Você tem garantias e direitos, portanto, conte com o seu Advogado de confiança para defendê-lo (a)
Notícias
Artigos
A teoria da cegueira deliberada e sua aplicação nos crimes de lavagem de dinheiro no Brasil - 19/12/2018
A teoria da cegueira deliberada e sua aplicação nos crimes de lavagem de dinheiro no Brasil (A criminalização da conduta de lavagem de dinheiro em nossa legislação pátria veio através da Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, que apresentava um rol taxativo de crimes antecedentes para que se caracterizasse a lavagem de dinheiro, tendo o agente criminoso que ter conhecimento de que tais bens fossem oriundos de um dos crimes constantes do rol taxativo da lei, estabelecendo também obrigações administrativas para quem exercesse atividade em setor sensível a esquemas de lavagem de dinheiro, bem como criou o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras); Posteriormente, a fim de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, o legislador pátrio entendeu fazer, por bem, algumas alterações na Lei n° 9.613/98, surgindo assim a Lei n° 12.683, de 9 de julho de 2012. Dentre as mudanças, ocorreu a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes para caracterizar o delito de lavagem de dinheiro, passando agora a valer para toda e qualquer infração penal[2] para que reste caracterizado o delito, assim como houve também a inclusão de novas obrigações administrativas, as quais se submetem a um rol mais amplo de pessoas e entidades; Prevê, o tipo penal de lavagem de dinheiro, in verbis: Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa[3]. § 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.[4] (BRASIL, 2016, p. 1773); Os verbos do tipo penal são ocultar e dissimular, ocultar é ato de esconder a coisa, tirar de circulação, subtrair da vista. Significa o conceito de uma atividade em que se procura atrapalhar ou dificultar o encontro da coisa, decorre de um simples encobrimento da coisa por intermédio de qualquer meio, contanto que o agente execute com o intento de, futuramente, converter o bem ou valor em ativo lícito (LIMA, 2016); Dissimular significa, conforme o ensinamento de Lima (2016, p. 311), “encobrir, disfarçar, escamotear, tornar invisível ou pouco perceptível, ou seja, qualquer operação efetuada pelo agente para dificultar ainda mais o rastreamento dos valores. Pela dissimulação, que funciona como uma segunda etapa do processo de lavagem, o agente visa garantir a ocultação, proporcionando uma tranquila fruição dos valores ocultados e, acima de tudo, a impunidade. Dissimulação deve ser interpretada, portanto, como ocultação com fraude ou garantia de ocultação”; Verifica-se, no tipo penal, duas condutas diferentes ligadas a mesma pena, tratando-se de crime de ação múltipla com núcleos disjuntivos, de modo que restará consumado o crime, quando houver a execução de qualquer das condutas tipificadas (BADARÓ; BOTTINI, 2013); O tipo penal de lavagem de dinheiro é considerado de natureza complexa, pois a Lei abarca vários núcleos relacionados à conduta delitiva. O tipo penal, em sua essência, remete a uma infração penal antecedente, por isso é classificado como um crime derivado, acessório ou, ainda, parasitário; Insta salientar que a simples guarda ou transporte físico do produto do crime, sem intenção de ocultação ou dissimulação, não configura o crime de lavagem de dinheiro, bem como a utilização de maneira aberta do produto do crime, posto que, se o agente usa o dinheiro oriundo de uma infração, a fim de comprar bens em seu nome, não há que se falar em lavagem de dinheiro, pois não há ocultação, tampouco dissimulação, sendo simples aproveitamento do produto do crime (LIMA, 2016); Conforme assevera Bitencourt (2016, p. 356), “[...] O tipo subjetivo abrange todos os aspectos subjetivos do tipo de conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo. O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral — dolo —, que, por vezes, é acompanhado de elementos especiais — intenções e tendências —, que são elementos acidentais [...] Os elementos subjetivos que compõem a estrutura do tipo penal assumem transcendental importância na definição da conduta típica, pois é através do animus agendi que se consegue identificar e qualificar a atividade comportamental do agente. Somente conhecendo e identificando a intenção — vontade e consciência — do agente poder-se-á classificar um comportamento como típico” (grifo do autor); O elemento subjetivo dos crimes previstos na Lei 9.613/98 é o dolo, definido, segundo Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 420), “como a vontade realizadora do tipo objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto”; Não se admite a punição da lavagem de dinheiro a título de culpa na legislação pátria, nos termos do Código Penal, Art. 18, II. O crime culposo ocorre quando há adequação do tipo objetivo não desejada pelo agente, quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, posto que o delito culposo só pode existir quando expressamente previsto em tipo legal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011); Não é necessária a participação na infração antecedente para que se possa ser sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro, hodiernamente percebe-se uma tendência universal em se terceirizar a ação de lavagem de dinheiro, sendo raro a coincidência entre o autor do crime de lavagem e do autor do crime antecedente (LIMA, 2016); Não exige abertamente, a Lei nº 9.613/98, consoante Lima (2016, p. 318), “conhecimento específico acerca dos elementos e circunstâncias da infração antecedente, subentende-se que o dolo deve abranger apenas a consciência de que os bens, direitos ou valores objeto da lavagem são provenientes, direta ou indiretamente, de uma infração penal. Será dispensável, pois, o conhecimento do tempo, lugar, forma de cometimento, autor e vítima da infração precedente”; Consoante o Art. 18, I, do Código Penal, diz-se que o crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, escolhendo o legislador por equiparar estas duas espécies, quais sejam, o dolo direto e o dolo eventual; A diferença entre o dolo direto e o dolo eventual é que, no dolo direto, o agente deseja o resultado representado como fim da sua ação, sendo guiado pelo seu desejo à realização do fato típico, portanto, o objeto do dolo direto é o fim que se propôs o agente, os meios decididos por ele e os efeitos colaterais imprescindíveis à efetuação do objetivo. Já no dolo eventual, o agente não quer diretamente a realização do tipo, mas anui como possível, ou até provável, aceitando o risco de produzir o resultado (BITENCOURT, 2016); Consoante lição de Bitencourt (2016, p. 364), “o dolo eventual não se confunde com a mera esperança ou simples desejo de que determinado resultado ocorra”, todavia, se o sujeito desconhece com precisão os elementos solicitados pelo tipo objetivo, e mesmo duvidando de sua existência, se atuar admitindo tal possibilidade, restará configurado o dolo eventual (BITENCOURT, 2016); O dolo eventual, conceituado em termos mais simples, segundo Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 434), “é a conduta daquele que diz a si mesmo "que aguente", "que se incomode", "se acontecer, azar", "não me importo"; O dolo eventual encontra-se em uma zona intermediária entre o dolo direto e a culpa, sendo necessário que reste claro a sua diferença em relação a esta, especificamente, a “culpa consciente”, pelo fato de também supor a realização da conduta típica como possível consequência da conduta; A fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente é um terreno duvidoso, tanto no âmbito processual, quanto no âmbito do direito penal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011); Esclarecem Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 450) que “culpa consciente, aquela em que o sujeito ativo representou para si a possibilidade da produção do resultado, embora a tenha rejeitado, na crença de que, chegado o momento, poderá evita-lo ou simplesmente ele não ocorrerá. Este é o limite entre a culpa consciente e o dolo [...]. Aqui há um conhecimento efetivo do perigo que correm os bens jurídicos, que não se deve confundir com a aceitação da possibilidade de produção do resultado, que é uma questão relacionada ao aspecto volitivo e não ao cognoscitivo, e que caracteriza o dolo eventual. Na culpa com representação, a única coisa que se conhece efetivamente é o perigo”; No que tange aos crimes dolosos, via de regra, os tipos penais admitem tanto a modalidade do dolo direto, quanto a do dolo eventual, conforme expõe Sérgio Moro (2010, p. 48), “Não há uma enumeração de tipos penais específicos que comportem o dolo eventual, embora existam alguns tipos cuja interpretação exclua essa possibilidade. Uma das fórmulas possíveis é exigir no tipo penal o conhecimento pleno do resultado delitivo, afastando a possibilidade de configuração pelo mero conhecimento da probabilidade de sua ocorrência. Assim por exemplo, a configuração da denunciação caluniosa exige o conhecimento pleno de que se imputa crime a um inocente[5]. Da mesma forma, o tipo penal da receptação dolosa exige que o agente tenha conhecimento pleno da origem e natureza criminosa do bem envolvido, por força de previsão legal específica[6]. Em ambos os casos, não basta que o agente tenha o resultado delitivo como provável”; Ademais, o texto do tipo penal aponta que a punição de tais crimes somente é admitida através do dolo direto; Esclarece Lima (2016, p. 321), “na medida em que o caput do Art. 1°, bem como os tipos penais do § 1° e do § 2°, inciso I, da Lei n° 9.613/98, não fazem uso de expressões equivalentes, inexistindo referência à qualquer circunstância típica referida especialmente ao dolo ou tendência interna específica, conclui-se que é perfeitamente possível a imputação do delito de lavagem tanto a título de dolo direto, quanto a título de dolo eventual” (grifo do autor); O mesmo não aconteceu com o tipo penal do Art. 1°, § 2°, inciso II, preconizando que incorre na mesma pena do crime de lavagem de capitais quem "participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei". Por não ter sido retirada a expressão "tendo conhecimento", permanece esta figura delituosa como o único meio de lavagem de capitais, que é punido apenas na modalidade de dolo direto (LIMA, 2016); A doutrina brasileira é dividida no que tange à admissão ou não do dolo eventual no crime de lavagem de dinheiro. Enquanto que Antônio Pitombo e Marco Antônio Barros acolhem que o crime de lavagem exige o dolo direto, há outros, como Rodolfo Tigre Maia e William Terra de Oliveira, que aceitam o dolo eventual, arrimados os que aceitam o dolo eventual na falta de restrição legal (MORO, 2010); Para Sérgio Moro (2010, p. 54), “muito embora não haja previsão legal expressa para o dolo eventual no crime do Art. 1.°, caput, da Lei n. 9.613/98 (como não há em geral para qualquer outro crime no modelo brasileiro), há a possibilidade de admiti-lo diante da previsão geral do Art. 18, I, do CP e de sua pertinência e relevância para a eficácia da lei de lavagem, máxime quando não se vislumbram objeções jurídicas ou morais para tanto” (grifo do autor); Na definição de Barros e Silva (2015, p. 231), a teoria da cegueira deliberada, “constitui uma tese jurídica por meio da qual se busca atribuir responsabilidade penal àquele que, muito embora esteja diante de uma conduta possivelmente ilícita, se autocoloca em situação de ignorância, evitando todo e qualquer mecanismos apto a conceder-lhe maior grau de certeza quanto a potencial antijuridicidade”; Segundo Lima (2016, p. 326), em virtude dessa teoria, “aquele que renuncia a adquirir um conhecimento hábil a subsidiar a imputação dolosa de um crime responde por ele como se tivesse tal conhecimento”; Personifica essa situação, o comerciante de joias que suspeita que alguns de seus clientes possam estar lhe pagando pela compra de joias com dinheiro sujo, com o fito de ocultar a proveniência ilícita dos valores, escolhendo, assim mesmo, criar barreiras para não tomar conhecimento de informações mais precisas de seus clientes (LIMA, 2016); A doutrina da cegueira deliberada tem sido admitida pela justiça norte-americana quando presentes dois requisitos, quais sejam, quando há prova de que o agente tinha ciência da alta possibilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos eram oriundos de infração penal, e quando o agente age de maneira indiferente a tal ciência (MORO, 2010); É possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual, segundo Badaró e Bottini (2013, p. 101), “nos casos de criação consciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento de indícios sobre a proveniência ilícita de bens, nos quais o agente represente a possibilidade da evitação recair sobre atos de lavagem de dinheiro”; As construções acerca da cegueira deliberada, segundo Sérgio Moro, “assemelham-se, de certa forma, ao dolo eventual da legislação e doutrina brasileira. Por isso, e considerando a previsão genérica do Art. 18, I, do CP, e a falta de disposição legal específica na lei de lavagem contra a admissão do dolo eventual, podem elas ser trazidas para a nossa prática jurídica” (2010, p. 53); Quem se dedica rotineiramente à lavagem de dinheiro, o profissional da lavagem, conforme Sérgio Moro (2010, p. 53-54), “é usualmente indiferente à origem e natureza dos bens, direitos ou valores envolvidos. O conhecimento pleno da origem e natureza criminosas é até mesmo indesejável porque pode prejudicar a alegação de desconhecimento em futura e eventual persecução penal. O cliente, ademais, também não tem interesse em compartilhar as informações acerca da origem e natureza específica do provento do crime. Quanto menor o número de pessoas cientes do ocorrido, tanto melhor. O lavador profissional que se mostra excessivamente “curioso” pode ou perder o cliente, ou se expor a uma situação de risco perante ele. O natural, nessas circunstâncias, é que seja revelado ao agente da lavagem apenas o necessário para a realização do serviço, o que usualmente não inclui mais informações sobre a origem e natureza do objeto da lavagem”; Uma vez presentes os requisitos exigidos pela doutrina da cegueira deliberada, quais sejam, a prova de que o autor tinha conhecimento da elevada possibilidade da natureza e proveniência criminosas dos bens, direitos e valores envolvidos e, mesmo assim optou por atuar e conservar-se alheio à ciência dos fatos, não se vê impedimento jurídico, tampouco moral para responsabilizá-lo pelo resultado criminoso, e com isso a decorrente condenação por lavagem de dinheiro, contanto que os elementos cognoscitivo e volitivo estejam presentes (MORO, 2010); No Brasil, a teoria da cegueira deliberada tornou-se conhecida, através de um caso que teve repercussão nacional, e foi usada, de maneira efetiva, para as condenações por lavagem de dinheiro. A teoria foi utilizada no Processo Criminal n° 2005.81.00.0145860 que versa sobre o furto ocorrido no Banco Central do Brasil, em Fortaleza-CE, em que uma quadrilha escavou um túnel de 89 (oitenta e nove) metros, e furtou a quantia de R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinquenta e cinco mil, cento e cinquenta de reais), em notas de R$ 50,00 (cinquenta reais). O valor roubado no assalto foi reconhecido como o maior da história brasileira e o segundo maior roubo a banco do mundo; A sentença em 1ª instância foi proferida pelo Juiz Federal Danilo Fontenelle Sampaio e, segundo Lima (2016, p. 327), “referida teoria foi utilizada como fundamento para a condenação de dois empresários, proprietários de uma concessionária de veículos, pela prática do crime do Art. 1°, V e VII,§ 1°, I,§ 2°, I e II da Lei 9.613/98, em virtude de terem recebido a quantia de R$ 980.000,00 (novecentos e oitenta mil reais), em notas de cinquenta reais em sacos de náilon, pela compra de 11 (onze) veículos, dentre eles 03 (três) Mitsubish L200, 02 (dois) Mitsubish Pajero Sport, e 01 (um) pajero Full, sendo que os acusados teriam recebido a quantia sem questionamento, nem mesmo quando a quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) foi deixada pelo intermediário para "futuras compras", tendo também se abstido de comunicar às autoridades responsáveis a movimentação suspeita”; Apesar da condenação dos dois empresários na 1º instância da Justiça Federal do Ceará, a sentença condenatória foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que os absolveu. Vale destacar importante trecho da sentença in verbis: [...] a transposição da doutrina americana da cegueira deliberada (willful blindness), nos moldes da sentença recorrida, beira, efetivamente, à responsabilidade penal objetiva; não há elementos concretos na sentença recorrida que demonstrem que esses acusados tinham ciência de que os valores por ele recebidos eram de origem ilícita, vinculada ou não a um dos delitos descritos na Lei n° 9.613/98. O inciso II do § 2° do Art. 1° dessa lei exige a ciência expressa, e não apenas o dolo eventual. Ausência de indicação ou sequer referência a qualquer atividade enquadrável no inciso II do § 2°. Não há elementos suficientes, em face do tipo de negociação usualmente realizada com veículos usados, a indicar que houvesse dolo eventual quanto à conduta do Art. 1°, § 1º, inciso II, da mesma lei; na verdade, talvez, pudesse ser atribuída aos empresários a falta de maior diligência na negociação (culpa grave), mas não dolo, pois usualmente os negócios nessa área são realizados de modo informal e com base em confiança construída nos contatos entre as partes.[15]”(grifo do autor); A sentença destaca, ainda, a relevância do fato de que o furto fora realizado na madrugada da sexta para o sábado, e a venda dos veículos ocorreu na manhã do sábado, porém o crime somente fora descoberto no início do expediente bancário, ou seja, segunda-feira, asseverando também que in verbis: [...] Não há, portanto, como fazer a ilação de que os empresários deveriam supor que a vultosa quantia em cédulas de R$ 50,00 poderia ser parte do produto do delito cometido contra a autarquia. A empresa, que explora a venda de veículos usados, não está sujeita às determinações dos arts. 9 e 10 da Lei 9.613/98, pois não se trata de comercialização de "bens de luxo ou de alto valor", tampouco exerce atividade que, em si própria, envolva grande volume de recursos em espécie. Ausência de ato normativo que obrigue loja de veículos a comunicar ao COAF, à Receita, à autoridade policial ou a qualquer orgão público a existência de venda em espécie. Mesmo que a empresa estivesse obrigada a adotar providências administrativas tendentes a evitar a lavagem de dinheiro, a omissão na adoção desses procedimentos implicaria unicamente a aplicação de sanções também administrativas, e não a imposição de pena criminal por participação na atividade ilícita de terceiros, exceto quando comprovado que os seus dirigentes estivessem, mediante atuação dolosa, envolvidos também no processo de lavagem (parágrafo 2°, incisos I e II)".[16]; Importa esclarecer que, à época, o Art. 1º, § 2º, I, da Lei nº 9.613/98, apenas admitia a punição a título de dolo direto, pois a norma solicitava que o agente utilizasse, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem oriundos de qualquer dos crimes antecedentes listados no rol que antes constava nos incisos do Art. 1º. Com a chegada da Lei nº 12.683/12, houve a derrogação da parte final do Art. 1º, § 2º, I, que, agora, passa a aceitar o dolo direto e o dolo eventual (LIMA, 2016); Outro caso de destaque, que envolve a utilização tanto do dolo eventual quanto da cegueira deliberada, o qual houve divergência nos votos, se deu ao longo do julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal, na ação penal nº 470, em Minas Gerais[17], conhecida por “caso do mensalão”[18]. Nessa ação foram condenados inúmeros réus, seja porque de alguma forma colaboraram para a montagem de um esquema de lavagem de dinheiro, ou se beneficiaram dele; Conforme o acórdão, os réus teriam praticado crimes contra a Administração Pública, dentre eles peculato e corrupção, crimes contra o sistema financeiro nacional, e, empós, ocultado ou dissimulado o produto oriundo de tais delitos por meio de um sistema de empréstimos simulados e saques encobertos de dinheiro em espécie; As manifestações dos Ministros do STF, por ocasião do julgamento da APN 470/MG, predizem uma tendência ao aceite do dolo eventual em todas as modalidades de lavagem de dinheiro (BOTTINI, 2015); Muito embora o julgamento tenha versado sobre fatos anteriores à nova Lei de lavagem de dinheiro, alguns Ministros adotaram o dolo eventual, aceitando sua admissão mesmo diante da redação anterior da Lei nº 9.613/98, nessa linha, a Min. Rosa Weber (Info STF 681) e o Min. Celso de Mello (Info STF 677), que inclusive citou expressamente que tal aceitação se apoiaria na teoria da cegueira deliberada. Porém, os Ministros Dias Toffoli (Info STF 683) e Marco Aurélio (Info STF 683), de maneira expressa rechaçaram o dolo eventual na lavagem de dinheiro, diante da redação do texto legal anterior (BOTTINI, 2015); O Min. Gilmar Mendes, em seu voto (p. 5.716 e seguintes), salientou o seu temor de que a admissão da figura do dolo eventual gerasse elasticidade desarrazoada no delito de lavagem de dinheiro. Empós, engrandeceu o fato de que a exigência de ciência plena acerca da origem ilícita dos bens, direitos e valores pode criar uma situação de impunidade, afirmando acerca da necessidade de se fixar um meio termo entre ambas as posições. Declarou ainda, em relação à teoria da cegueira deliberada, que a importação dessa teoria ao ordenamento jurídico brasileiro se deve dar de modo cauteloso, tendo que se estabelecer limites claros à sua adoção (BARROS; SILVA, 2015); O Min. Dias Toffoli admitiu o dolo eventual, na interpretação da atual Lei de Lavagem. Não obstante, sob a perspectiva da redação anterior da Lei nº 9.613/98 (p. 3.273), negou essa possibilidade. Citou somente de passagem, sobre a teoria da cegueira deliberada (p. 3.274), sem tomar um posicionamento, se é a favor ou contra a sua aplicação (BARROS; SILVA, 2015); A Min. Rosa Weber em seu voto citou a teoria da cegueira deliberada, referindo-se à teoria como cegueira branca (p. 5.374), admitindo-a como cabível ao caso, in verbis: “[...] lembro de ter trazido, também, uma decisão da Corte espanhola - e o fiz para cogitar da possibilidade do dolo eventual, no crime de lavagem -, sobre a chamada “cegueira branca”. Por que não a utilizaria aqui, então? Porque, evidentemente, forma culposa não há em matéria de lavagem de dinheiro. E dolo eventual, haveria? Seria compatível o dolo eventual com o delito lavagem de dinheiro? E eu me manifestei no sentido positivo, e não renego em absoluto a posição que ali adotei[19]”; Consoante entendeu a Ministra, o tipo penal escrito no Art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, admite o dolo eventual, e o direito comparado, arrimado na cegueira deliberada, favorece o seu reconhecimento (p. 1.272-1.273), in verbis: “[...] O tipo do caput do Art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996. [...] A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do Art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. [...] O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine)[20]” (grifos do autor); No decorrer do julgamento, a Ministra Rosa Weber (p. 5.374), por mais de uma vez, se manifestou de modo favorável ao dolo eventual no delito de lavagem de dinheiro, in verbis: “[...] Seria compatível o dolo eventual com o delito lavagem de dinheiro? E eu me manifestei no sentido positivo, e não renego em absoluto a posição que ali adotei. Por quê? Justamente em função do que qualifiquei de “lavadores profissionais”. No caso, nós tínhamos doleiros que, na minha compreensão, não têm interesse, não querem saber de onde vem aquele dinheiro, ainda que tendo consciência da probabilidade de que seja um dinheiro sujo, a ser reintroduzido no mercado, na economia, ou seja, a ser branqueado, a ser lavado[21]”; Conforme os votos da Min. Cármen Lúcia (p. 2.070 e seguintes) e do Min. Luiz Fux (p. 3.188), compreende-se posição semelhante a favor da aplicação do dolo eventual nos delitos de lavagem de dinheiro, sem citar a teoria da cegueira deliberada (BARROS; SILVA, 2015); Mais recentemente, houve outra sentença do ano de 2017, oriunda da 13ª Vara Federal de Curitiba e proferida pelo Juiz Federal Sérgio Moro,[22] fundamentada na teoria da cegueira deliberada. O Juiz condenou dois acusados por nove crimes de lavagem de dinheiro, de acordo com o Art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, pelo recebimento de produto de crime de corrupção, mediante condutas de ocultação e dissimulação que lhe conferiram aparência lícita; Verifica-se, nos seguintes trechos da sentença proferida, que a doutrina da cegueira deliberada e a sua equiparação ao dolo eventual já encontram abrigo na jurisprudência pátria, in verbis: “[...] Embora a Defesa de João Cerqueira de Santana Filho tenha apresentado um parecer Jurídico [...], no sentido de que a questão não estaria pacificada no Direito Espanhol, o fato é que a doutrina da cegueira deliberada e a sua equiparação ao dolo eventual já encontram abrigo na jurisprudência pátria. [...] No Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, as duas turmas Criminais já utilizaram o conceito para crimes de contrabando, de descaminho e de tráfico de drogas, sendo extensível, com as devidas adaptações, ao crime de lavagem. Transcrevam-se dois julgados, entre vários: [...] (ACR 500460631.2010.404.7002 – Rel. Des. Federal João Gebran Neto 8ª Turma do TRF4 – um. – j. 16/07/2014) [...] (ACR 5000152-26.2015.404.7004 Rel. Des. Federal Cláudia Cristina Cristofani – 7ª Turma do TRF4 – um. – j. 06/09/2016) [...] O recebimento, como praxe de recursos não-contabilizados como remuneração de serviços eleitorais, é indicativo de agir indiferente dos acusados quanto ao risco de estarem recebendo valores oriundos de corrupção, próprio do dolo eventual no crime de lavagem”; A sentença cita, ainda, que não houve, por parte dos acusados, nenhum esforço para conhecer da origem do dinheiro envolvido, in verbis: “[...] Afinal, em todos esses episódios, não poderiam ambos pura e simplesmente exigir o pagamento de seus serviços pelos meios formais e lícitos? Não poderiam ambos, aceitando o recebimento por meios fraudulentos, pelo menos aprofundar seu conhecimento a respeito da causa e origem dos pagamentos? [...] Como os próprios acusados, Mônica Regina Cunha Moura e de João Cerqueira de Santana Filho, declararam em seus interrogatórios, apesar do recebimento de pagamentos não registrados e da utilização de mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro, não houve, da parte deles, nenhum esforço, ou mera tentativa, de esclarecer a origem do dinheiro envolvido ou a causa do pagamento. [...] A postura de não querer saber e a de não querer perguntar caracterizam ignorância deliberada e revelam a representação da elevada probabilidade de que os valores tinham origem criminosa e a vontade de realizar a conduta de ocultação e dissimulação a despeito disso. [...] Encontram-se, portanto, presentes os elementos necessários ao reconhecimento do agir com dolo, anda que eventual, na conduta de Mônica Regina Cunha Moura e de João Cerqueira de Santana Filho”; Conclui-se que a teoria da cegueira deliberada encontra espaço potencial na jurisprudência brasileira (BOTTINI, 2013). Com relação à doutrina brasileira, verifica-se que ainda é dividida a respeito da admissão ou não do dolo eventual (que se assemelha à teoria da cegueira deliberada) no crime de lavagem de dinheiro, alegando os que admitem o dolo eventual a falta de restrição legal. Portanto, percebe-se uma possível incorporação ao conceito de dolo em casos em que o agente não conheça os elementos típicos por expressa deliberação; Demonstrou-se, contudo, que, a despeito da aplicação do dolo eventual nos “crimes de lavagem”, não pode ser aplicado em todos os crimes tipificados na Lei nº 9.613/98, especificamente no que concerne à conduta delitiva prevista no Art. 1º, § 2º, inciso II, posto que, segundo redação do tipo penal, há necessidade de se ter o conhecimento pleno, caracterizando assim a necessidade de dolo direto por parte do agente) https://jus.com.br/artigos/70775/a-teoria-da-cegueira-deliberada-e-sua-aplicacao-nos-crimes-de-lavagem-de-dinheiro-no-brasil