premiada que de voluntária nada tem. Tal prática tornou-se tão rotineira que os próprios requisitos da prisão preventiva[13], constantes do artigo 312, do Código de Processo Penal Brasileiro, tornaram-se prescindíveis, haja vista que, mesmo ausentes, admite-se a prisão processual para, como tem afirmado alguns membros do Ministério Público Federal, “convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais”.[14]; Esse posicionamento só vem a reforçar de vez a máxima já denunciada por Lênio Streck e André Trindade, segundo a qual “o passarinho para cantar precisa estar preso”.[15] É que, agora, como advertem Aury Lopes Jr. e Alexandre Moraes da Rosa, se o sujeito está preso,delata para sair; se está solto, delata para não entrar.[16] Lamentável!; Nada obstante o quanto até aqui exposto, há que ser em mente que a colaboração premiada, como é fruto também do direito comparado, tem motivado algumas autoridades a valer-se do direito alienígena para justificar o (in)justificável, nem que para isso se deixe de aplicar o próprio regramento processual brasileiro; Essa observação quem faz é Bruno Espiñeira Lemos, ao afirmar que: No Brasil, o Ministério Público e o príncipe de Curitiba criaram um nexo importante entre delação premiada e prisão preventiva, em sede da seriada operação lava-jato e é bom que se destaque, que, depois disso, referido nexo, começa a repercutir e receber acolhida em diversos juízos Brasil à fora; Sem saber (?) as referidas autoridades confundem nosso ordenamento com o ordenamento alemão. Uma confusão conveniente. Pois, ao mesmo tempo em que copiam (sem base jurídica para fazê-lo, eis que contra legem em território pátrio) requisitos da prisão preventiva na Alemanha, como se demonstrará mais adiante, “esquecem” que nas bandas germânicas, em regra, a prisão preventiva tem a duração máxima de até 6 (seis) meses; E quais seriam os requisitos utilizados na operação lava-jato, copiados da legislação alemã (utilizados implicitamente) e travestidos de legalidade com pedidos de prisão preventiva apresentados explicitamente sob as balizas do Art. 312/CPP?; Aqueles que a doutrina e jurisprudência alemã denominam de “fundamentos de prisão apócrifos” (apokryphe Haftgründe), no caso específico, a pressão da opinião pública; estímulo para facilitar a confissão e o estímulo para cooperação com as autoridades de investigação; É solar o uso dos referidos requisitos alemães da prisão preventiva, aplicados ilegalmente no caso da operação lava-jato, na medida em que não constam em nossa legislação como requisitos para o acautelamento prisional, daí porque, em verdadeiro malabarismo jurídico transforma-se os requisitos que hoje estão previstos no CPP (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal), apenas em arcabouço formal para o verdadeiro móvel substancial anteriormente posto em itálico e em negrito, vindos das terras germânicas[17]-[18]; Ora, cogente consignar uma vez mais que dificilmente um acordo de delação pode(ria) ser considerado válido diante de alguém que se encontra preso – por razões óbvias que justificam a ausência de vontade livre e desembaraçada – com o ilegítimo escopo de estímulo para facilitar a confissão ou estímulo para cooperação com as autoridades de investigação, ambos fundamentos inidôneos e ilegais para a manutenção de prisões preventivas; Infelizmente, malgrado haja inúmeras advertências da doutrina brasileira repudiando essa abominável sistemática, esse modus operandi  [prender-se para obter a “colaboração premiada” do acusado] tem sido utilizado não só na famigerada "operação lava jato"[19] como, também, por inúmeras autoridades afora aquelas de Curitiba/PR; Não fosse isso o bastante, deve-se mencionar, igualmente, a nova (e retrógrada) postura do Supremo Tribunal Federal que, no bojo do habeas corpus 126.292, mudando sua jurisprudência consolidada desde 2009, passou a admitir o cumprimento provisório da pena, quando a decisão condenatória for corroborada em segunda instância.[20] Equivale dizer que não precisa mais haver o trânsito em julgado, como manda(va) o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, para que se dê início à execução da pena.[21]; Poder-se-ia indagar qual a importância dessa decisão para o estudo do tema que ora se propõe a analisar. Explica-se: consectário lógico desse novo cenário jurisprudencial é o fato de que o elemento intimidador da prisão preventiva como ferramenta de coerção para a celebração (forçada) do acordo de colaboração premiada passa a gozar de maior eficácia, de vez que, superada a análise fático-jurídica do processo em segundo grau, dar-se-á, incontinenti, início à (inconstitucional) execução provisória da pena; Se, antes, a prisão para delatar já impunha terror psicológico; doravante, então, o que se falar? O acusado, uma vez preso, caso se negue a “colaborar voluntariamente” com as autoridades encarregadas da persecução penal, terá suprimidas duas vias de discussão de seu processo, para começar a cumprir sua pena; Isso porque, agora, de acordo com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, havendo uma sentença penal condenatória e sendo ela ratificada pelo tribunal de segundo grau, estará o Estado autorizado a dar início ao cumprimento provisório da sanção penal, mesmo havendo ainda a possibilidade de revisão do decreto condenatório, o que não é raro de acontecer!; A toda evidência, esse novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal[22] somente vem a fortalecer o constrangimento e o medo que a prisão para delatar impõe ao colaborador, o que, per se, já retira a voluntariedade exigida pela redação do artigo 4º, caput, da Lei 12.850/2013; Deveras, como se pode constatar, há aqui um ponto da Lei que merece reparos por parte do legislador, já que, não obstante a Lei 12.850/2013, em seu artigo 4º, caput, exija a voluntariedade do colaborador para que o acordo possa ser validado, na prática, meios inadmitidos estão a ser empregados para obter-se, forçadamente, repita-se, a colaboração premiada; Destarte, por mais que se negue que prisão preventiva serve como método indutor para a celebração de acordo de colaboração premiada, essa negativa não é válida, uma vez que, de acordo com Aury Lopes Jr. e Alexandre Moraes da Rosa: [...] quando dizem (http://www.conjur.com.br/2017-jan-25/terco-acusados-operacao-lava-jato-foram-presos) que "apenas" 30% dos delatores da operação "lava jato" estavam presos quando fizeram o acordo, há que se considerar o outro lado desses números: dos 70% que fizeram o acordo em liberdade, quantos o fizeram para não serem presos ou foram soltos para fechar o acordo? Essa é a questão. Não se pode desconsiderar, ainda, um outro fator importante em casos assim: a aplicação de penas altíssimas, exemplares, para réus que não quiseram colaborar, cumprindo uma função que se poderia denominar de "prevenção negocial". É um recado claro para o "mercado": faça seu acordo ou se submeta a uma pena altíssima. É pegar ou largar.[23]; Resta patente, assim, que quase tudo gira em torno da prisão preventiva. Se o réu está preso, delata para sair; se está solto, delata para não entrar. Como argumentam os autores retrocitados, o recado é claro: “É pegar ou largar”; Há de se ter em mente, todavia, que tal postura transforma, de modo totalmente ilegal, a prisão preventiva em um novo método de tortura – tortura moderna –, por meio do qual ou se aceitam as condições impostas pelo órgão de acusação [contrato de adesão, e não acordo de colaboração propriamente dito], ou se aguarda preso, mesmo que sem razão para tanto – inexistência de “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis” –, o desenrolar do “processo penal clássico”; Destaque-se, porém, que ao agirem dessa forma, as próprias autoridades públicas acabam por colocar em xeque a existência de institutos que podem, sim, ser utilizados de forma positiva no desenrolar do processo penal contemporâneo. Ocorre, contudo, que do modo como estão a ser empregadas, as ferramentas legais, em tese válidas e eficazes, por meio de uma deturpação hermenêutica, passaram a ser utilizadas de forma “equivocada”, ilegal e, por que não dizer, imoral; A toda evidência, tem-se percebido, hodiernamente, que prisão preventiva para delatar passou a ser o meio – ilegítimo – para alcançar o fim – espúrio -, que é a colaboração premiada, a qual, na maioria dos casos que envolve réus presos, de voluntária nada tem; À guisa de conclusão, sustenta-se que essa postura reprovável por parte de certas autoridades estatais, embasada no suposto combate à corrupção, vem somente a consolidar – de vez – o estado policialesco no qual, infelizmente, os fins [ainda que lícitos] justificam os meios [ilegítimos e imorais]) https://jus.com.br/artigos/62987/a-i-legalidade-da-prisao-preventiva-para-delatar
Autor: Drº Mattosinho

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