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Sobre a impossibilidade de aplicação da qualificadora prevista no § 2º do Art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro (lesões corporais culposas graves ou gravíssimas) - 28/12/2017
Sobre a impossibilidade de aplicação da qualificadora prevista no § 2º do Art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro (lesões corporais culposas graves ou gravíssimas) (Com efeito, ao prever o § 2º do Art. 303 que a “pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima”, criou o legislador uma modalidade incomum de crime agravado pelo resultado, no qual, tanto a decorrência antecedente, como a consequente, demandam que as condutas sejam culposas; Embora sejam tais crimes (agravados pelo resultado), de regra, preterdolosos – dolo no antecedente e culpa no consequente –, o Código Penal já prevê exceções, (por isso digo que o modo é apenas incomum), seja permitindo a conformação do tipo qualificado em caso de ser o desfecho realizado dolosamente (o latrocínio, por exemplo, se configura mesmo que a morte da vítima seja causada a título doloso, desde que a vontade do agente tenha, de início, se dirigido ao crime patrimonial[2]), seja qualificando pelo resultado delitos culposos (caso dos crimes contra a incolumidade pública, p. ex.); A intenção, portanto, parece ter sido permitir que se perfectibilizasse o delito em apreço — crime de lesões corporais (culposas), no trânsito, qualificado pela natureza das lesões — diante da existência de duas condutas culposas. Vale dizer, o agente deveria (a) desrespeitar os cuidados básicos com a segurança exigidos na direção do veículo automotor, (b) de tal conduta se originarem lesões corporais na vítima, (c) amoldarem-se as lesões aos §§ 1º ou 2º, e seus incisos, do Art. 129 do CP, e (d) haver previsibilidade objetiva, tanto do resultado antecedente, como do consequente, dependendo do caso; Ou seja: não bastaria, para a adequação típica, apenas que o resultado pudesse ser atribuído à ação (nexo causal), nem mesmo se estivesse o agente “com capacidade psicomotora alterada (...)”, mas se imporia que, a partir do ato especificamente por ele praticado no volante, fosse previsível (para alguém nas condições dele), tanto causar as lesões que de fato haveria causado, para o tipo simples, quanto originar as lesões graves ou gravíssimas, para o tipo qualificado (não há crime sem culpa); Isso porque, no Estado Social e Democrático de Direito, não se permite a responsabilidade penal objetiva[3], nem mesmo no resultado qualificador, na esteira do Art. 19 CP: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.” De todo modo, na atual configuração do CTB, penso não ser possível, em nenhum caso, a aplicação da qualificadora; Primeiro, sequer a lei esclarece o que seriam as lesões (culposas) graves ou gravíssimas nela referidas. E o princípio constitucional da legalidade[4] (não há crime sem lei — anterior, escrita, estrita, certa — que o defina) não se coaduna com a mera “intenção” do legislador, por “melhor” que esta possa parecer; Depois, ainda que se aceitasse aqui a interpretação a partir do Código Penal, força é convir que o CP não valora diferenciadamente a gravidade das lesões no caso do § 6º do Art. 129 (crime de lesões corporais culposas). Ademais, quando descreve o que entende como sendo lesões graves ou gravíssimas, o faz, exclusivamente, em referência ao caput do artigo, isto é, em relação ao crime doloso. Dito de outro modo: segundo o CP, as lesões somente serão graves ou gravíssimas se forem dolosas. A interpretação deve ser restritiva, portanto, sob pena da incidência de analogia in malam partem.
Note-se que o § 4º do Art. 291 da “atualização”, quando quis definir os critérios de cálculo da pena-base, fê-lo, modo expresso, referindo-se às circunstâncias judiciais previstas no Art. 59 do CP, “dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime.” E assim agiu, acertadamente, tendo em conta a taxatividade que deve nortear os dispositivos penalizadores. Isto porque, na visão de Bitencourt[5], “precisa-se ter presente que o princípio da reserva legal não se limita à tipificação de crimes, estendendo-se às suas consequências jurídicas.”; Como mostra Ferrajoli[6] (quanto ao princípio da reserva legal), “as negações do princípio e a admissão de analogia in malam partem formaram os traços comuns e distintivos das experiências penais totalitárias do nosso século”. Ainda: “depois da Segunda Guerra Mundial, o princípio de estrita legalidade tem sido reafirmado solenemente.”; Em conclusão, penso que o julgador que pretender desprestigiar princípios constitucionais de interpretação em Direito Penal duramente conquistados, sob a rubrica de “corrigir a lei” — e aplicar qualificadoras não cristalinamente esclarecidas —, passará a desrespeitar também o princípio republicano da separação dos poderes. Numa democracia, por óbvio, toda a legislação deve tributo à Constituição — e não o contrário) https://www.facebook.com/acriergs/posts/1510332175731254