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(I)legalidade de prisão em flagrante realizada por guardas municipais - 11/09/2020
(I)legalidade de prisão em flagrante realizada por guardas municipais (À primeira vista, para os operadores do direito a resposta natural seria a de que sim, é perfeitamente possível a prisão em flagrante realizada por guardas municipais, tendo em vista que o Art. 301 do CPP dispõe que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”; Ocorre que infelizmente a resposta não é tão simples como o dispositivo aponta; Inicialmente é necessário distinguirmos no caso concreto se o flagrante se deu de maneira clara, nítida, e anterior a qualquer diligência ou abordagem realizada pelo agente que efetuou a prisão, ou se a caracterização do flagrante se deu após a abordagem, revista, ou qualquer outra diligência investigativa; Assim sendo, se a infração penal estiver sendo cometida e for absolutamente nítida a todos os transeuntes ou pessoas próximas ao local, neste caso é perfeitamente possível que a prisão em flagrante seja efetuada por guardas municipais, assim como qualquer do povo, conforme permissivo legal do Art. 301 do CPP, primeira parte; Todavia, quando o flagrante somente tiver se caracterizado após diligências realizadas pelos integrantes da guarda municipal, tais como as rotineiras abordagens, tal prisão deve ser tida como ilegal por violar expressamente o Art. 144 da Constituição Federal; Explico, a Constituição Cidadã de 1988, em seu Art. 144, que trata sobre a Segurança Pública, instituiu em rol taxativo as instituições responsáveis pela segurança interna do país, sendo inclusive tal rol ampliado recentemente para incluir a figura dos policiais penais, antigos agentes penitenciários; No § 8º do mesmo artigo, a CF/88 assevera que os municípios poderão instituir “guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Ou seja, partindo de uma interpretação sistemática de todo o Art. 144 da Carta Magna, é possível concluir que as guardas municipais, apesar de possuírem regramento legislativo próprio, e de estarem topograficamente inseridas no capítulo que trata da segurança pública, não são órgãos de segurança, e portanto não possuem atribuição para realizar abordagens em cidadãos, tampouco realizar diligências investigativas colhendo elementos de informação para uma eventual ação penal; O próprio § 8º do Art. 144, CF/88, é claro ao dispor que as guardas municipais destinam-se à proteção dos bens, serviços e instalações do município, e não da segurança pública do local em que foram instituídas; Confirmando esta interpretação, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente decisão envolvendo processo relacionado ao tráfico de drogas, absolveu o réu após a defesa demonstrar que não só a abordagem, bem como as diligências investigativas foram realizadas pela guarda municipal local, o que, nos dizeres do desembargador Márcio Bartoli: Fica claro, portanto, que não se trata de mero flagrante delito presenciado pelos guardas civis em sua atuação ordinária, mas antes, de comportamento em grave ofensa à regra constitucional, a comprometer totalmente a validade da prova resultante, visto que, consoante afirmado, os guardas, ampliando indevidamente sua esfera de atuação, invadiram atribuição constitucionalmente atribuída a outros órgão de segurança pública, passando a investigar possíveis ilícitos penais quando, como agentes administrativos, regidos pela legalidade estrita, lhes falece autorização para tanto; Contra este posicionamento, é comum ser afirmado que é legal a abordagem realizada por guardas municipais tendo em vista que o maior bem do município é justamente o seu munícipe/cidadão. Ocorre que tal interpretação, salvo melhor juízo, está sendo equivocadamente utilizada, posto que o § único do Art. 4º do próprio Estatuto dos Guardas Municipais (Lei nº 13.022/14) deixa claro que “os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais”; Ou seja, da correta interpretação dos dispositivos, é possível afirmar que o termo “bens” utilizado tanto no § 8º, Art. 144, CF/88, como do § único, Art. 4º da Lei 13.022/14, refere-se a bens materiais ou imateriais que podem ser objeto de uma relação jurídica e que possuem cunho patrimonial, comumente exemplificado no âmbito do Direito Civil, e não que se refere às pessoas físicas, sujeitos de direitos e obrigações; Assim sendo, visando conferir maior segurança jurídica e respeito ao processo penal brasileiro, principalmente em relação aos agentes estatais que podem ou não suprimir direitos alheios objetivando a apuração de ilícitos penais e estando adstritos ao estrito cumprimento do dever legal, ainda que a jurisprudência oscile acerca do tema, mostra-se necessário concluirmos que prisões em flagrante após abordagens realizadas por guardas municipais são absolutamente ilegais, e quaisquer provas advindas destes procedimentos devem necessariamente ser tidas como ilícitas; Defender pela legalidade das prisões seria o mesmo que aceitar que qualquer do povo pudesse abordar aleatoriamente transeuntes na rua, o que por si só configura o crime de constrangimento ilegal, previsto no Art. 146 do CP, contrariando indubitavelmente os princípios fundamentais da liberdade e segurança; Reitero, o objetivo desta análise não é denegrir ou prejudicar a imagem dos guarda municipais, figuras tão importantes na segurança patrimonial dos municípios, mas sim de acrescentar ao debate argumentos com base constitucional sobre a legalidade ou não de prisão em flagrante realizada por estes agentes estatais) https://canalcienciascriminais.com.br/ilegalidade-de-prisao-em-flagrante-realizada-por-guardas-municipais/?fbclid=IwAR3HxsNhkGBTzLFuhEv9Ne8xRSW5aV6e0GJx-txRrkEPodQkWg_cyt5ejpM