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É constitucional a delegação do poder de polícia a particulares - 31/08/2019
É constitucional a delegação do poder de polícia a particulares (Pessoas jurídicas de direito privado podem exercer poder de polícia? Se sim, em qual extensão? É constitucional que uma empresa estatal exerça atividades de polícia administrativa como, e.g., multar infratores no trânsito? Essas são perguntas que vêm atiçando a doutrina e a jurisprudência há um bom tempo[1]. E não é por menos. Quer se seja favorável ou não[2], fato é que, com frequência, temos assistido a transmissão de funções públicas, inclusive relacionadas ao poder de polícia, para entidades privadas[3]; Delimitar o conceito de “poder de polícia” não é tarefa simples.[5] Porém, em linhas gerais, a doutrina “clássica” o define como o poder ou a função que a Administração Pública dispõe para condicionar, restringir e/ou limitar as esferas de liberdade e de propriedade dos particulares, em prol de objetivos de interesse público.[6] É dizer: trata-se de instituto jurídico-administrativo que, ao menos em tese, é responsável por dosar legitimamente a intervenção estatal, de um lado, e o exercício de direitos e liberdades, de outro.[7]; Em suma, por “doutrina clássica”, entende-se: os autores e as autoras que afirmam ser indelegável o exercício do poder de polícia, sobretudo por meio de quatro argumentos conexos.[10]; Em primeiro lugar, essa visão sustenta que o poder de polícia é uma potestade estatal, isto é, atividade relacionada ao poder coercitivo do Estado, poder esse incompatível com a paridade que deve nortear as relações entre os particulares. De forma breve, tal argumento sustenta que apenas pessoas jurídicas de direito público podem exercer atividades administrativas de polícia, pois somente a autoridade estatal é que tem legitimidade para impor restrições, limitações e condicionamentos à liberdade e à propriedade dos particulares. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[11] ressalta que a “restrição à atribuição de atos de polícia a particulares” estaria alicerçada no “corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando em causa liberdade e propriedade”. Isso porque, caso contrário, haveria um desequilíbrio entre os particulares, ao passo que o ordenamento definiria que certos entes privados teriam supremacia sobre outros. Conclui, portanto, que “não há delegação de ato jurídico de polícia a particular e nem a possibilidade de que este o exerça a título contratual”; Em segundo lugar, essa linha doutrinária também aduz que a indelegabilidade seria corolário do próprio Estado Democrático de Direito, na sua faceta de defesa dos direitos fundamentais. Marçal Justen Filho[12]defende a vedação “não por alguma qualidade essencial ou peculiar à figura”, mas sim porque, em um Estado Democrático de Direito, o exercício da violência é necessariamente monopolizado pelo Estado. Com base nessa premissa, é que “não se admite que o exercício da violência seja transferido a terceiros, que não agentes públicos”; Em terceiro lugar, defende-se que o princípio da isonomia (Art. 5°, caput, da CRFB) veda tal delegação, pois, ao se atribuir o exercício de poder de polícia a particulares, estar-se-ia reconhecendo a existência de relações jurídicas desiguais entre particulares.[13]Ao revés, somente o Estado poderia impor essas limitações, porque posicionado em hierarquia superior aos demais particulares e atuando voltado à persecução do bem comum; Em quarto lugar, argumenta-se que a indelegabilidade se alicerça no fato de que apenas servidores públicos estáveis poderiam exercer tamanho múnus público. Isso, tendo em vista que sua estabilidade lhes traria maior blindagem frente às pressões externas, tais como as advindas de atores com alto poder econômico e influência política.[14] Além disso, a delegação a particulares do poder de polícia geraria um indesejável conflito interno de interesses: de um lado, a busca pelo lucro e maximização de interesses pessoais; de outro, a concretização de finalidades públicas; Sinteticamente, pode-se dizer que, no cenário nacional, consagrados doutrinadores ressaltam a impossibilidade de se delegar a particulares atos relacionados ao exercício do poder de polícia, com ressalvas pontuais.[15]; Ocorre que visões distintas sobre o tema têm sido ventiladas na doutrina no sentido de mitigar ou até de rechaçar essa perspectiva “clássica”. Não só o conceito de Poder de Polícia tem sido criticado por autores como Carlos Ari Sundfeld[16] - que o avalia como incompatível com o Estado Democrático de Direito - mas, o próprio “dogma” da indelegabilidade vem sendo relativizado por outros autores.[17]; Diogo de Figueiredo Moreira Neto[18], por exemplo, sustenta a legitimidade da delegação de algumas atividades a partir de uma perspectiva funcional. Para o autor, o exercício do poder de polícia pode ser compreendido por meio de quatro ciclos de polícia: uma espécie de divisão da função de polícia em fases ou atividades, por assim dizer. O primeiro ciclo é representado pela ordem de polícia, que nada mais é do que o comando normativo que, previamente, determinará eventual restrição, limitação, condicionamento ou disciplina da liberdade e da propriedade dos particulares. Já o segundo diz respeito ao consentimento de polícia: o ato administrativo que permite o exercício de certa atividade ou o uso de uma propriedade, por exemplo. O terceiro é a fiscalização administrativa, que se consubstancia na verificação se as ordens de polícia estão sendo cumpridas. Por fim, e em quarto lugar, a sanção de polícia: atividade na qual, após a confirmação da existência de afronta à ordem de polícia, são aplicadas aos infratores as penalidades previstas no ordenamento; Com base nessa diferenciação funcional, Diogo de Figueiredo Moreira Neto sustenta que não seria possível delegar (i) a ordem de polícia, tampouco (iv) a sanção de polícia, pois existiria uma reserva estatal quanto à elaboração de leis e regulamentos, bem como quanto ao uso coercitivo da força. Noutro giro, (ii) o consentimento de polícia e (iii) a atividade fiscalizatória poderiam ser delegados, sem vícios de inconstitucionalidade; Essa perspectiva não influenciou somente as salas de aulas e os livros de direito administrativo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça parece ter encampado a visão de Moreira Neto. No bojo do REsp 817.534/MG[19], envolvendo a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS), o relator, Min. Mauro Campbell, definiu que “as atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupos, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção”. A partir de tal distinção, fixou o entendimento de que “somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. [Em verdade,] no que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação”; Assim, decidiu-se o seguinte: a BHTRANS, por ser uma sociedade de economia mista, não pode aplicar diretamente multas aos infratores de trânsito. Isto é, por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, a BHTRANS não pode exercer a função sancionadora do poder de polícia; No âmbito do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, a jurisprudência majoritária sustenta a impossibilidade de delegação do poder de polícia, nos termos da doutrina “clássica”. No ponto, dois casos podem ilustrar bem essa posição da Corte; O primeiro deles é a ADI n° 2.310.[20] O caso ajuizado pelo Partido dos Trabalhadores tratava da seguinte questão: a inconstitucionalidade da criação de empregos públicos – regidos pela CLT – no âmbito das agências reguladoras. Na linha da doutrina “clássica”, o PT defendia que, por exercer funções inerentes à atividade do Estado, como a de fiscalização, os membros das agências não poderiam ser regidos por contratos de trabalho. Em sede monocrática, o relator original, Min. Marco Aurélio, chegou a defender que “prescindir, no caso, da ocupação de cargos públicos, com os direitos e garantias a eles inerentes, é adotar flexibilidade incompatível com a natureza dos serviços a serem prestados, igualizando os servidores das agências a prestadores de serviços subalternos”. Ao fim, no entanto, a ação perdeu objeto; O segundo caso ilustrativo é a ADI n° 1.717.[21] Ajuizada pelo PC do B, PT e PDT, a ação questionava a constitucionalidade de dispositivo legal que permitia que a fiscalização de profissões regulamentadas fosse exercida em caráter privado, a partir de delegação do Poder Público e mediante autorização legislativa.[22] Em 2002, o plenário da Corte, ao interpretar sistematicamente a Constituição, concluiu pela “indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia”; A discussão constitucional sobre a matéria terá novos desdobramentos em breve. É que, em 22/03/2012, o Plenário Virtual do STF se manifestou pela existência de repercussão geral da questão constitucional relativa à “definição da possibilidade de delegação, no bojo do poder de polícia, de determinadas fases da atividade”, especialmente no que tange ao exercício desse poder por “pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta”.[23]; Atualmente, o leading case designado pelo Min. Luiz Fux, relator da repercussão geral, é o RE n° 633782. Trata-se justamente do recurso extraordinário interposto pela BHTRANS, sociedade de economia mista responsável pela regulação do trânsito da capital mineira, contra o acórdão do STJ que lhe impediu de aplicar multas (isto é: de exercer o ciclo sancionador do poder de polícia). O que a estatal pretende em seu recurso é ver reconhecida a possibilidade de delegação de outras atividades relacionadas ao poder de polícia, além das hipóteses admitidas pelo STJ, reconhecendo-se como legítimo a transferência do poder sancionador a entidades particulares. Ou seja, o caso escolhido como tema de repercussão geral tem potencial de alterar por completo a compreensão do Supremo sobre o tema; Vale ressaltar que o caso foi incluído na pauta n° 78/2019, o que colocará este debate no centro das atenções de constitucionalistas e administrativistas[24]. O STF ultrapassará a visão “clássica” sobre o tema, até então adotada? Haverá uma extensão das atividades de polícia passíveis de delegação, como o próprio exercício sancionador? São perguntas que, ao serem respondidas, impactarão profundamente a teoria e a prática do Direito Público do país) https://www.conjur.com.br/2019-ago-31/constitucional-delegacao-poder-policia-particulares?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook