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PELOS LIMITES DA INVESTIGAÇÃO INTERNA - UM ENSAIO SOBRE O FUTURO DA PRIVATIZAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL - 24/07/2020
PELOS LIMITES DA INVESTIGAÇÃO INTERNA - UM ENSAIO SOBRE O FUTURO DA PRIVATIZAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL (A chamada Lei Anticorrupção, com a finalidade clara de tornar mais rigorosa a punição de empresas envolvidas em atos atentatórios à administração pública (o que torna a expressão “corrupção” mais ampla), passou a prever a possibilidade de responsabilização objetiva do ente coletivo na seara administrativa. A partir de um extenso rol de “penas” (ou sanções administrativas), a lei possibilita que a empresa seja punida desde uma pena pecuniária até a sua dissolução compulsória, mostrando-se, assim, até mais rígida que as sanções penais previstas na lei de crimes ambientais (GABARDO; CASTELLA, 2015, p. 139); E é nesse novo ambiente que se voltam, efetivamente, os olhares ao compliance e aos acordos de leniência. Com a ampla possibilidade de responsabilização administrativa (em geral mais severa que a penal), a legislação apresenta a possibilidade de atenuação das sanções por meio da constatação de condutas positivas adotadas pelo ente coletivo com o intuito de se fazer cumprir as normas em geral. A partir de uma noção de autorregulação, o ordenamento jurídico trouxe a figura dos programas de integridade como uma verdadeira atenuante da reprovabilidade do comportamento ilícito; Ou seja, demonstrando a empresa possuir mecanismos de controle e, sobretudo, de cumprimento da legislação, isso poderá reverter em seu benefício, evitando responsabilização severa; Por óbvio que os programas de integridade não se resumem a normas internas da empresa e muito menos em uma simples cobrança de observância da lei. A questão vai além. Um programa de integridade, muito mais que fazer cumprir a norma, deve servir, acima de tudo, como mecanismo de criação de uma verdadeira cultura de ética empresarial e governança corporativa dentro da empresa. E tais objetivos podem se manifestar sob dois aspectos fundamentais: a prevenção e a repressão dos ilícitos; A existência de um programa de integridade efetivo, como dito, pode servir como circunstância atenuante em favor da empresa em vias de responsabilização. E uma das formas de demonstrar a efetividade desse programa, sem dúvida, passa pela investigação do ilícito conduzida pela própria empresa, o que se chama, atualmente, de investigação interna; Ainda que empresas possuam um sistema de prevenção bastante eficaz, inevitavelmente, há a possibilidade de cometimento de ilícitos por parte de seus componentes e, nessas situações, o programa de integridade deve partir para uma nova abordagem. Com a descoberta da ilicitude – o que pode ocorrer por meio de mecanismos internos de denúncia (whistleblowing) ou por qualquer outra forma (como é o caso de auditorias e sindicâncias) –, as empresas tendem a se antecipar a eventual investigação conduzida pelas autoridades públicas, justamente com a finalidade de demonstrar o intento de colaboração com a elucidação e punição da ilicitude. Nesse panorama, tem sido cada vez mais comum notar que empresas que se tornaram “alvos” de grandes operações passaram a instaurar, por sua conta, investigações internas, conduzidas por pessoas designadas por ele, com o claro escopo de fornecer elementos para viabilizar a defesa da empresa, e, em possibilitar o afastamento de sua responsabilidade administrativa a partir da indicação dos indivíduos (ou do setor inteiro) que praticaram a conduta irregular (ANTONIETTO, SILVA, 2019, p. 71); Da mesma forma, após a ampliação da possibilidade de acordos de leniência – num aspecto mais amplo que aquele então previsto pela Lei Antitruste (Lei n. 12.529/2011) – e da possibilidade de afastamento completo de responsabilidades, as investigações internas também passaram a servir ao propósito de encartar material suficiente e atrativo às autoridades públicas na busca de acordos de colaboração em favor da pessoa jurídica; As investigações internas dentro desse novo aspecto derivado da lei anticorrupção, tendem a ser cada vez mais uma opção das empresas como forma de defesa. E isso, embora não seja aparente, apresenta sérias consequências penais, especialmente no que se refere ao processo penal; Com a solidificação das investigações internas como mecanismo de defesa, não será incomum que os elementos de prova de ilícitos penais cometidos por funcionários e executivos das corporações sejam desvelados no âmbito da própria empresa, a qual, cumprindo seu intento de colaboração com as autoridades públicas, seguramente os entregará aos responsáveis pela investigação pública, que, por conseguinte, darão início à persecução penal dirigida a cada um dos envolvidos; As investigações internas, no Brasil, ainda não possuem uma regulamentação específica e, nessa medida, não apresentam limites claros sobre sua condução. Veja-se que a empresa não está sujeita a estritas regras de controle probatório, ao contrário do que ocorre com o Estado. Com efeito, as empresas poderiam acessar dados e elementos – sem autorização judicial – aos quais as autoridades não poderiam, como é o caso de caixas de e-mails e telefones celulares postos à disposição dos seus empregados. E isso tudo a partir de simplórias cláusulas eventualmente postas no contrato de trabalho; O grande risco da situação exposta, como alerta NIETO MARTÍN (2015, p. 234-235), está justamente na possibilidade real e concreta de autoridades públicas, cientes de seus limites probatórios, cada vez mais deixarem a investigação a cargo da empresa, visando, assim, fugir das limitações legais da produção de provas que pressupõe a invasão de dados. A empresa, nesse aspecto, passa a ser uma extensão informal do Estado-Acusação com objetivo claro de angariar elementos então inacessíveis pelos investigadores públicos; O problema disso tudo, por suposto, está em quais são os limites da prova e, sobretudo, em que medida tais elementos – carreados por meio da investigação interna – podem ser utilizados no âmbito judicial em prejuízo dos indivíduos indicados pela empresa como responsáveis; Haveria, por exemplo, uma obrigação do investigado/funcionário colaborar com a empresa? Ele poderia ser obrigado, mediante cláusula do contrato de trabalho, a renunciar ao direito ao silêncio? O acesso de seus dados pessoais (e-mail e telefone funcionais), por parte da empresa, poderiam ser aproveitados pela investigação pública? De que maneira devem ser conduzidas as investigações? De que forma os atos seriam registrados? O investigado poderia acessar os dados já colhidos?; São essas questões, dentre muitas outras, até então inexistentes, que o direito penal e processual penal precisará se ocupar. A partir da tendência de privatização das investigações e da presença de uma cultura negocial na seara processual, novos limites devem ser propostos e, sobretudo, as garantias fundamentais – já existentes – precisarão ser adaptadas a esse novo estado de coisas; A investigação interna é uma realidade e seu estudo, sem dúvida, passa a ser verdadeira obrigação da academia no âmbito do direito penal e processual penal econômico) http://www.salacriminal.com/home/july-23rd-2020?fbclid=IwAR1qMIOIqZ75wMZciqYXA31rpl9Fr-LJyU-FVULkOHde4ivzOA1IED4XE9Y