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O coronavírus, o direito penal e a escolha de Sofia - medicina de catástrofe - 25/03/2020

O coronavírus, o direito penal e a escolha de Sofia - medicina de catástrofe (Transportando isso para o mundo jurídico e para o campo da bioética, a “escolha de Sofia” quer dizer 'escolhas difíceis' e, na prática, isso significa fazer "escolhas trágicas" de acordo com a chance de sucesso de tratamento de cada paciente, considerando a idade do paciente, doenças preexistentes, a gravidade do seu estado e a possibilidade de reverter esse quadro; A situação é a seguinte: os hospitais estão lotados de pessoas infectadas por COVID-19, todas em estado grave com Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS, entre elas estão crianças, jovens, adultos, idosos, doentes crônicos, estes dois últimos grupos com alto risco de morte. Sabe-se que há necessidade de leitos com respiradores para o atendimento das vítimas, que não existem em número suficiente. Qual paciente deve o profissional da área de saúde priorizar?; A resposta surge quase que intuitivamente: aqueles que têm mais chances de viver. No entanto, o caso não nos parece tão simplista assim. Sabe-se que idosos e portadores de doenças crônicas, objetivamente considerados, têm maior probabilidade de não responder bem ao tratamento, portanto, menor chance de recuperação. Por isso poderíamos simplesmente deixá-los sem atendimento?; Caro leitor, seria simples se nós fossemos seres apenas racionais, mas como você se sentiria ao levar seu ente querido (mãe, avós, esposas, filhos etc) para o hospital em grave crise respiratória e fosse barrado logo na entrada, sob o argumento de que os leitos estariam separados para pessoas com maior chance de vida? A discussão adentra a Bioética e o Direito.  Daí a importância de discutirmos esse tema; Entendemos que a “escolha de Sofia” poderia gerar celeumas sobre eventual tipificação de homicídio entre outros delitos, já que a ninguém seria dado o direito de escolher quem vive ou morre como se Deus fosse, tendo o profissional médico o dever de envidar esforços para salvar qualquer vida, conforme juramento de Hipócrates quando da formatura no curso de medicina; O Código de Ética Médica no Brasil adotou importantes modificações referentes ao direito de autonomia da pessoa doente e à modalidade de assistência a pacientes diagnosticados como "fora de possibilidades terapêuticas de cura" ou terminais, em vista dos cuidados paliativos, podendo nos trazer soluções práticas sobre a ortotanásia, a boa morte, a morte sem sofrimento. Mas esse não é o caso, pois o paciente deseja viver e quer o tratamento, que nem sequer é iniciado; Algumas indagações surgem nesse dilema: o profissional de saúde poderia se negar a atender, mesmo em estado grave, os integrantes do chamado grupo de risco (idosos e portadores de doenças crônicas) no Brasil? Quais seriam os reflexos penais dessa negativa?; O tema é delicado e não há precedentes sobre o assunto. Precisamos nos valer de determinantes sociais, valores morais, critérios científicos e definições legais para o enfrentamento técnico da questão; Fazendo um recorte ilustrativo quanto à situação do idoso, a Lei n. 10.741/03 – Estatuto do Idoso, com fundamento no texto constitucional, prevê no Art. 3º como obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida e à saúde. O §1º do mesmo artigo ainda deixa mais expresso que a garantia à prioridade compreende, entre outras, acesso à rede de serviços de saúde. Como essa previsão, a Lei estabelece ações que permitam o envelhecimento saudável e em condições de dignidade; Não obstante o atendimento prioritário ao idoso, há um plexo de segmentos sociais que demandam atenção detida. À criança e ao adolescente, por exemplo, o Art. 227 da CF/88 também determina prioridade absoluta no atendimento do direito à vida e à saúde; Diante dessa celeuma, pragmaticamente, como escolher entre um idoso e uma criança infectados por COVID-19, ambos em estado grave?; Caso o profissional de saúde opte por atender qualquer deles, ante a falta de leitos suficientes para acomodar ambos, entendemos que a situação se encaixa com perfeição na excludente de ilicitude de estado de necessidade, nos termos do Art. 24 do Código Penal, pois praticou fato para salvar de perigo atual (Síndrome Respiratória Aguda Grave provocada por COVID-19), que não provocou por sua vontade, nem podia evitar (é uma pandemia iniciada na China!), direito de outrem, qual seja, a saúde, a vida daquele que vai obter tratamento adequado; Como último requisito do Estado de Necessidade resta “cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. A circunstância, in casu, é a ausência de leitos suficientes para todos os pacientes. Sobre a razoabilidade, no entanto, nossa compreensão é que a vida humana não pode ser aferida como de maior ou menor valor.  Assim, a vida do idoso não tem menor valor que à da criança ou vice-versa. O estado de necessidade é caracterizado pelo conflito de interesses lícitos, consoante nos ensina Cleber Masson[v]; A teoria unitária, adotada pelo Art. 24, caput e §2º do CP, traduz que o estado de necessidade é causa de exclusão de ilicitude, desde que o bem sacrificado seja de igual ou inferior valor ao bem jurídico preservado.  Sendo a vida de todos de igual valor, tal requisito também se mostra preenchido; A classificação doutrinária indica, ainda, estado de necessidade agressivo, pois, para preservar o bem jurídico (vida), o médico pratica ou deixa de praticar o fato (realizar o atendimento adequado) contra bem jurídico pertencente a terceiro inocente (vida/saúde), ou seja, pessoa que não provocou a situação de perigo, o paciente não atendido; Sob outro aspecto, pode o médico agir sob o amparo do estrito cumprimento do dever legal (sentido amplo), caso haja disciplinamento e objetivação normativa sobre os critérios de escolha de atendimento dos pacientes infectados pelo COVID-19, com o estabelecimento de escores, tal como ocorreu na Espanha; Uma vez que as autoridades de Saúde e Sanitárias definam critérios, ao cumpri-los, o médico também estaria amparado por essa excludente (CP, Art. 23, III); Critérios racionais podem ser adotados. O mais usual é o atendimento daqueles que chegam primeiro, diante da ausência de leitos para atender os que chegam depois; outro critério, por exemplo, seria transferir pessoas que não estão respondendo ao tratamento para cuidados paliativos. À luz do entendimento dos critérios estabelecidos pela bioética médica espanhola, o máximo benefício do bem comum nos parece um bom norte a ser seguido; Finalmente, no campo do Direito Penal, pode ainda ser alterada a possibilidade de inexigibilidade de conduta diversa, compreendida a impossibilidade de comportamento diferente do adotado, em razão do conflito de deveres, pertinente à causa supralegal de excludente de culpabilidade. Situação semelhante é citada por Cirino do Santos[vi] no exemplo do maquinista, que para evitar colisão com trem de passageiros, acarretando a morte de muitos deles, desvia o trem de carga desgovernado para trilho diferente, causando a morte de alguns trabalhadores; De todo modo, se a “Escolha de Sofia” for feita dentro de parâmetros razoáveis, estará amparada pelo Direito. Ressalta-se, por fim, a necessidade de respeito à dignidade humana de todos os pacientes, que pode ser representada no direito à triagem com critérios objetivos justos, e informações adequadas sobre o seu estado de saúde, as condições do sistema de atendimento e dos próprios critérios estabelecidos; Ainda temos uma temática correlata que dialoga sobre o assunto como eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido, embora não será tratada na oportunidade; Após profunda reflexão, chegamos à conclusão de que a “Escolha de Sofia”, no caso do atendimento médico aos pacientes infectados por coronavírus (COVID-19), não compete, em regra, aos juristas. A dinâmica dos atendimentos médicos no contexto da pandemia do coronavírus encontra poucos precedentes históricos recentes. A escolha entre quem deve ser atendido, ou não, pertence aos profissionais que estão lidando com a situação concreta, impondo-se o estabelecimento protocolos nacionais de bioética, a exemplo do que vem ocorrendo no âmbito internacional; Embora a escolha não caiba em regra aos juristas, a análise da razoabilidade, da objetividade e da racionalidade dos critérios pode ser objeto de questionamento no âmbito do Direito Penal, em ponderação dificílima, diante da complexidade do tema; Mormente a pandemia do COVID-19 seja assunto recente, a saúde pública brasileira passa por situação alarmante há bastante tempo, havendo notícias desde sempre, sobre a falta de leitos, de medicamentos, de profissionais, desorganização no atendimento e, inclusive, crimes comissivos por omissão em determinados casos) https://jus.com.br/artigos/80394/o-coronavirus-o-direito-penal-e-a-escolha-de-sofia-medicina-de-catastrofe
Autor: Mattosinho Advocacia Criminal

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