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Do dever de auxílio do juiz com as partes ao dever de auxílio do juiz com o processo - um giro de 360º - 17/06/2019

Do dever de auxílio do juiz com as partes ao dever de auxílio do juiz com o processo - um giro de 360º (Em dezembro de 2017, publiquei nesta revista eletrônica um texto intitulado O Caráter Mítico da Cooperação Processual. Nele analiso duas teses da cooperação processual, nos moldes propostos por Daniel Mitidiero: (i) a do o redimensionamento do contraditório e da fundamentação das decisões e (ii) a da divisão equilibrada de tarefas entre o juiz e as partes, sintetizada pela ideia de um “juiz simétrico no debate e assimétrico na decisão”. O que me importa hoje é apenas (um aspecto d)a tese (ii); A propósito, sustentei que (ii.a) a tese da simetria do juiz no debate viola a garantia da impartialidade (=imparcialidade objetivo-funcional), pois, em termos lógicos, só é possível falar em simetria se o juiz está autorizado a exercer (total ou parcialmente) as mesmas funções processuais que as partes (o que reputo haver demonstrado ser (consciente ou inconscientemente) sugerido por (pelo menos alguns dos) seus defensores); e (ii.b) que os deveres de cooperação (consulta, diálogo, prevenção, esclarecimento, lealdade e auxílio) não são institutos dotados de existência jurídica autônoma; constituem categorias doutrinárias criadas ora (ii.b.1) do isolamento de frações dos conteúdos de certos institutos dotados de existência jurídica autônoma (operação analítica de compreensão do todo a partir da compreensão das partes - v.g. os deveres de consulta, diálogo, prevenção e esclarecimento são corolários das garantias constitucionais do contraditório e da fundamentação das decisões; o dever de lealdade é corolário do direito de não lesão, decorrente da própria condição de sujeito[1]), ora (ii.b.2) do agrupamento categorial de institutos jurídicos esparsos dotados de pontos comuns a partir dos quais seria possível conferir unidade sistemática à sua compreensão (operação hermenêutica que pretende induzir de institutos específicos a existência de categorias gerais – v.g. dos arts. 319, § 1º; 373, § 1º; 400, p.ú.; 772, III, CPC, resultaria a existência do dever de auxílio); Dediquei, todavia, especial atenção ao problemático dever de auxílio. Pontuei a necessidade de os cooperativistas esclarecerem se ele serve para municiar o juiz de (a) competências funcionais coincidentes com as das partes ou de (b) competências funcionais limitadas à atividade estritamente judicante (=de terceiro objetiva e subjetivamente imparcial). Afinal, no sentido (a) teríamos um instituto jurídico autônomo; no sentido (b), não. E mais: teríamos um instituto constitucional ou inconstitucional; Lastreado em texto de Lúcio Delfino e Fernando Rossi[2], considerei que o critério analítico mais consistente e seguro para identificar quais funções processuais são de parte e quais são de juiz é o do contraditório como situação jurídica relacional (convicção reforçada com o advento da tese do processo como garantia contrajurisdicional de liberdade, de Eduardo José da Fonseca Costa[3]). Sendo o contraditório uma situação jurídica relacional que encerra direitos das partes e deveres do juiz, concluí que tudo que pode ser reduzido a situação jurídica ativa decorrente do contraditório é função processual privativa das partes, enquanto tudo que pode ser reduzido a situação jurídica passiva decorrente do contraditório é função processual privativa do juiz. Logo, se o conteúdo do que se entende por dever de auxílio = sentido (a), então ele é inconstitucional; se = sentido (b), é constitucional (embora aí a expressão “dever de auxílio” revele toda a sua precariedade semântica); No ponto, dei especial atenção ao posicionamento de Fredie Didier Jr., para quem a consagração de um dever geral de auxílio não é possível (“a tarefa de auxiliar as partes é do seu representante judicial: advogado ou defensor público”), nem recomendável (“é simplesmente imprevisível o que pode acontecer se se disser ao órgão julgador que ele tem um dever atípico de auxiliar as partes”), embora admita a outorga de “deveres típicos de auxílio, por expressa previsão legal”. O autor prefere falar em dever de zelar pelo efetivo contraditório em vez de dever de auxílio, pois aquela “tem designação mais precisa e, por isso, abrangência mais restrita; cumpre-se o dever com adequações do processo feitas pelo juiz em situações excepcionais”[4]; Ao repelir o dever geral de auxílio por considerar que essa é uma função do advogado lato sensu e ao considerar que não é recomendável instituí-lo por ser imprevisível o que o juiz poderia fazer, o autor parece relacionar o dever de auxílio à quebra de imparcialidade (ou seja, dever de auxílio = sentido (a)). Por outro lado, não fica claro se os deveres específicos de auxílio mediante expressa previsão legal poderiam alcançar também o sentido (a) ou apenas o sentido (b). Argumentei que toda gradação em direção ao sentido (a) é injustificável, pois o seu problema não é de extensão, mas de existência; de an, não de quantum; Como naquele texto colhi definição[5] e alguns exemplos que me levaram a crer que (pelo menos em algumas situações) alguns cooperativistas acedem com o dever de auxílio no sentido (a), concluí que: 1º) do ponto de vista normativo, ao desenvolver – muito bem, friso – a dimensão discursiva da tese da divisão equilibrada de tarefas, mas se manter alheio à sua dimensão funcional (onde a imparcialidade, sobretudo a objetivo-funcional, atua), um elemento nuclear das pretensões normativas do cooperativismo se põe em desalinho com a CRFB[6]; 2ª) do ponto de vista metodológico, o cooperativismo permanece chumbado às teses centrais do processualismo científico (=a jurisdição como centro da epistemologia processual e o consequente protagonismo do juiz na dinâmica processual); Sobreveio interessante publicação de Hermes Zaneti Jr. sobre a cooperação, com reflexos sobre a compreensão do dever de auxílio[7]. Segundo o autor, a cooperação, além de modelo, é “princípio, regra e procedimento, atuando como norma fundamental no nosso ordenamento e, consequentemente, gerando obrigações típicas e atípicas ao longo de todo o arco processual” (p.146); permite que o conflito “seja tratado de maneira adequada, célere, moderna, barata, flexível, útil, voltada para o usuário, sábia e justa” (p.144); é a alternativa contemporânea para a adoção de uma “postura mais humana e inteligente – a essência da nossa justiça civil” (p.144); tem como foco “a cooperação para com o processo e os deveres recíprocos que as partes, o juiz e todos aqueles que de qualquer forma atuam no processo, têm entre si uns para com os outros” (p. 142); ao adotá-la o CPC propõe uma mudança de paradigma (p.153); Embevecido por essa visão extremamente ambiciosa e idealizada da cooperação (e dos sujeitos que nela vão operar), sustenta que ela “não é para as partes ou para o juiz” (p.147), “a cooperação é para com o processo” (p.153). Por tudo, “a eficácia normativa do princípio da cooperação independe, portanto, da existência de regras jurídicas expressas” (p.147); Em relação ao dever de auxílio, objeta o entendimento de Fredie Didier Jr., acima referido, defendendo a existência de um dever genérico de auxílio nesses termos: “Entendemos que o argumento da ‘imprevisibilidade do comportamento do juiz’ é subjetivo e, portanto, desborda do caráter objetivo que empregamos para os deveres de cooperação do juiz para com o processo. O juiz ao auxiliar a parte auxilia a obtenção do resultado justo e adequado do processo”. (p.148, nota de rodapé n.19); Não farei um exame amplo do texto. Apenas verificarei se a articulação entre a cooperação para com o processo e a sua leitura do dever de auxílio me leva a superar as conclusões que defendi em 2017; A leitura do texto em liça conduz à conclusão de que a sua tese central (“a cooperação é para com o processo”) é a defesa de uma concepção ampla e forte de cooperação intersubjetiva; Com efeito, cooperativistas divergem quanto à extensão subjetiva dos deveres de cooperação (do juiz com as partes, das partes com o juiz, das partes entre si etc.). Ao falar em “cooperação para com o processo”, nosso autor pretende superar essa discussão. A proposta invoca o Art. 6º, CPC, para defender que todos os sujeitos que participem de qualquer modo do processo devem cooperar entre si; Tal leitura, contudo, não é capaz de alterar a realidade. Toda cooperação é intersubjetiva. Pessoas cooperam umas com as outras, não com entes inanimados: ao inverter o ônus da prova o juiz coopera com a parte beneficiada pela inversão; ao aclarar os termos de sua postulação a parte coopera com o juiz, que poderá decidir melhor, e com seu adversário, que terá melhores condições de se defender, etc. Impossível diluir indivíduos concretos na abstração de um ente de cultura como o processo, máxime porque não é sobre este que os seus efeitos atuam, mas (direta ou indiretamente) sobre a vida, a liberdade e o patrimônio (individual ou coletivo) dos que são por ele implicados; Talvez seja verdade que a adesão a qualquer tese (não estou me referindo especificamente à tese em consideração, portanto) seja menos uma questão de aderência ao direito da comunidade política do que à sua capacidade de persuadir o auditório (por várias razões, como uma tradição mais ou menos republicana, o momento político, a contingência social, o imaginário difundido nas obras e bancos universitários etc.). Defender uma leitura forte da cooperação é uma lídima questão de escolha (escolha orientada, mas escolha) e ela disputará espaço com tantas outras. Por mais que eu não me veja adotando-a, sei que muita gente enxerga boas razões para adotá-la – a começar por seu defensor. Sendo assim, descabe turvar a obviedade de que ela implica em uma aguda cooperação intersubjetiva. Isso pode ser defendido serenamente[8]. E que soe como tiver que soar aos ouvidos que pretende dobrar; Em face do que foi dito acima, se “o juiz ao auxiliar a parte auxilia a obtenção do resultado justo e adequado do processo”; se esse resultado atuará sobre a esfera jurídica da(s) parte(s); então, o juiz ao auxiliar auxilia a(s) parte(s); De modo que o fundamento de que “a cooperação é para o processo” e que “o juiz ao auxiliar auxilia a obtenção do resultado justo e adequado do processo” padece de uma dupla privação: não demonstra (i) a existência (válida, pelo menos) do dever de auxílio e (ii) que ao auxiliar para a obtenção do resultado justo e adequado do processo juiz não assume função de parte. Sobre (i), encerra uma petitio principii, dado que a conclusão está nas premissas: 1. O dever de auxílio permite a obtenção de resultado justo e adequado; 2. O juiz tem o dever de produzir resultado justo e adequado; logo, o dever geral de auxílio existe[9]. O argumento não decorre do desencadeamento lógico das premissas, e essa circularidade tolhe sua consistência. Sobre (ii), evidencia que a dimensão funcional da tese da divisão equilibrada de tarefas entre o juiz com as partes constitui o ponto cego do cooperativismo. De fato, o texto não fornece nenhum critério para, em concreto, definirmos como o juiz pode “auxiliar a parte para a obtenção do resultado justo e adequado do processo” sem se perverter funcionalmente – nem se contaminar psiquicamente, acresça-se; Minha hipótese é que isso decorre da hipertrofia que o cooperativismo confere à dimensão discursiva da tese da distribuição equilibrada de tarefas, i,.é, pela pressuposição de que a estrita vinculação do juiz às dimensões fortes do contraditório e da fundamentação basta para preservar a sua imparcialidade. Há dois equívocos aí: primeiro, supor que a fundamentação é suficiente para controlar as quebras de imparcialidade subjetivo-psíquica; segundo, desconsiderar a dimensão objetivo-funcional da imparcialidade (=impartialidade), que responde pela dimensão funcional da tese da divisão equilibrada de tarefas; A quebra da imparcialidade subjetivo-psíquica pode ser inconsciente, consciente não declarada e consciente declarada, e ela não necessariamente avulta da leitura da decisão. Pelo contrário, no caso de quebra consciente não declarada o julgador se valerá meticulosamente da fluidez da linguagem para turvar suas motivações inconfessáveis, ao passo em que a quebra inconsciente escapa ao controle até mesmo do prolator da decisão. Seja como for, o jurista não domina a ciência e a arte necessárias para desvendar os meandros do universo intrapsíquico do humano-juiz. Claro que os deveres de diálogo e de consulta são inegociáveis – e, repito, os cooperativistas prestaram imensa contribuição para a sua precisa compreensão – e que a circularidade por etapas no trajeto entre a motivação-ação e a motivação-resultado deve ser fomentada por ser uma alternativa promissora de treinar os juízes a constituírem o hábito (=disposição constante ou relativamente constante para ser ou agir de certo modo) de se deixarem levar pelos condicionamentos/constrangimentos externos (alegações e provas das partes, constituição, leis, jurisprudência, doutrina), e, não, por suas paixões autocentradas, disciplinando-os na imparcialidade[10]-[11]. Mas seríamos muito pretensiosos (para não dizer ingênuos) se achássemos que isso é capaz de aniquilar a quebras de imparcialidade subjetivo-psíquica, desprezando, inclusive, as inflexões que nos são impostas pelas conquistas científicas dos vieses cognitivos[12], que alcançam até mesmo a inteligência artificial[13]. O que nos resta – e não é pouco! – é a motividade escrita em sentido estrito, e o que podemos fazer com base nela – também não é pouco! – é o constante exercício de constrangimento epistemológico (Lenio Streck), na esperança de que isso os motivem a podar seus instintos. Ao fim e ao cabo, a relação entre fundamentação e imparcialidade subjetivo-psíquica se dá muito mais nos termos da confiança que temos (e devemos ter) no compromisso pessoal dos juízes não decidirem ao sabor das suas idiossincrasias (inclusive suas inclinações pró o contra a(s) parte(s)), que da viabilidade efetiva do seu controle jurídico; Sendo assim, é injustificável a pouca atenção dispensada pelos cooperativistas à dimensão funcional da tese da divisão equilibrada de tarefas. Há limites funcionais que o juiz não pode extrapolar, mesmo que se aja sob o contraditório e à fundamentação. O juiz que, v.g., orienta o autor a alterar o pedido, para torná-lo mais conforme ao entendimento jurisprudencial[14], age como advogado que dá aconselhamento estratégico; deixa de ser juiz (ao menos naquele momento). Ele não pode fazê-lo simplesmente porque não é sua função, porque quebra a impartialidade, sendo totalmente irrelevante saber se isso também custou sua imparcialidade subjetivo-psíquica. E não mudaria nada se disséssemos que, ao fazê-lo, i.é, ao “auxiliar a parte auxiliou a obtenção de resultado justo e adequado do processo”. Não estou afirmando que (nem sei se) o nosso autor concorda com esse exemplo. Isso não importa. Trago-o à baila apenas para demonstrar que não há resultado justo e adequado do processo apesar da (quebra de) impartialidade[15] - afinal, os fins não justificam os meios, os meios é que legitimam os fins; Mesmo que eu seja intransigentemente contrário à concessão de dever de auxílio ao juiz no sentido (a), tenho claro que o seu deferimento através de cláusula geral é muito mais problemático do que através de regra stricto sensu; Através de regra jurídica stricto sensu o dever de auxílio de fato impede que o juiz se torne uma espécie de tutor processual que sempre virá em socorro do sujeito débil, mal assistido etc. O padrão dotado de grande densidade normativa torna mais previsível e, consequentemente, factível o controle do exercício dessa função in casu. Através de cláusula geral, porém, a baixa densidade normativa (própria das cláusulas gerais, em geral, e daquelas pouco desenvolvidas dogmática e jurisprudencialmente, como o dever de auxílio) confere uma amplíssima margem de liberdade ao juiz e reduz dramaticamente o seu controle, impedindo que se possa antever quando e como ele pode auxiliar as partes sem que, ao fazê-lo, se abastarde em juiz contraditor; Demarcar o tema através de termos tão porosos redunda na concessão de competência para o juiz definir suas próprias competências processuais, permitindo que faça tudo o que considerar (subjetivamente, pois não?) necessário para alcançar o resultado “adequado e justo” do processo, introduzindo o debate sobre o que é justiça até mesmo na definição das funções processuais do juiz e das partes, criando mais uma zona de insegurança jurídica; Bem vistas as coisas, penso que a defesa da cláusula geral de auxílio põe em xeque dois postulados teóricos caros à epistemologia cooperativista, não só confirmando como aprofundando as minhas convicções manifestadas no texto de 2017; Em primeiro lugar, a concessão de competência para o juiz definir suas próprias competências funcionais cria as condições para ele se tornar o sumo protagonista do processo, em direção diametralmente oposta à horizontalização anti-hierárquica alegadamente almejada pelo modelo cooperativo. Em segundo lugar, essa permissividade revela uma disciplina pensada a partir do Estado (por isso, também, das virtudes subjetivas de um juiz idealizado, cuja transposição para o mundo real não se dará sem sobressaltos, dado que entre magistrados de carne e osso, como em todos os seres humanos, há vícios e virtudes que se manifestam em maior ou menor dedicação, disposição, interesse, paciência, vaidade, ego, reverência ao direito etc. que não devem ser desconsiderados no legislar e no doutrinar), negando o postulado de que o centro da epistemologia cooperativista é o processo, não a jurisdição[16]; É sintomático que se inspire na tese de que “a prova é para o processo”, noção tributária dos laivos do instrumentalismo derivado da Escola Sistemática italiana, capitaneada por Giuseppe Chiovenda, por sua vez contagiada pelo “vírus autoritário” do publicismo processual gestado por Franz Klein, cujo produto notório é a ordenança processual austríaca de 1895[17], que foi servil os ordenamentos totalitários[18]. A tese de que “a prova é para o processo” é corolário da retórica de que o processo acode interesse público, que sempre serviu para justificar a desvinculação da atividade probatória do interesse privado das partes e legitimar o agigantamento dos poderes de condução material do juiz, guindado ao centro da atividade probatória. Tudo fração de um fenômeno mais amplo: o mito do interesse público sempre serviu para naturalizar o domínio de todo o processo pelo Estado-juiz, velando a sua gênese de instituição de garantia de liberdade do cidadão para distorcê-lo em instrumento (à disposição) do Estado[19], no que revela sua faceta de projeto de poder[20]; A ideia da cooperação para com o processo e a expansão dos poderes funcionais do juiz via cláusula geral de auxílio se insere nessa tradição inautêntica de sufocamento do processo[21], tisnando os referidos postulados da epistemologia cooperativista, o que não só confirma como aprofunda minhas convicções de 2017 – daí promover um giro não de 180º, mas de 360º; Os cooperativistas de nomeada o são desde muito antes do CPC/15 e sempre defenderam seus postulados normativos centrais de lege lata. Por essa razão, não podem atribuir ao Art. 6º, CPC, o status de fonte dos deveres gerais de cooperação, em geral, e do dever geral de auxílio, em particular. Ora o dispositivo não pode ser fonte (=origem, proveniência, foco criador[22]) de algo que precede à sua existência; Uma alternativa é dizer que o dispositivo apenas explicita a norma atribuída ao princípio da cooperação, este a fonte de tais deveres. Duas razões fragilizam o argumento, porém: primeiro, está longe ser pacífico o reconhecimento da existência do princípio da cooperação[23] - aliás, acertadamente Igor Raatz denuncia que ainda nos ressentimos da ausência de um estatuto epistemológico dos princípios processuais[24]; segundo, o dever geral de auxílio não é unanime sequer entre os cooperativistas; Aliás, cooperativistas nutrem significativas divergências internas mais ou menos abrangentes. Numa dimensão mais abrangente, v.g., Fredie Didier Jr. sustenta que uma das bases do modelo cooperativo é o princípio do respeito ao autorregramento da vontade[25], o que não é compartilhado (certamente não com a mesma intensidade) por Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Numa dimensão menos abrangente, por consequência, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira sustentam que, sendo válido, o negócio jurídico processual de disposição do direito de produzir determinada prova vincula o juiz, impedindo-o de suplementar a atividade probatória das partes ex officio[26], o que encontra firme oposição em Luiz Guilherme Marinoni[27]. Aliás, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, revelam uma nítida aversão aos negócios jurídicos processuais, por eles considerados corolários da privatização do processo civil, uma perversão que o desgarra de seus nobres fins – por isso defendem que o juiz não é vinculado sequer pela convenção típica de escolha do perito, ao contrário do que prescreve o Art. 471, CPC[28]. Uma chave de leitura para compreender esses desacordos, aí incluído aquele sobre o dever geral de auxílio, seja a maior ou menor identificação com a ideologia publicista por parte dos opoentes. Mas isso fica para outra ocasião; Não digo isso para menoscabar a cooperação. Desacordos internos existem, em maior ou menor medida, em todas as epistemologias, razão pela qual, por si sós, não depõem necessária e definitivamente contra ela e seus adeptos. Entretanto, todo dissenso interno (não somente entre cooperativistas, pois) deve(ria) inspirar a adoção de uma postura que chamarei de epistemologia da prudência (ou epistemologia prudente, se o leitor preferir); Com isso quero dizer o seguinte: os próprios parceiros de trincheira epistemológica deve(ria)m medir quantitativa e qualitativamente suas divergências, lançando luz sobre quais são as teses convergentes que compõem o seu common ground e quais são as teses divergentes que individualizam o pensamento de cada um. De um lado, isso contribui para o grupo teórico conferir maior coesão (e, provavelmente, maior consistência) às suas teses, e, de outro, impõe a cada pensador a responsabilidade de bancar, por sua e conta e risco, as teses que são só suas, não do grupo. Claro que isso não impede ninguém de defender (ardorosamente, inclusive) teses e/ou subteses próprias e isoladas, mas é bem provável que ao se encontrar sozinho no púlpito diante de uma plateia sedenta por explicações robustas o teórico seja mais cuidadoso e, quiçá, até defenda teses mais modestas; Ao menos em relação ao dever geral de auxílio, há muito chão a percorrer até que a tese de que a eficácia normativa do princípio da cooperação independe da existência de regras expressas soe consistente entre cooperativistas e convincente para não cooperativistas. Ajudará a formar maiores consensos ou a aprofundar os dissensos quando os cooperativistas nos fornecerem um conceito operativo mais minucioso de dever de auxílio e exemplos que não se limitem a regras legais expressas) https://emporiododireito.com.br/leitura/17-do-dever-de-auxilio-do-juiz-com-as-partes-ao-dever-de-auxilio-do-juiz-com-o-processo-um-giro-de-360
Autor: Mattosinho Advocacia Criminal

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