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A natureza jurídica da delação premiada e suas consequências - 28/10/2019
A natureza jurídica da delação premiada e suas consequências (Assim, a delação premiada se caracteriza por ser um acordo amplo no qual acusação e defesa compõem, por meio de cláusulas, direitos e deveres com produção de efeitos em diversos ramos do direito como questões afetas ao direito de liberdade e de patrimônio, aliada ao compromisso da acusação de oficiar outras agências estatais no sentido da não punição pelos fatos revelados, revelando claramente tratar-se de instituto que pressupõe manifestação livre de vontade com a criação de obrigações e a assunção recíproca de deveres entre acusado e acusação, produzindo efeitos em áreas diversas, incluída a penal. Esta é a essência da delação premiada e sua correta justificação dentro das ciências jurídicas encontra fundamento nesta premissa, de forma que se situa, indiscutivelmente, no campo dos negócios jurídicos [2], tal qual um contrato atípico ou previsto em legislação extravagante; Não se trata, portanto, de instituto do direito penal, mas de direito civil, produzindo efeitos e sujeitando-se a toda normativa dos negócios jurídicos, desde os seus elementos até as consequências de seus eventuais vícios; Nesse sentido, o estudo do elemento “vontade”, por ocupar papel central nos negócios jurídicos, é relevantíssimo. Assim, para que a vontade pessoal seja apta a gerar negócio jurídico, é necessário que tal conteúdo volitivo seja manifestado livremente na direção de efeitos específicos; Muito está em jogo. Da parte do acusado a cooperação com o Ministério Público gerará benefícios que recairão sobre sua liberdade e patrimônio, notadamente quando este se encontrar preso, variando conforme sua capacidade colaborativa: se o acusado tiver a capacidade de contribuir com o desbaratamento de um extraordinário esquema criminoso praticado, e.g., no âmbito do Poder Legislativo indicando uma série de parlamentares envolvidos, ser-lhe-á oferecida a imunidade; por outro lado, se sua capacidade for de fornecer provas do envolvimento apenas de um assessor sem qualquer expressão de um congressista, talvez lhe seja oferecido o benefício de redução de pena; Já do lado da acusação, como se busca alcançar o interesse público, tem-se a obtenção de provas para o esclarecimento dos ilícitos (penal, administrativo, etc.), além da devolução do proveito econômico do crime e o pagamento de pesadas multas e tributos; Existe, portanto, uma perfeita bilateralidade, necessária no âmbito dos negócios jurídicos: a justaposição de direitos e deveres entre as partes, sujeitos do processo penal, cujo negócio jurídico rotulado de “delação premiada”, terá eficácia por inúmeras áreas do Direito. Logo, a vontade deve ser livre e apta a produzir os efeitos desejados porque “Se não o for, tem-se uma tutela específica, concretizada pelo regime das nulidades, que irá buscar nos vícios da vontade elementos para garantir que somente manifestações isentas de vícios possam produzir efeitos jurídicos”. [3]; E mais, ocorrendo contradição entre a vontade interna (teoria da vontade ou “Willenstheoric”) e externa (teoria da declaração ou “Erklärungstheorie”), haverá vício de vontade, gerando a nulidade do negócio jurídico; Dentre os vícios de vontade relevantes encontra-se o “estado de perigo”, tipificado assim pelo Código Civil em seu artigo 156: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.”; Cediço que quando a pessoa se encontra em estado de perigo, a declaração de sua vontade caracteriza “... anomalia no processo cognitivo” [4], cuja “... ameaça decorre de simples circunstância de fato, que exerça forte influência na manifestação de vontade do agente” [5], circunstância conhecida pela outra parte [6]. Dentre os exemplos, TEPEDINO [7] indica a “renúncia de direitos”, assinalando que, “Em relação a vitima, caracteriza-se pela sensação de inferioridade que a atormenta, premida pela necessidade de salvar-se” [8]. Por fim, relevante observar que o dano deve ser atual ou iminente, cuja análise da gravidade deve levar “... em conta as circunstâncias da vítima” [9]; São estes, portanto, os elementos do estado de perigo: (i) pessoa diante de dano grave defronte de posição concreta que se encontra ou esta em vias de se encontrar; que, por força de tal circunstância fática (ii) assuma obrigação excessivamente onerosa aos seus direitos a ponto de renunciá-los, com (iii) dolo de salvação própria ou de terceiro e tudo com a (iv) ciência da outra parte; É neste campo que reside o estudo da delação premiada realizada por um acusado preso: será que a sua vontade interna representa aquela declarada nos termos do acordo da delação premiada?; Tudo indica que não!; A prisão, instrumento idealizado pela sociedade para sanção de comportamentos sociais não tolerados, representa a mais drástica intervenção do Estado nas liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidas. Deixemos o plano teórico de lado e assumamos uma visão mais pragmática: o sistema prisional brasileiro é falido sob todos os aspectos. As celas das prisões, superlotadas, são habitadas por pessoas, roedores, insetos e todos os tipos de pestes. Retira-se a dignidade não apenas dos presos, mas também de sua família por meio de um sistema falho de visitação, incluída a revista íntima nas mulheres. Quando o preso entra neste sistema medieval, precisa declarar-se integrante de alguma facção criminosa quando, não raras às vezes, precisa praticar crime mais grave dentro deste sistema perverso para não sofrer qualquer tipo de atentado a sua vida; “Prefiro morrer a ficar preso no Brasil”, foi a declaração feita pelo ex- Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo [10], após divulgação, pela Subcomissão de Prevenção da Tortura da ONU, do grave estado de algumas prisões brasileiras e a recomendação do fechamento imediato do Presídio Ary Franco, no Rio de Janeiro, observando que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, “Dos 446 mil presos no país, o percentual de provisórios é de 42,97%, contra 57,03% de presos condenados (254.738) [11]”; Esta é a realidade prisional no Brasil: cidadãos são empilhados nas penitenciárias brasileiras, sem o respeito de qualquer condição de existência mínima (“Schutzbereich”). Bastam poucos dias dentro do sistema prisional brasileiro para o acusado adequar-se ao modelo negocial baseado no “vale-tudo” característico da delação premiada; Logo, o primeiro requisito – (i) pessoa diante de dano grave defronte de posição concreta que se encontra ou esta em vias de se encontrar – é manifesto: o acusado encontra-se premido ou na iminência de ser de sua liberdade num sistema carcerário que lhe retira, inclusive, sua dignidade; Apesar de a doutrina constitucional confirmar ser uma das características dos direitos fundamentais, erigidos a cláusulas pétreas pelo Poder Constituinte Originário, a sua irrenunciabilidade [12] e a vedação de seu retrocesso [13] – porque inerentes ao seres humanos enquanto seres humanos –, no campo negocial, existem condições comuns impostas pelo Ministério Público a todas as delações premiadas praticadas no Brasil, as quais representam, na essência, a renúncia de direitos fundamentais ditos irrenunciáveis: abre-se mão, dentre outros, da presunção de inocência, do direito ao silêncio, dos recursos judiciais e do habeas corpus; O segundo requisito – (ii) assuma obrigação excessivamente onerosa aos seus direitos a ponto de renunciá-los –, portanto, é marcante; Não se trata de arrependimento. A intenção e a vontade são direcionadas, pelo acusado preso, única e exclusivamente à sua soltura imediata, o que pode ser notado, exemplificativamente, pela postura dos envolvidos na operação Lava Jato, Fernando Soares e Nestor Cerveró: enquanto este se desesperou ao ter conhecimento de que o Ministério Público Federal teria recusado sua colaboração, aquele negociava sua saída imediata. (e não meses após a celebração do acordo) [14]. É nítido que o (iii) dolo é de salvação da própria liberdade; Por fim, (iv) tal circunstância é da ciência do Ministério Público: o acusado preso deseja a liberdade imediata; Com efeito, a condição de preso do acusado que passa a cooperar com o Ministério Público se enquadra no conceito de estado de perigo a justificar a declaração de sua nulidade; A delação premiada representa um verdadeiro “atalho” à liberdade, notadamente quando a crença do acusado quanto às possibilidades de obtenção de idêntico resultado via judicial são mais tormentosos e, por isso, mais demorados. O acusado preso é seduzido por este “canto de sereias” representado pelos contornos românticos do instituto e, apesar do advogado tentar amarrá-lo ao mastro do navio – assim como Homero o fez com seus tripulantes em seu poema “Odisseia” –, a promessa de liberdade oferecida soa absolutamente mais encantadora do que qualquer orientação técnica especializada) https://www.conjur.com.br/2019-out-28/edson-ribeiro-natureza-juridica-delacao-consequencias?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook