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O crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e o seu caráter hediondo - 25/12/2017
O crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e o seu caráter hediondo (A Lei 13.497/17 alterou a Lei 8.072/90, para inserir no rol dos crimes hediondos o artigo 16, do Estatuto do Desarmamento, que trata da “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito”; Um ponto destacável nessa alteração legislativa é que se chegou a uma culminância em que um crime de “perigo abstrato”[4] é agora classificado como hediondo!; Retomando a inusitada elevação de um crime de “perigo abstrato” à condição de “hediondo”, é preciso lembrar que já em 2007 o Plenário do STF declarava inconstitucional a vedação de fiança então prevista no Estatuto do Desarmamento para os crimes dos artigos 14 e 15, sob o argumento de que crimes de “mera conduta” ou de “perigo abstrato” não poderiam jamais ser tratados de forma similar a crimes hediondos (Adin 3.112-1, STF, DOU 10.05.2007); Na mesma ocasião, foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 21, do Estatuto do Desarmamento, que vedava a “liberdade provisória” (com ou sem fiança), para os artigos 16, 17 e 18, do mesmo diploma. Novamente o “decisum” traz o argumento (além da violação à Presunção de Inocência e da instituição de uma espécie de preventiva obrigatória), de que a vedação da liberdade provisória, se chegou a ser admitida “para crimes de suma gravidade”, não poderia ser aplicada jamais a outros delitos. Fica evidente que o STF já se manifestava pela absurdidade que se configuraria em pretender conferir um tratamento similar ao dado a Crimes Hediondos às infrações do Estatuto do Desarmamento, delitos de “mera conduta” ou, no máximo, de “perigo abstrato”.[5]; O artigo 16, da Lei 10.826/03, é composto de um “caput” e de seis condutas equiparadas a ele em um parágrafo único. Uma questão que logo surge é a seguinte: A Lei 13.497/17, erigiu em crime hediondo todo o artigo 16, “caput” e parágrafo único, I a VI, ou somente o artigo 16, “caput”? Isso porque a nova redação dada ao artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.072/90, estabelece que será crime hediondo “o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito”, sendo fato que nas figuras do parágrafo único, do artigo 16, do Estatuto do Desarmamento, os objetos materiais dos crimes são completamente distintos; Outra questão que pode surgir da redação da Lei 13.497/17, é se será considerado hediondo o porte e a posse apenas de armas de fogo de “uso restrito” ou também das de “uso proibido”, pois que o artigo 16, da Lei 10.826/03, se refere a ambas, mas a redação dada pela Lei 13.497/17 ao artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.072/90, somente faz menção às armas de “uso restrito”, olvidando-se das de “uso proibido”; Antes, porém, de nos debruçarmos nessas questões, é imprescindível algumas considerações de caráter geral. De acordo com a Lei 10.826/03 e os decretos que a regulamentam, são três as espécies de arma de fogo: a-) de uso proibido; b-) de uso restrito; e c-) de uso permitido; Arma de fogo de uso restrito é aquela que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica (Art. 3º, XVIII, Dec.3.665/00). São armas de fogo de uso restrito, por exemplo, o revólver calibre .357 Magnum, pistolas calibre .40 ou .45, Winchester calibre .243, armas automáticas de qualquer calibre (metralhadoras), armas de fogo dissimuladas (caneta-revólver, maleta-revólver) etc.[6]; Já arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército (Art.3º, XVII, Dec. 3.665/00). São exemplos o revólver calibre .38, espingarda calibre .32, espingarda calibre 12, pistola calibre .380, etc.[7]; Em se tratando de arma de arma de fogo de uso permitido, dependendo da situação, a conduta pode caracterizar os crimes previstos nos artigos 12 ou 14, do Estatuto do Desarmamento. Por outro lado, se a arma de fogo for de uso restrito, caracterizará a infração penal constante do artigo 16, do mesmo diploma legal; Pode-se afirmar, com algum grau de segurança, que será considerado como hediondo tanto o crime de posse ou porte ilegal de armas de “uso restrito” como de “uso proibido”. Pensar o contrário seria emprestar ainda mais insanidade à legislação sob comento, eis que, como visto, a “proibição” é ainda mais limitadora do que a “restrição”, de modo que seria rematado absurdo considerar hedionda a conduta de posse ou porte ilegal de armas de “uso restrito” e não hedionda a mesma conduta relativa a armas de “uso proibido”. É visível que o legislador se equivocou e disse menos do que pretendia dizer, como nos ensina o brocardo latino: “Lex minus dixit quam voluit”; Trata-se, portanto, de um tipo penal misto alternativo ou plurinuclear, onde a prática de duas ou mais condutas no mesmo contexto fático não acarretará o concurso de crimes, respondendo o agente apenas por um único delito (princípio da alternatividade). Da mesma forma, o tipo penal em questão traz no seu interior objetos materiais que vão muito além da “arma de fogo de uso restrito”, abrangendo, ainda, os acessórios e munições, seja uso restrito ou proibido; Agora, quanto à questão da abrangência geral do artigo 16 ou apenas de seu “caput” como hediondo, não temos dúvidas de que a redação genérica do dispositivo suscitará divergência na doutrina e na jurisprudência. Para Rogério Sanches, por exemplo, as figuras equiparadas do parágrafo único, do artigo 16, também teriam natureza hedionda, senão vejamos: Parece-nos, todavia, não ser possível limitar a incidência das disposições relativas aos crimes hediondos apenas à conduta do caput do Art. 16. O projeto da Lei 13.497/17 tramitou, entre o Senado e a Câmara, por mais de três anos, e foi objeto de extenso debate, tanto que foram diversas as modificações promovidas ao longo do caminho (originalmente, aliás, o projeto contemplava o comércio ilegal e o tráfico internacional de armas de fogo). Fosse para limitar a incidência do maior rigor ao caput, temos de supor que o legislador o teria feito expressamente.[10] ; Além disso, o citado doutrinador afirma que defender o contrário implicaria em ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois, “se, ao elaborar tipo do Art. 16, o legislador utilizou a fórmula ‘nas mesmas penas incorre’, isso se deu porque as condutas ali elencadas eram consideradas da mesma gravidade das anteriores”; Data máxima vênia, entendemos que, de acordo com a redação dada e com o próprio intento (tresloucado sim, mas um intento) da lei, somente o artigo 16, “caput” é abrangido pela hediondez. Na sequência são expostos os argumentos que sustentam o nosso ponto de vista; Um primeiro aspecto que salta aos olhos envolve, justamente, o princípio da proporcionalidade, sob o enfoque da periclitação da incolumidade pública. Uma coisa é a pessoa portar ou ter a posse de um fuzil AR 15 ilegalmente, outra, totalmente diversa em termos de lesividade, é possuir ou portar um revólver calibre .22 com a numeração ou marca raspadas. Se considerar a posse ou o porte de um fuzil como crime hediondo já revela uma desproporção e irrazoabilidade, imagine-se um revólver calibre .22 com a numeração suprimida!; Do mesmo modo, é certo que ao estabelecer que nas mesmas penas do caput, do artigo 16, incorre aquele que praticar as condutas descritas no seu parágrafo único, o legislador vislumbrou gravidade semelhante entre os tipos penais, como bem alertou SANCHES. Contudo, não podemos olvidar que as penas impostas a determinadas condutas constituem somente uma das consequências do delito. Com efeito, a Lei de Crimes Hediondos elencou vários outros rigores jurídicos-penais a serem impostos aos autores de crimes dessa natureza, o que, obviamente, não foi vislumbrado pelo legislador ordinário ao tipificar as condutas do artigo 16, caput e parágrafo único; Não se pode, portanto, querer estender os consectários da Lei 8.072/90 às figuras descritas no citado parágrafo único sob o argumento de que seria essa a intenção do legislador, pois, conforme destacado, seu intento foi o de apenas estabelecer as mesmas sanções para os casos elencados no artigo, o que não abrange a imposição de outros rigores, tais como a proibição de anistia, graça ou indulto, a progressão diferenciada de regime (2/5, se primário e 3/5, se reincidente), a necessidade de cumprimento de 2/3 da penas para ter direito à liberdade condicional etc; Ademais, numa interpretação sistemática da Lei 8.072/90, analisando a estrutura de seus incisos do artigo 1º, verifica-se que o legislador foi por demais cuidadoso com a taxatividade. Há menção do “nomen juris” e do exato artigo de lei a que se refere. Quando é o caso de abrangência de parágrafos e incisos adicionais, estes são expressamente arrolados. Em sua falta, a infração não será hedionda. Por exemplo, no roubo, se faz menção ao “latrocínio”, sendo indicado entre parêntesis o artigo 157, §3º, “in fine”, o que faz com que as demais modalidades de roubo simples, majoradas e até mesmo qualificada pela lesão grave (artigo 157, §3º, parte inicial) não sejam consideradas como hediondas; No próprio artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.072/90, está descrito como hediondo o crime de “genocídio”, mas o legislador não o faz de forma genérica, indicando claramente quais os artigos específicos da lei a que se refere (artigos 1º, 2º, e 3º, da Lei 2.889/56). E ainda mais explícita é essa sistemática quando estabelece que o crime de extorsão mediante sequestro é hediondo. Pretendendo determinar a hediondez de todas as figuras, o legislador não menciona simplesmente o artigo 159, CP, mas, sim, o artigo 159, “caput” e §§ 1º, 2º e 3º, CP; O mesmo se pode dizer com relação ao estupro e ao estupro de vulnerável, onde não é mencionado somente o “caput”, mas cada um dos parágrafos qualificadores. Perceba-se que se trata de qualificadoras, ou seja, condutas de um mesmo crime, mas consideradas mais gravosas e não de meras equiparações ou mesmo condutas menos gravosas. Isso somente reforça o fato de que se o legislador quisesse estender a hediondez para o parágrafo único, do artigo 16, do Estatuto do Desarmamento, o teria feito expressamente, como o fez em outros vários casos. Interpretação diversa seria um desvio de rota quanto à sistemática da Lei 8.072/90, ainda mais em se tratando de condutas meramente equiparadas e, em geral, de menor ofensividade, já que não envolvem armas de uso restrito ou proibido propriamente ditas; Quando à posse ou o porte ilegal de armas de fogo de uso restrito ou proibido a referência é feita somente ao “Art. 16 da Lei n. 10826, de 22 de dezembro de 2003”, sem qualquer menção ao seu parágrafo único e respectivos incisos. Considerando uma interpretação sistemática da Lei dos Crimes Hediondos, é de se crer que se o legislador quisesse levar a hediondez ao parágrafo único e seus incisos, os teria descrito no dispositivo. Se não o fez, foi porque não pretendia que as condutas equiparadas que não envolvem armas restritas ou proibidas fossem consideradas como hediondas.[11] Ademais, quando em geral se pretende referir a um artigo de lei e se menciona somente o seu número, é de se concluir que a referência é feita somente ao “caput”. Quando se pretende atingir algum parágrafo, inciso etc., estes devem ser expressamente mencionados; Imaginemos que um Promotor faça uma denúncia por homicídio e aponte no dispositivo somente o artigo 121, CP. A conclusão seria de que ele pretendia fazer uma denúncia por homicídio simples (“caput”) ou qualificado (§2º)? É claro e evidente que se referia ao simples, previsto no “caput”. Mesmo que se alegue que o que importaria mais seria a descrição da conduta, aplicando-se tal raciocínio do novo artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8072/90, é visível que o legislador descreve como hediondo o porte e a posse ilegais de “armas de fogo de uso restrito” (ou proibido, acrescentamos), de modo a afastar qualquer possibilidade de enquadramento de condutas equiparadas; O alcance da hediondez ao parágrafo único, do artigo 16, do Estatuto do Desarmamento, somente poderá ocorrer se a arma envolvida na conduta for de uso restrito ou proibido, conforme previsto no “caput” e também houver atuação de acordo com algum inciso do parágrafo único. Por exemplo, na supressão ou alteração de sinais identificadores de arma de fogo (inciso I), a hediondez estará presente se tal arma alterada for de uso restrito ou proibido. Isso considerando que para a alteração o indivíduo deverá ter a posse da arma consigo, sendo ela de uso restrito ou proibido. Antes essa posse seria absorvida, mas agora isso não é mais possível, tendo em vista a hediondez do artigo 16; Na modificação da característica de arma de fogo, isso já não acontece, pois que a arma não será de uso restrito ou proibido, mas tão somente tornada “equivalente”, de modo que a equiparação consistiria em analogia “in mallam partem” (inciso II). Quanto à artefatos explosivos ou incendiários, conforme consta dos incisos III e V, “in fine”, não há condição de abrangência pela hediondez, uma vez que não são mencionados no artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.072/90; Eis outra desproporção, já que, no mais das vezes, tais artefatos podem ser mais perigosos para a incolumidade pública do que muitas armas de uso restrito. O porte, posse ou aquisição de arma de fogo com numeração, marca ou qualquer sinal identificador suprimido, também somente poderá ser hediondo se a tal arma for de uso restrito ou proibido. Por exemplo, um fuzil com numeração raspada. Nunca uma garrucha velha com a numeração alterada, obviamente (inciso IV); Da mesma forma, a venda, entrega ou fornecimento de arma a criança ou adolescente. Somente haverá hediondez, se a arma for de uso restrito ou proibido (inciso V, parte inicial). Quanto ao inciso VI, ao tratar somente de munição ou explosivo, só se poderá falar em crime hediondo nas hipóteses em que a munição ostentar as qualidades descritas no parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 8.072/90; Outra questão que merecerá acurada análise é a já assentada tese de que, no crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma, o eventual crime de porte ilegal é absorvido[12] (v.g. Quinta Câmara Criminal Apelação Crime ACR 70050877554 RS (TJ-RS) Francesco Conti; TJ-MG - Apelação Criminal APR 10191080158527001 MG (TJ-MG); TJ-MG - 103480700035490011 MG 1.0348.07.000354-9/001(1) (TJ-MG) etc.); Em se tratando de armas de fogo de uso permitido, nada se altera. Mas, com o advento da Lei 13.497/17, que erige a posse ou porte ilegal de armas de fogo de uso restrito ou proibido em crime hediondo, não será mais possível falar-se em consunção do crime-meio (artigo 16, da Lei 10.826/03) pelo crime-fim (artigo 157, §2º, I, CP). Não será viável que um crime não hediondo absorva um crime hediondo. Dessa forma, haverá consunção pelo roubo majorado pelo emprego de arma no caso do artigo 14, da Lei 10.826/03 (armas de uso permitido), mas não mais em relação ao artigo 16, do mesmo diploma (armas de fogo de uso restrito ou proibido), hipótese na qual deve-se aplicar o concurso de crimes. Assim, novamente se nos apresenta de forma escancarada a violação à proporcionalidade. É que um crime fim de lesão não é capaz mais de absorver um crime-meio de perigo abstrato! O perigo abstrato se torna mais grave, para a legislação brasileira, do que o crime de lesão!; Cabe, ainda, levar em conta que, considerando que a hediondez não abranja o parágrafo único, do artigo 16, da Lei 10.826/03, não surge maior problema quanto à questão do conflito aparente de normas do artigo 16, parágrafo único, III, que trata dos explosivos e artefatos incendiários, e os artigos 250 (Incêndio) e 251 (Explosão) do Código Penal. No caso dos verbos “possuir, deter ou fabricar”, não há sequer conflito, mas sim aplicação direta do dispositivo do Estatuto do Desarmamento, eis que o Código Penal não trata desses casos. Mas no verbo “empregar” pode haver conflito, pois que certamente um incêndio ou explosão ocorrerá com tal emprego. Nesses casos, a solução dogmática tem sido a de que o crime do Estatuto é de “perigo abstrato” e os do Código Penal são de “perigo concreto”. Então será aplicado o Estatuto nos casos em que o incêndio ou explosão não coloquem em risco concreto pessoas ou bens, enquanto que nos casos de risco concreto a uma ou mais pessoas ou bens devido à explosão ou incêndio, dever-se-á aplicar as normas do Código Penal. [13]; No entanto, se vierem a ser consideradas como hediondas as condutas equiparadas do artigo 16, parágrafo único, do Estatuto do Desarmamento, a solução deverá ser diversa no caso do efetivo “emprego”. No conflito, não será mais possível a absorção do artigo 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/03, quando houver perigo concreto em explosão ou incêndio efetivos. Nesse caso, dever-se-á rumar para a solução do concurso formal de crimes, pois que, novamente, um crime hediondo não poderá ser absorvido por um crime comum. Novamente também se nos deparamos com uma absurdidade, na qual um crime de perigo comum concreto não é capaz de absorver um crime de perigo abstrato, sendo este último tratado pela legislação brasileira como mais grave. O perigo abstrato se torna mais gravoso que o perigo concreto! Entenda suposta lógica de tudo isso quem o puder!) https://jus.com.br/artigos/61922/o-crime-de-porte-ou-posse-ilegal-de-arma-de-fogo-de-uso-restrito-e-o-seu-carater-hediondo