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Mídia, Presunção de Inocência e Discurso de Ódio - 02/06/2020
Mídia, Presunção de Inocência e Discurso de Ódio (O princípio da presunção de inocência está positivado no Direito Brasileiro, especialmente, no Art. 5º, LVII da Constituição Federal de 1988, constituindo-se em um dos princípios reitores do Processo Penal[i]. A mesma regra é consagrada em diversos textos normativos internacionais como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 8.2), Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 14.2.), Convenção Europeia dos Direitos dos Homens (Art. 6.2), sobrelevando-se a necessidade de se garantir, a qualquer pessoa acusada de uma infração, a presunção de inocência enquanto a culpabilidade não estiver legalmente provada; Trata-se, portanto, de um princípio estruturante dos sistemas processuais penais que se materializa em duplo sentido: estabelece uma regra de julgamento e uma regra de tratamento. Em síntese, como regra de julgamento impõe que o ônus probatório seja inteiramente do acusador, sendo que a dúvida beneficiará o acusado (in dubio pro reo). Já como regra de tratamento, impõe que o acusado seja considerado inocente até o trânsito em julgado, impedindo, por exemplo, o abuso de prisões cautelares, mesmo em caso de flagrante delito, a qual deverá decorrer de extrema necessidade quando presentes os requisitos autorizadores da segregação cautelar[ii], ou seja, nenhuma medida restritiva pode ser justificada ou imposta à título de juízo de culpabilidade precário; Ocorre que para além dessas manifestações endoprocessuais o princípio da presunção de inocência também cumpre com uma importante missão externa ao processo, ou seja, exige que o Estado garanta proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do acusado, especialmente, aquelas decorrentes dos agentes públicos estatais; Os precedentes do TEDH reconhecem, assim, a violação do princípio da presunção de inocência a partir de condutas ativas dos sujeitos participantes da justiça criminal perpetradas fora dos autos processuais. Em ambos os casos, declarações ostensivas sobre a culpa dos investigados, foram determinantes para reconhecimento de um processo injusto, a partir da violação do princípio da presunção de inocência; Em que pese condutas ativas e ostensivas possam caracterizar a violação do fair trial, há situações em que, aparentemente, o mesmo resultado pode decorrer de condutas latentes. Veja-se, por exemplo, na cultura brasileira, os inúmeros programas televisivos sobre o produto-crime, onde os suspeitos são submetidos, com o beneplácito dos agentes públicos, à encenação midiática, pseudo-científica sobre as causas do ilícito investigado, cujo único objetivo, não é informar, mas confirmar a culpabilidade do investigado acusado; Nesses casos, é razoável supor que a Autoridade Pública responsável pela custódia do investigado, ainda que decorrente de flagrante, também deveria, desde logo, zelar pelo processo justo, impedindo que as expectativas mais primitivas do ser humano se sobrepusessem a um direito e garantia fundamental, como a presunção de inocência. Nesse passo, não apenas condutas ativas como vazamentos seletivos e/ou declarações sobre a culpa do investigado caracterizariam a violação à dimensão externa do princípio, mas também a conduta omissiva que impede a regular concretização da presunção de inocência, como ocorre, por exemplo, quando se permite que o acusado/investigado seja submetido ao pré-julgamento midiático, muitas vezes, antes mesmo de qualquer contato com seu advogado; O reconhecimento de violação da presunção de inocência a partir de condutas ativas ou omissivas dos Agentes Públicos responsáveis pelo processo e/ou investigação criminal não configuraria qualquer violação ao princípio da publicidade e nem censura prévia ao direito informacional que rege o Estado Democrático de Direito. Nesse passo, informações úteis à sociedade poderiam ser viabilizadas de forma discreta e moderada sem que com isso fosse prejudicada a fiabilidade e a legitimidade do processo penal; O que não se pode permitir, de outro lado, é a transformação do investigado/acusado em objeto de satisfação de impulsos primitivos e econômicos travestidos de liberdade de expressão. De igual maneira seria aceitar que “os fins justificam os meios”, quando não importando se princípios e direitos são violados para se chegar ao resultado, ao prazer da acusação; Rompe-se, assim, por completo o princípio da paridade de armas, viciando o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, quando se sobrepõe a prova precária e parcial apresentada pela acusação e validada publicamente pela mídia com a justificativa de que a sociedade anseia vorazmente uma resposta; Rui Barbosa, em uma das suas célebres frases ponderou "A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Mas será que não estaríamos fazendo um movimento pendular indo em direção diametralmente oposta ao acelerar o processo se sobrepondo à princípio e garantias fundamentais; O dano gerado por uma decisão condenatória proferida com base em versões midiáticas, violando princípios basilares do Direito que, por sua vez, sustentam a segurança jurídica de uma sociedade é o novo sustentáculo para um discurso sem fundamento constitucional; Quando isso ocorre, a pseudo-informação em muito se aproxima do discurso do ódio, eis que praticamente impossível se torna o exercício de defesa do acusado/investigado que já inicia o processo de formação de culpa, como verdadeiramente culpado, não havendo como o Estado providenciar ou garantir “microfones” para todos[vi], sendo certo apenas a encenação e o espetáculo; Não é demais lembrar que o processo interpretativo em prol da defesa da dimensão externa da presunção inocência nos moldes até aqui expostos, encontra semelhante fundamento em importante precedente do Supremo Tribunal Federal. Com efeito no Caso Ellwanger (HC 82.424) o Plenário da Corte Suprema reconheceu, como argumento de fundo, a possibilidade de afastar o princípio da liberdade de expressão quando seu exercício ultrapassar limites morais e jurídicos, como no caso de manifestações anti-semitas que implicam no crime de racismo. Esse mesmo processo interpretativo pode ser transposto para a questão da dimensão externa da presunção de inocência, isto é, quando Agentes Públicos atuam (ativa ou passivamente) de forma a permitir que o acusado seja apresentado ao público em geral como culpado, viola-se a regra de tratamento decorrente da garantia fundamental atentando contra a estrutura fundante do processo justo e, por conseguinte aos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social) https://www.abracrim.adv.br/artigos/midia-presuncao-de-inocencia-e-discurso-de-odio