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Considerações sobre a Lei 13.491-17 (Competência da Justiça Militar) - 15/01/2018
Considerações sobre a Lei 13.491-17 (Competência da Justiça Militar) (No dia 13 de outubro de 2017, foi publicado no DOU a Lei 13.491, que altera o Decreto-Lei no 1.001/69 - Código Penal Militar, para, além de outras providências, ampliar a competência da Justiça Militar; A lei em análise altera a redação do Art. 9° do Código Penal Militar, transferindo para a Justiça Militar da União o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis, quando praticado no contexto de manobras militares específicas[1], o que até então era competência da Justiça Comum. Ainda, arrasta para a competência da Justiça Militar o julgamento de crimes tipificados fora do Código Penal Militar[2], quando verificadas as situações de atividade ou interesse militar, i.e., as descritas nas alíneas "a" a "e" do inciso II; Registramos, por pertinente, que a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida de civil cometidos por militares dos Estados não foi alterada, permanecendo sob responsabilidade do Tribunal do Júri, perante a Justiça Comum[3]; Art. 9ºdo COM: Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. §1° Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.§ 2° Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no Art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: a) Lei n.° 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar n 97, de 9 de junho de 1999; c) Decreto-Lei n.° 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e d) Lei n.° 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral; Os dispositivos em destaque ampliam sobremaneira a competência da Justiça Militar para o processo e julgamento de crimes praticados por militares, ainda que praticado contra vítima civil, e, ainda que o crime esteja tipificado fora do Código Penal Militar; De acordo com a nova redação do inciso II, todo e qualquer crime praticado por militar em serviço ou no exercício da função (conforme descrição das alíneas “a” a “e” do dispositivo) será julgado pela Justiça Castrense, ainda que a conduta criminosa não esteja tipificada no Código Penal Militar, exceto na hipótese do §1°, i.e., crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual. Dessa forma, crimes como o abuso de autoridade (Lei 4.898/65) e a tortura (Lei 9.455/97), por exemplo, deverão ser julgados pela Justiça Militar; Na mesma toada, o §2° prevê que os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União quando praticado nas situações descritas nos incisos I a III do dispositivo; Frise-se que o suposto “rol taxativo de hipóteses” (excepcionais?), inaugurado pelo §2°, do artigo 9º, do CPM, apresenta, na verdade, uma amplitude lingüística que se presta a qualquer situação de (ab)uso; Fatidicamente, a descrição das condutas típicas que serão objeto de apreciação, processo e julgamento pela Justiça Militar recebem o aval circunstancial demasiadamente aberto da lei, sendo bastante difícil restringir sua incidência; A partir da redação do §2° Cabette[7] leciona que: Não há inconstitucionalidade na alteração, vez que a Constituição Federal, quanto aos Militares da União, apenas dispõe em seu artigo 124 que cabe à Justiça Militar “processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Assim sendo, no campo da Justiça Militar Federal, a competência está atrelada ao conceito do que seja “crime militar” e esse conceito é atribuído, pela própria CF, à lei ordinária. Quando o Código Penal Militar define como crime militar, mesmo o homicídio de civil por militar em dadas circunstâncias, apenas cumpre o mandamento constitucional de proceder à definição de crime militar e, por reflexo, delimitar a competência da Justiça Militar Federal. Observe-se que quando se trata na CF da competência da Justiça Militar Federal, não existe previsão de ressalva quanto aos crimes dolosos contra a vida de civil (vide artigos 122 a 124, CF); Concordamos com o autor quanto ao fato de que a nova redação do dispositivo em comento, ao que tudo indica, não contraria a CF. Aliás, tecnicamente, nem a redação do inciso II contraria a Constituição, uma vez que tudo gira em torno do conceito de crime militar, que foi delegado à lei infraconstitucional[8]; Na esteira desse entendimento, constatamos que a Lei 13.491/17, muito embora esteja em conformidade com a Constituição, passando, portanto, pelo controle de constitucionalidade, não está de acordo com a legislação internacional que o Brasil foi signatário, não passando, assim, pelo controle de convencionalidade; Para reforçar o argumento escandido, lembre-se que o controle de constitucionalidade tem por fim a garantia de unidade e coerência do ordenamento jurídico, enquanto que o controle de convencionalidade é complementar, implicando em um reforço à proteção dos direitos humanos do ponto de vista internacional. Nesse ponto, segundo nosso entendimento, as alterações produzidas pela Lei não são compatível com tratados e convenções que o Brasil se obrigou a cumprir; A Lei 9.299/96 já havia alterado o Art. 9° do Código Penal Militar para determinar, no então parágrafo único, que "os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum". Ou seja, em 1996 os crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar foram despidos da natureza de crime militar[9]; Este tratamento especial em relação aos crimes dolosos contra a vida, introduzido ainda pela Lei 9.299/96, foi feito com o intuito do harmonizar a legislação pátria com diversos diplomas internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que orientam o combate sério e imparcial aos crimes desta natureza; Aliás, é importante registrar que a Organização das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos rechaçam de forma categórica as alterações feitas pela Lei 13.491/17 ao ampliar a jurisdição da Justiça Militar. Ambas as entidades têm argumentado há muitos anos que a investigação e o julgamento por tribunais militares de denúncias de violações de direitos humanos cometidas por militares, mormente no que se refere a praticas criminosas contra civis, impedem uma investigação independente e imparcial realizada por autoridades judiciais não vinculadas à hierarquia de comando das próprias forças de segurança[10]; Dessa forma, ao ampliar a competência da Justiça Militar para o julgamento de crimes nos quais não há nenhuma afetação de interesse militar, a Lei 13.491/17 promove o enfraquecimento da política de proteção máxima aos direitos fundamentais. Em outras palavras, em notória afronta ao "efeito cliquet", há visível retrocesso da tutela dos direitos fundamentais, que, no plano interno, representam a sombra dos direitos humanos; Inclusive, deve ser ressaltado que o sistema Interamericano de Direitos Humanos entende que a Justiça Castrense não possui competência para investigar e processar os autores de supostas violações de direitos humanos. Assim, para os países que ainda mantêm a Justiça Militar, a orientação é de que deve haver um alcance restritivo, relacionado unicamente a bens jurídicos específicos de ordem militar, nunca sendo responsável por supostas violações de direitos humanos[12]; Dessa forma, referimos que a Lei 13.491/17 é incompatível com o ordenamento jurídico internacional a que o Brasil está obrigado, conforme Decretos 592/92 e 678/92, que promulgaram, respectivamente, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e a Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos) https://jus.com.br/artigos/61673/consideracoes-sobre-a-lei-13-491-17-competencia-da-justica-militar