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O preocupante papel assumido pela intervenção penal no âmbito tributário - 07/09/2018
O preocupante papel assumido pela intervenção penal no âmbito tributário (Imagine a seguinte hipótese: embora tenha registrado tudo regularmente nos livros fiscais, o administrador de uma empresa deixa de recolher o ICMS das operações próprias realizada por falta de caixa — as vendas no período foram baixas e tinha que pagar a folha de salários. Tal situação, relativamente frequente em períodos de crise econômica como a atual no Brasil, constitui inadimplemento de obrigação tributária passível de execução fiscal; Nos últimos dias, porém, chamou especial atenção o posicionamento firmado pela maioria da 3ª Seção do STJ, que, no Habeas Corpus 399.109, julgou o não recolhimento de ICMS em operações próprias devidamente declaradas ao Fisco como crime previsto no artigo 2º, II, da Lei 8.137/90. Conforme o tipo penal, denominado pela doutrina de “apropriação indébita tributária”, constitui crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”; O voto do ministro relator fundou-se na importância do bem jurídico protegido pela norma penal — a ordem tributária —, bem como nas consequências econômico-sociais especialmente negativas de sua ofensa para interpretar o alcance de sentido dos verbos “descontar” e “cobrar” de forma ampla, apta a alcançar casos diversos dos de substituição tributária. Assim, sob o argumento de que o termo “cobrado” não encontraria identidade com o técnico-tributário e tampouco seria equivalente ao conteúdo estrito da rubrica “apropriação indébita”, poderia ser associado às relações tributárias havidas com tributos indiretos, “mesmo aqueles realizados em operações próprias, visto que o contribuinte de direito, ao reter o valor do imposto ou contribuição devidos, repassa o encargo para o adquirente do produto”[1]. E se o autor do fato agiu ou não com a intenção de ofender o bem jurídico protegido, conforme se decidiu, seria questão estranha ao julgamento do HC, a ser identificada durante a instrução processual; Não se pretende questionar a importância do bem jurídico tutelado pela Lei 8.137/90 para a consecução de políticas estatais voltadas à materialização de direitos fundamentais e ao desenvolvimento econômico e social. De outro lado, não se trata de discutir se houve ou não dolo na conduta praticada pelo agente. Na verdade, a discussão do caso há de centrar-se na verificação da tipicidade objetiva, estando vinculada ao complexo tema dos limites da leitura hermenêutica dos tipos penais em correlação com os tipos tributários; Em palavras mais simples, a questão central reside em estabelecer quais sejam as fronteiras de interpretação dos elementos normativos típicos “tributo descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação", contidos no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, no contexto de um Estado Democrático de Direito; Há de se questionar como é possível transformar-se, por meio de interpretação, a inadimplência de operação tributária sob o regime de apuração normal do ICMS em um crime. Seguramente a decisão judicial fundou-se em uma interpretação econômica, que é insuficiente para a identificação do tipo penal. Poder-se-ia até discutir sua adequação tributária, embora com poucos adeptos; porém é inegável a inadequação interpretativa penal na presente hipótese; No contexto de nítida acessoriedade administrativa a caracterizar a Lei 8.137/90, a interpretação dos elementos normativos dos respectivos tipos penais deverá logicamente ser buscada no âmbito do Direito Tributário. Assim, o tipo penal do artigo 2º, inciso II, do mencionado diploma legal não pode ser lido sem o necessário conhecimento da matéria tributária. Em primeiro lugar, verifica-se in casu que não há apropriação indébita, semelhante ao que ocorre nas operações envolvendo contribuições previdenciárias. E nada é descontado do contribuinte de fato, embora haja o fenômeno da repercussão econômica dos tributos indiretos, o que é outra prosa. Quanto à expressão cobrado, também deve-se ter muita cautela, em face da efetiva conta corrente mensal que se identifica no ICMS, pois tais registro podem estar a débito no final de um mês, porém, no outro, estar a crédito, sendo que nada deve ser pago nesta hipótese. Logo, a sistemática do ICMS é avessa ao tipo penal pretendido e utilizado pelo STJ no caso em apreço; O segundo critério de deontologia hermenêutica inescapável é a orientação conforme à Constituição, que traz importantes valorações conforme o pressuposto político-social democrático. Na hipótese aqui examinada, impossível deixar de observar a vedação constitucional da prisão por dívida (CF, artigo 5º, LXVII) como critério fundamental de orientação da interpretação da norma penal. Nesse sentido, aliás, ao se posicionar recentemente sobre a constitucionalidade das normas incriminadoras contidas na Lei 8.137/90, o Supremo Tribunal Federal concluiu acertadamente que as condutas tipificadas naquele diploma não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas, sim, aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis[5]; Não é legítimo, portanto, punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco, como pretende o STJ, que simplesmente transforma uma inadimplência não ocultada em um crime, o que é um sentido não encontrado na lei, conforme acima exposto) https://www.conjur.com.br/2018-set-06/opiniao-papel-assumido-intervencao-penal-ambito-tributario?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook