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O indiciamento policial não pode ser ato surpresa - 03/04/2018
O indiciamento policial não pode ser ato surpresa (O indiciamento constitui-se em ato administrativo formal por meio do qual, de maneira fundamentada, mediante análise técnica e jurídica dos fatos investigados, o delegado de polícia[i] responsável pela presidência do inquérito policial[ii] manifesta o seu convencimento quanto à existência de materialidade delitiva e indícios de autoria em relação a determinada(s) pessoa(s).[iii]; Segundo Pitombo, em clássica lição inspirada na doutrina francesa de direito administrativo, o indiciamento, no inquérito policial, “há de ostentar-se, como ato do procedimento, resultante do encontro de um ‘feixe de indícios convergentes’ (faisceau d’indices convergents)”.[iv] Ou seja, o lugar de indiciado somente é ocupado pelo sujeito após declaração estatal “de que há indicativos convergentes sobre a responsabilidade penal, com os ônus daí decorrentes”.[v]; Em suma, consiste o indiciamento na indicação oficial pelo órgão estatal de investigação do provável autor do delito, conforme valoração fática e jurídica realizada exclusivamente pelo delegado de polícia responsável por essa etapa da persecução criminal; Note-se que o indiciamento implica mudança do status do sujeito passivo envolvido no procedimento de investigação preliminar. É por meio desse ato formal e motivado que o seu estado, anterior, de suspeito ou investigado, passa agora ao de provável (e não possível) autor (isto é: indiciado); Destaque-se, portanto, que a formal atribuição do rótulo de indiciado exige mais do que a mera suspeita criminosa. A suspeita pode se contentar com juízo de possibilidade, o que permite a instauração válida de um inquérito policial (obedecida a noção de justa causa também exigida para o seu início regular), enquanto o indiciamento requer feixe substancial de probabilidade. Segundo Lopes Jr. e Gloeckner, exige-se para o indiciamento “um grau mais elevado de certeza da autoria do que a situação de suspeito”.[vi]; Aliás, juízo de probabilidade que deve incidir sobre o fato punível em todos os elementos indispensáveis à sua configuração. Logo não resta qualquer dúvida no sentido de que caberá ao delegado de polícia, também no ato de indiciamento, proceder à verificação analítica dos requisitos fundamentais do delito (ou do fato punível), especialmente nas dimensões da tipicidade (formal e material), antijuridicidade (ou ilicitude) e culpabilidade. Ausente quaisquer desses elementos, na visão da autoridade policial, a conclusão deve ser necessariamente pelo não indiciamento; Por fim, resta saber qual seria o momento adequado à realização desse juízo indiciário no procedimento do inquérito policial. Em que pese séria controvérsia doutrinária e absoluta discrepância prática, sustentamos que o indiciamento, por representar uma espécie de deliberação conclusiva do delegado de polícia, deve ser realizado ao final do inquérito policial, contudo de forma a permitir ainda que o (agora) indiciado manifeste-se a respeito da sua nova condição; É bastante comum, na práxis policial, atos de indiciamento no corpo do relatório final do inquérito com imediata remessa dos autos ao juízo local para vista do titular do direito de ação processual penal. Ocorre que esse tipo de postura adotada pela maioria dos delegados, inclusive por este signatário durante muito tempo, funciona em geral como “ato surpresa”, do qual, não tendo ciência o indiciado, nada poderá fazer a respeito desse status, sepultando qualquer dimensão material do direito de defesa no inquérito. Aliás, sobre a relação entre indiciamento e defesa na etapa investigatória, adverte Marta Saad que, justamente a partir deste ato formal de indicação da provável autoria criminosa, deveria ser necessariamente garantida a oportunidade ao exercício do direito de defesa.[vii]; Assim, diante da omissão do Código, bem como na tentativa de compatibilizar a dinâmica procedimental da investigação e as garantias fundamentais de suspeitos e indiciados, ambos tidos efetivamente como sujeitos de direitos (e não objetos de investigação)[viii], surgem algumas propostas alternativas quanto ao momento mais apropriado para a realização do ato formal de indiciamento; Há quem defenda que deveria ocorrer em momento imediatamente anterior ao interrogatório, sem prejuízo de que essa oitiva do então indiciado fosse realizada mesmo já havendo prestado declarações iniciais (oitiva anterior sob a condição de suspeito ou investigado já que não havia sido formado o convencimento da autoridade policial a respeito da culpa em sentido amplo do sujeito passivo da investigação). É o entendimento, por exemplo, de Mário Anselmo, o qual justifica a sua posição em nome da regular defesa técnica.[ix]; Já Lopes Jr. e Gloeckner defendem que “primeiro o suspeito deve ser interrogado para posteriormente decidir a autoridade policial entre indiciar ou não”, embora reconheçam a inexistência de um ato formal e particular de indiciamento, afirmando que a “situação de indiciado concreta-se (ou ao menos deveria) com o interrogatório policial”.[x]; O tema, sem dúvidas, é controvertido. Por vezes, bastante confuso na doutrina. Contudo, em nossa visão, algumas coisas devem ficar claras: - antes da conclusão pela autoridade policial sobre o indiciamento de um suspeito deverá ser realizado o interrogatório do investigado, oportunidade concreta para o exercício (facultativo) de sua defesa pessoal e técnica nos limites da investigação criminal; - o ato formal de indiciamento deve se dar por uma decisão fundamentada do delegado de polícia, nos autos de inquérito policial, depois de reunidos elementos suficientes que conduzam a um sério juízo de probabilidade em torno da materialidade e autoria delitivas, considerando todos os elementos de informação carreados aos autos, inclusive a versão do investigado (caso não tenha optado pelo direito ao silêncio); - o indiciado deve ser cientificado da decisão policial de indiciamento, inclusive em respeito ao devido procedimento legal de apuração, marcado pelo contraditório (mitigado) e pelo direito de defesa (limitado); - o ato de indiciamento e a sua formal ciência ao indiciado deverão constar no relatório final, agora não mais como ato surpresa, e sim como registros dos atos praticados ao longo da investigação preliminar) https://www.conjur.com.br/2018-abr-03/academia-policia-indiciamento-policial-nao-ato-surpresa?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook