Você tem garantias e direitos, portanto, conte com o seu Advogado de confiança para defendê-lo (a)
Notícias
Artigos
A decisão de recebimento de denúncia - análise de julgados da 2ª Turma do STF - 03/09/2018
A decisão de recebimento de denúncia - análise de julgados da 2ª Turma do STF (A atual composição da corte suprema tem apresentado clara dicotomia de posicionamentos entre a 1ª e a 2ª Turma, em especial quanto à matéria penal e processual penal. A 2ª Turma tem se notabilizado por posicionamentos que prestigiam a preservação de direitos fundamentais em matéria criminal, enquanto alguns ministros da 1ª Turma têm se postado de forma mais conservadora, optando por juízos de admissibilidade acusatória mais restritivos de direitos, que não raro relegam à instrução penal a solução dos problemas de viabilidade da acusação; Em 12 de setembro de 2017, ao apresentar voto em dois inquéritos (Inq 3.980 e Inq 4.118), o ministro Dias Toffoli inaugurou profunda discussão a respeito da necessária rejeição de denúncias embasadas tão somente em relatos de colaboradores premiados, em contraposição ao decidido quando do julgamento do Inq 3.983, pelo Plenário do Supremo, em que se consignou que “o objeto da delação premiada não serve, por si só, à condenação. Serve, em termos de indícios de autoria, ao recebimento da denúncia”4; O ministro Toffoli expôs inovadoras reflexões sobre a ausência de justa causa para a ação penal nos casos em que inexistem elementos extrínsecos de corroboração da colaboração, fazendo consignar que “a necessidade de existência de justa causa funciona como mecanismo para impedir, em hipótese, a ocorrência de imputação infundada, temerária, leviana, caluniosa e profundamente imoral”5; E pautando-se na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal, sedimentou a indispensabilidade de efetiva justa causa para o prosseguimento da persecução penal, devendo a acusação estar pautada em acervo fático-probatório, “a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal”6, utilizando-se das palavras do ministro decano; Passando a avaliar o “tormentoso” tema da valoração dos depoimentos de colaborador premiado, o ministro relembrou já ter analisado a questão no voto condutor do HC 127.483, no Pleno, quando discorreu acerca da normativa italiana, na qual os referidos depoimentos têm de ser sempre confrontados com as declarações do acusado conexo e da testemunha assistida, além de serem ponderados conjuntamente com outros elementos de prova aptos a atestar sua credibilidade. Aquele Código Processual da Itália, em seu artigo 191, inclusive, proíbe a utilização das declarações caso não estejam amparadas por outros elementos de prova, inutilizando-as; Partindo desse pressuposto é que o ministro Toffoli fez consignar em seu voto: (...) Se os depoimentos do réu colaborador, sem outras provas minimamente consistentes de corroboração, não podem conduzir à condenação, também não podem autorizar a instauração da ação penal, por padecerem, parafraseando Vittorio Grevi, da mesma presunção relativa de falta de fidedignidade7; Assim, concluiu-se que as colaborações sem lastreio em provas idôneas de corroboração não são suficientes para fundamentar o juízo de admissibilidade da pretensão acusatória, em razão da ausência de fumus commissi delicti; Importante pontuar que a convergência entre depoimentos de colaboradores, bem como documentos produzidos de forma unilateral pelo próprio colaborador, tais como anotações e planilhas, igualmente não têm o condão de ensejar a justa causa para a ação penal, devendo ser apresentadas provas externas que atestem a veracidade dos depoimentos prestados, segundo o entendimento inaugurado pelo ministro Toffoli; Já em 18 de dezembro de 2017, ao apresentar voto-vista no julgamento de recebimento de denúncia em dois outros inquéritos (Inq 3.994 e Inq 3.998), o ministro Toffoli retomou a discussão apresentada, recordando os ensinamentos já discorridos, oportunidade em que foram rejeitadas ambas denúncias nos termos de seu voto, vencido o ministro Fachin, então relator dos feitos; A partir desses dois casos mais recentes, parece ter se consolidado, na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a compreensão de que a palavra do colaborador, sem elementos de prova externos que a confirmem, não é suficiente para a instauração da ação penal; Nessa linha, no dia 14 de agosto, esse mesmo colegiado avançou ainda mais, sofisticando e aprofundando a análise de (in)viabilidade da acusação no momento processual de recebimento da denúncia. A 2ª Turma, continuando o julgamento no Inq 4.074, então interrompido em pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, por maioria, rejeitou a denúncia, nos termos das já analisadas lições proferidas em voto pelo ministro Toffoli, mas contando com valiosas contribuições dos demais ministros sobre o tema; O ministro Gilmar Mendes, ao concordar com a tese, privilegiou o princípio da presunção de inocência, esclarecendo que: A desconfiança com os atos de colaboração decorre da presunção de inocência, a qual como regra probatória e de julgamento impõe à acusação o ônus de provar a culpa, além da dúvida razoável, reproduzindo provas contra terceiros que o delator obtenha a remissão de suas penas, ou seja, um ânimo de auto-esculpação ou de eterno-inculpação8; O ministro recordou, ademais, que a corte suprema tem sido severa no escrutínio do recebimento de denúncias, pois as que não apresentam perspectiva de conduzir à condenação não devem tramitar, afirmando que “o processo penal representa um gravame considerável em sua mera tramitação, de modo que sua abertura deve ser razoavelmente justificada”9; O ministro Lewandowski reiterou a insuperável dúvida que deve pairar sobre depoimentos de colaboração, ao colocar que “pondero que se deve dar pouca ou nenhuma credibilidade à palavra de criminosos confessos, que têm evidente interesse no desfecho da demanda para obter benefícios penais”10; Voto elaborado pelo ministro Lewandowski: (...) Preparando um curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sobre exatamente os princípios constitucionais que regem o processo penal, e eu acabei chegando à conclusão que a dúvida milita em favor do réu mesmo nessa fase até a fase final do julgamento. Eu penso que os doutrinadores e mesmo a jurisprudência equivocadamente têm repetido esse brocado sem, data vênia, uma maior reflexão, o que permite o recebimento de certas denúncias sem maior consistência de elementos que possam levar avante uma denúncia minimamente hígida11; Assim, não apenas a 2ª Turma vem apresentando posicionamento firme quanto à ausência de justa causa em denúncias lastreadas tão somente na palavra de colaboradores premiados, mas também agora começa a edificar a impossibilidade de se aplicar o in dubio pro societate na fase de recebimento de denúncia, rompendo um entendimento que perigosamente se firmava e, assim, privilegiando o princípio constitucional do in dubio pro reo em todas as fases do processo penal; O momento de recebimento da denúncia é fundamental, deve ser o divisor de águas para a preservação da dignidade da pessoa humana, bem como para a segurança jurídica e para o ideal de celeridade tantas vezes erroneamente invocado para legitimar atropelos processuais; Ora, a denúncia claudicante, desprovida de base empírica consistente, bem como aquela fundada tão somente em delação premiada, é a que mais onera o Estado, que causa desnecessário dispêndio de tempo e dinheiro público, além de massacrar e humilhar publicamente e de forma desnecessária o cidadão) https://www.conjur.com.br/2018-set-03/opiniao-recebimento-denuncia-julgados-turma-stf?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook