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É temerário admitir que o STF pode criar um novo conceito de trânsito em julgado - 03/04/2018
É temerário admitir que o STF pode criar um novo conceito de trânsito em julgado (Como o Plenário do Supremo Tribunal Federal interpretará o inciso LVII do caput do artigo 5º da Constituição?; Do ponto de vista dinâmico, a Constituição é clara ao estabelecer o marco temporal final da presunção de inocência: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Não se trata de uma garantia que se aplica somente até a sentença penal recorrível, ou mesmo até o julgamento em segundo grau de jurisdição; Pode-se indagar: seria da essência da presunção de inocência que tal estado do acusado vigore temporalmente até que a condenação transite em julgado? A resposta é, seguramente, negativa. O que se assegura, por exemplo, no plano dos tratados internacionais de direitos humanos é que o acusado tem o direito de que se presuma sua inocência “enquanto não for legalmente comprovada a sua culpa” (Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 8.2); ou “enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” (Convenção Europeia de Direitos Humanos, artigo 6.2); ou, ainda, “até que sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida” (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, artigo 14.2). Em todos esses dispositivos, é possível, do ponto de vista hermenêutico, considerar que a “culpa” estará legalmente comprovada, provada ou estabelecida com uma decisão que aprecie o mérito da causa. Isto é, havendo uma sentença condenatória, mesmo que impugnada por meio de recurso, já se terá apreciado a culpa ou a inocência do acusado. Com maior razão, havendo acórdão condenatório em segundo grau, mesmo que antes do trânsito em julgado, a culpa terá sido legalmente provada e estabelecida; O constituinte de 1988 seguiu os modelos italiano e português e, dando efetividade máxima ao compromisso do Estado brasileiro com a preservação da dignidade da pessoa humana, reforçou entre nós a garantia da presunção de inocência: estabeleceu como marco temporal final de sua aplicação o momento derradeiro da persecução penal. O acusado tem o direito de que se presuma a sua inocência “até o trânsito em julgado” da sentença penal condenatória. Com a definição clara do momento de cessação do estado de inocência, evitava-se — ou se imaginava que evitaria — discussões sobre se a presunção de inocência estaria garantida: (i) até que estivesse legalmente provada ou comprovada a culpa, significaria apenas o momento final uma sentença condenatória, ainda que recorrível; (ii) ou mesmo até um acórdão em que se julgasse, pela última vez, matéria fática; (iii) ou, finalmente, se só com o trânsito em julgado de uma condenação penal seria destruído o estado de inocente; Isso, contudo, não foi o bastante para o Supremo Tribunal Federal. Evidente que na organização judiciária nacional cabe ao guardião da Constituição dar a última palavra sobre sua interpretação. A Constituição, contudo, é uma carta escrita pelo constituinte, e não uma folha de papel em branco, a ser preenchida como quiserem os ministros. O Supremo Tribunal Federal pode muito, mas não pode tudo! Nem mesmo aos 11 ministros da cúpula do Poder Judiciário é dado o poder de reinventar conceitos processuais assentados em — literalmente — séculos de estudo e discussão e que integram a dogmática processual. Ser guardião da Constituição não é ser o dono ou tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas. É temerário admitir que o Supremo Tribunal Federal possa “criar” um novo conceito de trânsito em julgado, numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação dos institutos do Direito. Trânsito em julgado é um conceito assentado ao longo de secular evolução histórica. Diante do texto constitucional, e mesmo sem confundir o enunciado linguístico com a norma, é preciso reconhecer — nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está imune a isso — que há limites hermenêuticos insuperáveis para a interpretação de um dispositivo que atribua um direito — qualquer que seja — até o “trânsito em julgado”; É certo que o trânsito em julgado não se confunde com a coisa julgada, seja ela material ou formal. José Carlos Barbosa Moreira, em conceito do insuperável, lecionava: “Por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. (...) O trânsito em julgado é, pois, fato que marca o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada – formal ou material, conforme o caso”[1]. Há, portanto, e agora nos valendo das palavras de Machado Guimarães, “uma relação lógica de antecedente-a-consequente (não de causa-e-efeito) entre o trânsito em julgado e a coisa julgada”. E concluía: “A decisão trânsita em julgado cria, conforme a natureza da questão decidida, uma das seguintes situações: a) a coisa julgada formal, ou b) a coisa julgada substancial”[2]; Assim, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ocorre no momento em que a sentença ou o acórdão torna-se imutável, surgindo a coisa julgada material. Não há margem exegética para que a expressão seja interpretada, mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o acusado é presumido inocente, até o julgamento condenatório em segunda instância, ainda que interposto recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal ou recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça; Não é possível, portanto, concordar com a premissa adotada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, e nas decisões posteriores que reafirmaram tal posição no julgamento, também do Plenário, que indeferiu as liminares pleiteadas nas ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44. Na mesma linha, é inaceitável a tese fixada pelo STF reconhecer a repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo 964.246/SP, nos seguintes termos: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”[3]. Em apertada síntese, o que se extrai de tais julgados é que a presunção de inocência não vigora mais até “o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, como assegura o inciso LVII do caput do artigo 5º da CF, mas só até “o acórdão condenatório em segundo grau”!; Evidentemente que os ministros, dotados de notório saber jurídico, não desconhecem os conceitos de trânsito em julgado e de coisa julgada. A questão não é de técnica jurídica, mas axiológica. Há uma clara e inconteste escolha de valor em tais decisões acima mencionadas. Como bem explica Maurício Zanoide de Moraes: “Essa visão ‘gradualista’ da presunção de inocência não deixa de esconder um ranço técnico-positivista da ‘presunção de culpa’, pois sob seu argumento está uma ‘certeza’ de que, ao final, a decisão de mérito será condenatória. Desconsiderando a importância da cognição dos tribunais, ‘crê’ que a análise do juízo a quo pela condenação prevalecerá e, portanto, ‘enquanto se espera por um desfecho já esperado’, mantem-se uma pessoa presa ‘provisoriamente’”[4]; Em suma, do ponto de vista da ordem jurídica, é correto afirmar que o acusado goza da mesma situação jurídica que um inocente. Esse é um ponto do qual deve partir tanto a lei quanto a jurisprudência de um Estado de Direito no regramento de sua persecução penal. E essa paridade ou igualdade substancial não se altera nos diversos momentos da persecução penal: o investigado, o acusado e o condenado, enquanto pende recurso da sentença condenatória, estão na mesma situação jurídica que o inocente, isto é, quem nunca foi investigado ou processado) https://www.conjur.com.br/2018-abr-03/badaro-stf-nao-criar-conceito-transito-julgado?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook