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Processo - Garantia de Liberdade [Freedom] e Garantia de Liberdade [Liberty] - 03/09/2018
Processo - Garantia de Liberdade [Freedom] e Garantia de Liberdade [Liberty] (Tenho demonstrado em sucessivos textos que o processo - o «devido processo legal» - não é um instrumento da jurisdição [visão ex parte principis], mas uma garantia do jurisdicionado [visão ex parte civium]. Não é uma instituição de poder (caso contrário, seria tratado no Título II da CF/1988 - «Da organização do Estado»), mas uma INSTITUIÇÃO DE GARANTIA (tratado no Título I da CF/1988 - «Dos direitos e garantias fundamentais»). Mais precisamente, uma garantia fundamental de liberdade contrajurisdicional (CF/1988, Art. 5º, LIV); Em geral, (1) freedom é uma noção positiva-ativa, que significa «iniciativa» [initiative], «espontaneidade» [spontaneity], «autonomia» [autonomy], «autodeterminação» [self-determination], «autodomínio» [self-mastery], «participação» [participation]; Em contrapartida, (2) liberty é uma noção negativa-passiva, que exprime «ausência de restrição» [absence of restraint], «ausência de interferência» [absence of interference], «imunidade ao abuso de poder» [exemption from the abuse of power] e «proteção contra o abuso de poder» [protection against the abuse of power]. Nesse sentido, liberty parece ser uma condição de possibilidade de freedom. Em se tratando da relação entre Estado e cidadãos, é preciso conter os excessos e os desvios do poder estatal para que os cidadãos possam desempenhar as suas autonomias; Em nosso léxico, há tão somente um único significante para essas duas famílias de significado: liberdade. De acordo com um dos mais renomados dicionários da língua portuguesa, o vocábulo ora significa «faculdade de cada um decidir pelo que entende ou pelo que lhe convem» (noção positiva-ativa), ora significa «estado da pessoa que não está sujeita a certa ordem de deveres» (noção negativa-passiva) (AULETE, Francisco Júlio de Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. v. 2. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881, p. 1.060). Enfim, ora a liberdade [= freedom] significa o desejo ativo que o ser humano tem de ser instrumento da própria vontade e não da vontade alheia (noção mais afinada ao liberalismo moderno), ora a liberdade [= liberty] significa estar livre de coerções (noção mais afinada ao liberalismo clássico) (obs.: no artigo supracitado de ISAIAH BERLIN, em lugar de freedom e liberty ele fala, respectivamente, em positive freedom e negative freedom). Aliás, essa dualidade significativa é intrajacente ao pensamento jurídico lusófono. ADA PELLEGRINI GRINOVER lembra que «a liberdade é comumente definida como o poder de autodeterminação por força do qual o homem escolhe seu comportamento pessoal» (o que se liga à ideia de freedom ou positive freedom). Ressalva, porém: «Poder de determinação que resulta da ausência de constrangimento» (o que se liga à ideia de liberty ou negative freedom) (Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. São Paulo: RT, 1982, p. 5); Logo, um aproveitamento útil dessa distinção semântica pela doutrina brasileira exigiria que o significante sofresse alguma marcação diacrítica, i.e., o acréscimo de um sinal gráfico que discernisse quando a liberdade corresponde a freedom e quando ela corresponde a liberty. Ora, assim como PONTES DE MIRANDA usou as aspas para diferenciar ação [= ação em sentido material] de «ação» [= ação em sentido processual] (Tratado das ações. t. 1. II. I. § 23. 2), é possível que elas igualmente sejam usadas para diferenciarem liberdade [= freedom] de «liberdade» [= liberty]. Com isso se consegue clarificar as duas ordens de sentido subjacentes à expressão «processo como garantia de liberdade». Afinal, a um só tempo, o processo é uma α) GARANTIA DE LIBERDADE [FREEDOM] e uma β) GARANTIA DE «LIBERDADE» [LIBERTY]. Ele garante aos jurisdicionados «liberdade» para que tenham liberdade; O processo garante à parte a liberdade [FREEDOM] de decidir pelo que entende e pelo que lhe convém no processo. Noutras palavras, tem o poder de autodeterminar-se por sua própria vontade e, a partir dela, escolher autonomamente os seus comportamentos no processo. Isso implica, dentre outras coisas: i) a liberdade de alegar fundamentos de fato; ii) a liberdade de alegar fundamentos de direito; iii) a liberdade de formular pedidos; iv) a liberdade de provar os fatos alegados como fundamento; v) a liberdade de indagar às testemunhas; vi) a liberdade de inquirir a parte contrária; vii) a liberdade de convencer o juiz; viii) a liberdade de impugnar. Todas essas escolhas, próprias à atividade de parte, se devem fazer sem qualquer interferência do juiz, i.e., com «liberdade» [LIBERTY]. O juiz não se intromete no exercício delas. Afinal, é alheio, não-parte, im-parte, impartial, imparcial, neutro. É iniciativa exclusiva da parte manejar os fatos, os fundamentos jurídicos, os pedidos, as provas, as indagações, as inquirições e as impugnações que lhe amparam a ação e a defesa. Nenhum aspecto desse manejo poder ser adicionado, alterado, suprimido, determinado, impedido ou punido pelo juiz; Isso significa, por exemplo, que o juiz não intro-duz fatos e fundamentos jurídicos à ação e à defesa, não de-duz pedidos, não pro-duz provas, não con-duz indagações, não e-duz confissão, não in-duz convicção, não a-duz impugnações. Ab-duzindo a atividade das partes, o juiz lhes re-duz a «liberdade» [liberty] e, em consequência, a liberdade [freedom]. Torna-se um dux [= comandante, chefe, guia, diretor], que -duz, ducit (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo latino ducere, que se tra-duz por comandar, chefiar, guiar, dirigir). Descai de garantidor imparcial em condutor material do processo. E, com isso, o espaço de liberdade se degrada numa mera circunscrição de autoridade. Na verdade, o processo como garantia contrajurisdicional realiza-se mediante uma divisão equilibrada de papéis: o juiz não arvora a si as liberdades da parte, nem lhes controla o exercício; por sua vez, a parte não se arvora nos poderes do juiz, conquanto lhes controle o exercício. Parte não despacha, não decide, não sentencia. Não declara, não condena, não ordena e não executa (quando muito constitui, exercitando os direitos formativos geradores, modificativos e extintivos que a lei procedimental lhe confere). Todavia, tudo o que o juiz realiza no processo, por força do princípio republicano, é contrastável pela parte. Ele não faz escolhas insindicáveis. Não tem liberdade nem «liberdade» (isto é, o juiz não interfere na atividade da parte, embora a parte interfira na atividade do juiz); Nada obstante, a ala enragéé do instrumentalismo tem defendido que a litigância sem ressalvas contra precedente vinculante (CPC, Art. 927) caracteriza improbidade processual, devendo-se impor à parte as penas por litigância de má-fé (CPC, artigos 77, II, e 80, I e III). É preciso cuidado aqui. A litigância estrutura-se sob os signos da liberdade e da «liberdade». A parte pode escolher o fundamento de ação ou de defesa que lhe melhor aprouver, sem que daí lhe resulte sanção. Por isso, a condenação por litigância de má-fé é excepcionalíssima. Exige-se a presença indiscutível de dolo. Lembre-se que precedente vinculante não é lei. Falta-lhe generalidade e abstração. Não é tido pela Constituição como espécie legislativa. Obriga apenas os juízes atrelados ao tribunal que produziu, conforme o caput do artigo 927 do CPC (abstraindo-se aqui, obviamente, o problema da (in)constitucionalidade do mencionado dispositivo). É norma só para o Estado-jurisdição, não para os jurisdicionados. Tem força exclusivamente intra-judiciária. Portanto, se o precedente não obriga a parte, não pode ela sofrer sanção por ignorá-lo em juízo. Entendimento contrário configuraria cerceamento de fundamento; Além do mais, os juízes não aplicam o precedente, mas a lei a que o precedente se reporta. Ele prescreve tão só aos juízes qual das interpretações possíveis da lei é a correta. Nada mais. Daí por que, quem litiga contra um precedente vinculante, litiga contra a lei por ele referida [rectius: contra uma das interpretações que dessa lei se faz]. Ainda assim, todo precedente é falseável. Pode ele já estar implicitamente superado. Contudo, pode, outrossim, ser insustentável dogmaticamente. Ou seja, é possível que encerre uma interpretação ruim da lei. Isso basta para que a parte se insurja desde sempre contra ele, recolocando em juízo, de modo livre e «livre», a revisão de sua ratio decidendi. As condições-de-força do precedente não coincidem in totum com as condições-de-força da lei. Têm eles status distintos de imperatividade social (a propósito, um trabalho empírico-pragmático sobre o tema ainda pende de elaboração no Brasil). Nem poderia ser diferente: mudam as interpretações da lei, permanece a lei interpretada. Por conseguinte, ao precedente não é suficiente a condição formal da coercitividade [imperium], mas também a condição material da respeitabilidade [auctoritas]. Os precedentes bons tendem a ser acatados; os ruins, a ser desacatados; Dentre os inúmeros exemplos, dois valem menção: 1) os arredios precedentes subjacentes ao enunciado nº 276 de súmula de jurisprudência dominante do STJ, que iam de encontro à jurisprudência vetusta do STF e que, muitas vezes inobservado pelas instâncias inferiores, teve de ser cancelado após o julgamento do RE 419.629/DF (1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/05/2006); 2) o ilógico precedente firmado pela 6ª Turma do STJ no julgamento do HC 202.928/PR (rel. Min. Sebastião Reis Jr., rel. p/ ac. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 15/05/2014), que entende precluso o rol de testemunhas em defesa prévia intempestiva e que, por isso, é desprestigiado pelas instâncias inferiores; afinal, a própria lei permite, à míngua de defesa prévia, que o rol seja ulteriormente oferecido pelo advogado dativo na defesa prévia substitutiva (CPP, Art. 396-A, § 2º); Na mesma esteira, é preciso cuidado com o inciso I do artigo 80 do Código, que considera litigante de má-fé aquele que deduz «pretensão ou defesa contra texto expresso de lei [...]». Há de se tomar esse dispositivo cum grano salis. Obviamente, a parte pode acionar ou excepcionar contra texto expresso de lei ou de dispositivo de lei mediante as ressalvas de inconstitucionalidade, caducidade, revogação, não recepção (revogação de lei pré-constitucional por incompatibilidade com a nova Constituição), interpretação conforme a Constituição, nulidade parcial sem redução de texto e inconstitucionalidade com redução parcial de texto. Outra ressalva possível é a invocação de norma jurídica implícita pré-excludente da aplicação da lei [ex.: insignificância como excludente supralegal de tipicidade no direito penal] (sobre hipóteses em que se pode deixar de aplicar uma lei, v.g.: STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista?. Revista Novos Estudos Jurídicos. v. 15. n. 1. jan/abr 2010, p. 171-172). Como se percebe, trata-se de situações nas quais se deixa de aplicar uma norma legal por força de outra norma editada por vontade humana. Nesse sentido, as ressalvas supracitadas operam em quadrantes positivistas por excelência; Entretanto, sendo o processo um espaço de liberdade em sentido amplíssimo, deve-se tolerar a litigância séria contra texto expresso de lei por razões não-positivistas, posto que não acatáveis. Enfim, não se pode punir a parte que litiga contra texto expresso de lei invocando a superioridade de uma identificada norma de justiçanatural e, portanto, anterior à própria vontade humana [lex iniusta non est lex]. O advogado jusnaturalista, porque digno, merece respeito, não punição. Acusam-no de, a pretexto de invocar a ordem justa, arguir o próprio senso subjetivo de justiça, uma vez que o justo não é um dado objetivo externo. Contudo, o advogado pós-positivista neoconstitucionalista não faz melhor: com a desculpa de atender à moral, acaba por implicar o seu senso particular de moralidade num raciocínio pamprincipiológico imune a qualquer controle objetivo-racional. Nem por isso é punido por litigância de má-fé. Ao contrário: juízes decisionistas agradecem-lhe o subsídio retórico-argumentativo, que lhes viabiliza afastarem regras legais expressas e aplicarem per saltum princípios de duvidosa vigência. Todavia, tudo isso jamais transborda do tolerável ao intolerável. Não marcha do lícito ao ilícito. Aliás, sendo o processo o autêntico âmbito da cidadania em juízo, é absolutamente impunível a litigância resistente contra a lei editada por um governo que a parte, no exercício pacífico de desobediência civil, considere politicamente ilegítimo. Nesse caso, o pior que lhe há de acontecer é a sucumbência e, com ela, a eventual condenação nos respectivos encargos financeiros. Intolerável mesmo é tão apenas a litigância pura e simples contra o texto legal, temerária e insofismavelmente desleal, que tenta devolver-nos do governo civil lockiano ao estado de natureza hobbesiano) http://emporiododireito.com.br/leitura/processo-garantia-de-liberdade-freedom-e-garantia-de-liberdade-liberty